No filme Jackson na Batida do Pandeiro, que fecha a tampa do 17º In-Edit hoje, às 21h, no Cine Bijou), o discípulo Alceu Valença define a música popular nordestina em quatro imagens: Luiz Gonzaga foi Pelé, Jackson do Pandeiro foi Garrincha. É sobre o Garrincha musical que trata o filme de Marcos Vilar e Cacá Teixeira, namorando pelas beiradas a maldição do coco, da embolada, do candomblé e do samba paraibano de Jackson do Pandeiro.

Filmado em cores lavadas, Jackson na Batida do Pandeiro segue a correnteza, ou melhor, a corredeira de aquífero subterrâneo que foi a passagem de José Gomes Filho (1919-1982), paraibano de Alagoa Grande, pela música brasileira. O documentário demonstra, em queda de cachoeira, que há um dedinho de Jackson do Pandeiro em tudo que aconteceu desde que ele encheu os ouvidos do rádio com “Sebastiana” (1953), “Forró em Limoeiro” (1953), “O Canto da Ema” (1956), “Chiclete com Banana” (1958), “Cantiga do Sapo” (1958)…
Revela, também, a influência colossal (e nem sempre explicitada) do cantor e compositor sobre precursores, contemporâneos, discípulos e tributários voluntários ou involuntários. Do antecessor Luiz Gonzaga, diz-se que o “rei do baião” chegou a ficar incomodado com o advento plebeu de Jackson, que, por sua vez, não corresponderia a desconfiança do mestre (sua voz surge, a certa altura, cantando o “Baião” gonzaguiano de 1946).
Figura contemporânea primordial, a pernambucana Almira Castilho (1924-2011), parceira e companheira até 1967, aparece em depoimentos caudalosos e não raro divertidos, que ajudam a desvendar precariamente uma personagem talvez tão importante na ascensão de Jackson quanto ele próprio. Ela conta, por exemplo, da situação bígama de Jackson do Pandeiro quando se casaram e do desenlace do impasse: “Resolvi a situação, mais ou menos, né?, para dar uma satisfação à sociedade e à família”.

O concunhado (e ás do jazz paraibano) Genival Lacerda dá conta da ligeireza do pensamento e da fala jacksonianos e do incômodo de Gonzagão, enquanto desfilam pela tela os depoimentos e/ou a memória de figuras esmaecidas pelo maldito desprezo do Sudeste pelo Nordeste, como Geraldo Correia, Luizinho Calixto, Rosil Cavalcanti (o autor de “Sebastiana“, que a cantava com vagareza até Jackson fazê-la desabrochar, segundo as palavras de Genival Lacerda), maestro Clóvis Pereira (homem por trás do projeto erudito-popular posterior da Orquestra Armorial), Maria Luíza de Oliveira (antepassada rumbeira de Almira nas umbigadas com Jackson), Alventino Cavalcanti…
Nem sempre declarado, o apreço do samba carioca por Jackson do Pandeiro transparece nas falas de Wilson das Neves, Adelzon Alves e Zeca Pagodinho, e a catarata vira sete quedas quando desaguam na tela os depoimentos apaixonados de admiradores da fogosa geração posterior à do artista, de Gal Costa, Gilberto Gil, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, João Bosco, Hermeto Pascoal, Elba Ramalho, Jarbas Mariz, Ney Matogrosso… Avançando no tempo, o documentário chega até Silvério Pessoa, Lenine, Pedro Luís, Casuarina, Robério Chaves, mas não ao forró eletrônico, ao axé, ao piseiro, ao arrocha, ao brega-funk. Poderia chegar, já que tudo que o autor (com o baiano Gordurinha) e intérprete de “Chiclete com Banana” sempre propôs foi mistura, modernização, antropofagia, contaminação musical.
O documentário apenas resvala na passagem de Jackson pela seita Racional Superior (a mesma que rendeu, à mesma época, o advento do Tim Maia Racional), sem deixar testemunho sonoro, e logo Jackson ressurge declarando amor e agradecimento à geração tropicalista, que, segundo ele, o recolocou no mapa da música brasileira em anos especialmente difíceis.
Infelizmente, são raras as imagens em movimento das interações entre Jackson e seus inúmeros pares – ele canta “Zabelê” (1967) com Gil ao violão, e não muito mais que isso. Com Luiz Gonzaga, resta a fotografia que atesta o bate-bola entre o Pelé e o Garrincha da música, num mesmo estádio, o da grande canção nordestina e brasileira.