Certos acontecimentos na música brasileira não têm paralelo: são únicos e, portanto, incomparáveis. A este seleto time em que podem ser incluídos nomes como Arrigo Barnabé, Elomar, Os Mulheres Negras, Projeto B, Quartabê e Uakti, some-se O Grivo.
Em atividade há mais de 30 anos, os músicos e luthiers Marcos Moreira e Nelson Soares fazem músicas, inventam e constroem instrumentos e propõem um diálogo da linguagem musical com outras expressões como as artes visuais, o teatro, a dança e o cinema.
Diálogo entre música e cinema, a princípio, pode soar uma obviedade: quase todo filme tem uma trilha sonora. Mas não é apenas disso que se fala quando se fala nO Grivo. Hoje (20), às 21h, e amanhã (21), às 18h, o duo se apresenta no Sesc Vila Mariana (Rua Pelotas). Nos concertos, se utilizando de mais de 50 instrumentos, entre tradicionais (usados de modo não convencional) e inventados, eles criarão, ao vivo, as trilhas sonoras de sete curtas-metragens (hoje) e do clássico O Gabinete do Doutor Caligari (1920, 77 minutos), de Robert Wiene.
Os curtas de hoje são Anemic Cinema (de Marcel Duchamp, 1926, 6 minutos), Entr’acte (René Clair, 1924, 20 minutos), Emak Bakia (Man Ray, 1926, 16 minutos), Rhythmus 21 (Hans Richter, 1921, 3 minutos), The Hearts of Age (Orson Welles, 1934, 8 minutos), Rhythmus 23 (Hans Richter, 1921, 4 minutos) e Opus III (Walter Ruttmann, 1924, 3 minutos).
Os ingressos são gratuitos. FAROFAFÁ conversou com exclusividade com Nelson Soares.
CINCO PERGUNTAS PARA NELSON SOARES
ZEMA RIBEIRO: Eu tentei encontrar paralelos para o que vocês fazem e o mais próximo a que cheguei, por razões distintas, foi a Os Mulheres Negras e Uakti. Tem a ver ou estou viajando na maionese?
NELSON SOARES: Pensando nos grupos que você mencionou, o ponto de contato que me vem à cabeça de imediato é a procura por caminhos originais (autorais). Entretanto, do ponto de vista da linguagem construída ao longo do tempo, vejo escolhas muito diferentes. Principalmente por conta das referências harmônicas e rítmicas. A escolha mais radical pela improvisação como centro gravitacional do trabalho me parece também mais específica do trabalho do Grivo.
ZR: A música em vocês está ligada a outras dimensões, desde a criação de instrumentos musicais até o audiovisual, celebrado nestas duas apresentações anunciadas. Como vocês se conheceram e estabeleceram esta relação de amizade e parceria?
NS: A criação de instrumentos e de autômatos geradores de som está desde sempre na nossa prática. Parece que a relação entre música e a visualidade dos instrumentos e máquinas sempre se misturaram. Esta característica também aproximou os dois músicos do grupo, já que este interesse e curiosidade são comuns. De qualquer forma a relação entre música e imagem no entendimento e exploração das características do som são quase indissociáveis. Relações entre geometria e música por exemplo são fundantes de várias ideias e conceitos musicais desde sempre.
ZR: Músicos como Ernesto Nazareth (1863-1934), nos tempos do cinema mudo, executavam trilhas sonoras ao vivo. O que vocês apontam como diferencial no trabalho de vocês?
NS: Os dois concertos deste fim de semana são quase que estudos sobre maneiras muito diferentes e às vezes diametralmente opostas de dialogar com os filmes. Algumas trilhas, por exemplo, funcionam amalgamadas às narrativas das obras; enquanto que outras estabelecem narrativas e fluxos paralelos. Esta pesquisa sobre modos de dialogar me parece diferente. E não se trata de nada cerebral ou acadêmico. É antes, vivo, bem humorado, etc. e tal…
ZR: Além dos filmes escolhidos, quais as diferenças entre as duas apresentações anunciadas? No caso de O Gabinete do Doutor Caligari vocês vão executar a trilha sonora do filme ou “inventar” uma trilha?
NS: A diferença fundamental é que no caso dos curtas são executadas trilhas muito distintas para cada filme. No caso dO Gabinete é uma trilha longa que passa por momentos muito distintos, mas que são orgânicas. São partes que conversam intimamente entre si e todas elas com a obra clássica do Robert Wiene.
ZR: Todos os filmes escolhidos têm mais de 100 anos. Quais os critérios destas escolhas?
NS: Com exceção do Hearts of Age (1934) todos têm pelo menos cem anos. A escolha se dá pelo encantamento que provocam na gente. E além disso há alguns filmes que geram nas nossas cabeças propostas musicais que nos colocam em risco e movimento… esses são irresistíveis!