Às vésperas de completar 78 anos (no próximo 18 de junho), a baiana Maria Bethânia se torna o centro das atenções: a cantora carioca Malú Lomando apresenta hoje (6) e no dia internacional da mulher (8 de março) nos Blue Note do Rio de Janeiro (Av. Atlântica, 1910 – Copacabana) e São Paulo (Av. Paulista, 2073 – Bela Vista), respectivamente, sempre às 20h. Os ingressos custam entre R$ 60,00 e 120,00.
No próximo dia 13 é a vez do Instituto Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149, São Paulo/SP) abrir sua 62ª. Ocupação, inteiramente dedicada à santo-amarense. A exposição tem curadoria de Bia Lessa e ocupa o térreo e o primeiro andar do espaço, realçando a ligação da cantora com autores como Vinicius de Moraes (1913-1980), Clarice Lispector (1920-1977) e Fernando Pessoa (1888-1935). Fica em cartaz até 9 de junho, com visitação gratuita e classificação indicativa livre.
Acompanhada por Felipe Câmara (violão, guitarra e direção musical) e Cris Linhares (percussão), Malú Lomando apresenta sua Reverência à Maria Bethânia, o título do show, que tem direção geral dela e Alessandra Nunes, mostrando afinidades entre as artistas a partir da escolha do repertório, o que inclui clássicos como “Carcará” (João do Vale/ José Cândido), “Olhos nos Olhos” (Chico Buarque), “Samba da Benção” (Vinícius de Moraes/ Baden Powell) e “Sonho Meu” (Délcio Carvalho/ Dona Ivone Lara).
Malú Lomando pretende circular com o show por outras cidades. Ela conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.
QUATRO PERGUNTAS PARA MALÚ LOMANDO
ZEMA RIBEIRO: Maria Bethânia é um universo. Quais os critérios para o recorte do que entra no show, em termos de repertório e das diversas facetas da artista?
MALÚ LOMANDO: O principal critério foi partir de um lugar que fizesse sentido para mim enquanto uma artista. Então, eu parto das coisas que me agradam em Bethânia, eu parto das músicas com as quais eu me identifico, com os temas com os quais eu me identifico. Então, eu tentei passear bastante pela esfera do sagrado na Bethânia, principalmente na matriz africana de fé que ela permeia. Também procurei o lado romântico, o lado de uma acidez também nesse romantismo. E também dessas altas reflexões sobre a vida, principalmente a obra de Gonzaguinha [1945-1991] ali dentro de Bethânia. Mas ao mesmo tempo por entender e considerar esse show primeiramente para o público, muito mais do que para mim, eu tentei fazer essas escolhas também pensando no que as pessoas gostariam de ouvir, no que é mais conhecido, e também numa linha temporal aí de 60 anos de carreira quase, não ficar só concentrado em uma determinada época de Bethânia e sim conseguir contemplar um pouco do início até os dias de hoje. Sabendo de antemão que eu ia ter que fazer escolhas, que muitas coisas que eu amo ficaram de fora, porque talvez não fossem tão conhecidas, tão importantes de estarem, outras coisas que não deixam de estar porque não tem como, fazem muito parte do nosso universo brasileiro através da obra da Bethânia. Então, eu tentei criar realmente esse passeio pela obra dela que respeitasse o tempo e que tivesse muito a ver com os temas que eu gosto de trabalhar e compor nas minhas canções e também escrever nos meus poemas. Também me preocupei em fazer um passeio fiel à linguagem da Bethânia, principalmente. Ela é a minha maior referência, principalmente por conta da linguagem. Então, quis trazer esse “entre” um show e uma experiência, esse lugar da poesia no meio das músicas, valorizar muito a palavra quando se canta, valorizar muito a interpretação, a história que se conta. Esses foram meus principais critérios. Histórias importantes a serem contadas, que eu julgava importantes porque também me tocam, são temas que eu tenho afinidade e temas que eu acho que são afinidades também do nosso público.
ZR: Que lugar tem Maria Bethânia em tua formação musical e memórias afetivas?
ML: Acho que eu respondi um pouquinho na primeira, mas Maria Bethânia tem um lugar central na minha formação, mas de uma formação de anos um pouco mais recentes, que partiram da minha própria pesquisa, do meu próprio movimento autônomo. Bethânia não foi uma artista que eu ouvi em casa quando criança. Crescendo, as minhas referências familiares e primeiras, estão muito em Cássia Eller [1962-2001], Jorge Benjor, Renato Russo [1960-1996]. E aí, quando eu começo a ter a minha formação de teatro, principalmente, eu começo a ter muito contato com a obra da Bethânia, por ela ser uma grande referência também para quem é ator – porque ela é uma grande atriz. Então, acabei tendo, a partir dessa época de formação na Escola de Teatro Célia Helena, em São Paulo, muito mais contato com a obra dela. Através do trabalho da Bethânia, eu enxerguei o meu caminho, porque eu sabia que eu queria ser atriz desde pequena, mas a música me agarrou pelo pescoço. Acho que no processo de me descobrir enquanto cantora e compositora, que foi um processo posterior ao de me descobrir atriz, eu trouxe essa atriz junto para o canto e eu não sabia como fazer isso. Eu achava antes que as coisas tinham que ser separadas e com a ajuda da arte da Bethânia eu enxerguei que eu poderia integrar as duas coisas e que havia espaço na música brasileira para esse tipo de trabalho. Então, muito da vontade de fazer esse show é não só honrar e reverenciar o que ela pode me apresentar e o que ela significa para nós, para o povo brasileiro, mas também para poder permear essa linguagem e me colocar como uma discípula dessa nova geração, a partir dos caminhos que a Bethânia abriu da linguagem que ela inaugurou, nesta escala que ela fez. Esse é o lugar que ela ocupa pra mim.
ZR: Você a homenageia com shows nos Blue Note carioca e paulista e semana que vem o Instituto Itaú Cultural inaugura uma Ocupação dedicada a artista. Você pretende visitar a exposição? O que espera encontrar?
ML: Eu, com certeza, vou visitar a exposição da Bethânia no Itaú Cultural. Tudo que o Itaú Cultural promove é absolutamente incrível em termos das exposições que eu já frequentei, dos que eu já podia observar e presenciar. Então, eu acho que é muito merecido e tenho muito orgulho de que seja feita uma exposição para a Bethânia. Eu espero que nessa exposição a gente possa ter um panorama da história, da vida de Bethânia, dessa artista que nasce de Santo Amaro da Purificação e como ela arrasta tantas pessoas incríveis junto com ela, a partir das oportunidades que ela teve e as minúcias mesmo da caminhada, das escolhas de repertório, de todas as coisas que ela pode promover com o trabalho dela de grande intérprete e também de compositora. Tem várias coisas que acabam não sendo conhecidas pelo grande público, acabam sendo conhecidas só para quem pesquisa a fundo, para quem conhece, por exemplo, a faceta compositora de Bethânia. Eu espero que eles contemplem várias partes dessa história que as pessoas acabam não sabendo tanto. Então, eu sinto que vai ser muito bom para isso, e eu estou, inclusive, muito ansiosa para ver se a gente consegue fazer algum tipo de ação, algum tipo de apresentação nessa exposição também, junto ao Itaú Cultural. Para mim vai ser uma honra trazer essa pesquisa, esse trabalho de reverência a Bethânia para esse espaço também, não só porque tem tudo a ver, mas também porque é mais uma forma de estar ali reverenciando Bethânia. Então, isso me interessa muito, e eu quero muito que a gente converse lá e entenda se há essa possibilidade, porque acho que só tem a somar.
ZR: Seu álbum de estreia, Alphaleonis, é de 2020. Além desta homenagem a Bethânia você está trabalhando em algo autoral no momento? O que pode nos adiantar de novos projetos?
ML: O que eu posso adiantar de novos projetos é que vão haver lançamentos de singles autorais esse ano. Esse ano eu estou também bem concentrada no meu espetáculo, que é o Artéria, com direção do Fernando Vilela, com textos e composições minhas inéditas, e que é uma espécie de monólogo musical, onde uma figura feminina enfrenta diferentes facetas psicológicas do patriarcado, e como a gente precisa se libertar também nessa dimensão, além da dimensão social, histórica. Esse espetáculo está com previsão de estreia para o segundo semestre, estou bem animada. Também já estou preparando o meu próximo disco, que tem previsão de lançamento para 2025, que se chama Psique, e vai tratar também desse passeio sobre a psique humana, pois estou fazendo formação em Psicologia Analítica. Então, é um disco que pretende mapear um pouco das instâncias psíquicas, contar um pouco desses vários personagens e estruturas que habitam a nossa psique, tanto individual quanto coletiva, e muita referência da médica psiquiatra Nise da Silveira [1905-1999], que defendeu a arte para a manutenção da saúde mental também. Então, é um pouco isso que eu tenho de autoral para trazer.