Guitarrista tuaregue pinta como sensação do C6 Fest

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O guitarrista Mdou Moctar, sentado, e seu quarteto, a caminho do Brasil este mês

Entre as duas dezenas de atrações estelares do novo C6 Fest (o festival que veio suceder os memoráveis Free Jazz Festival e Tim Festival), vindas de 10 países e 4 continentes, uma certamente vai causar um impacto diferente e não permitirá a ninguém assistir impassível, sem dançar. O guitarrista, compositor e cantor tuaregue Mdou Moctar, africano do Níger, tem sido chamado por onde passa de “Jimi Hendrix do deserto”. Bajulado por artistas como Dweezil Zappa (filho de Frank Zappa) e admirado por ouvintes como Barack Obama, o guitarrista do Saara virou um prodígio da nova world music desde que apareceu em uma coletânea de 2010 chamada Music for Saharan Cellphones. Assinou contrato com o selo indie Matador Records e viu se abrirem as portas de festivais do mundo todo, como o New Orleans Heritage and Music Festival, o Austin Psych Fest e o Miami’s Afro Roots Fest.

Em entrevista ao FAROFAFÁ, via Zoom, na última terça-feira, 9, Moctar disse o que sente a respeito de ser chamado de “Jimi Hendrix do deserto”:

“Quando surgiu Ali Farka Touré, disseram: é o Jimi Hendrix do deserto. Quando surgiu o Tinariwen, disseram: são o Jimi Hendrix do deserto. Quando veio Salif Keita, é o Jimi Hendrix do deserto. Quando apareci, disseram: Mdou Moctar é o Jimi Hendrix do deserto. O que isso quer dizer? É claro que eu agradeço, fico lisonjeado, Hendrix foi um músico extremamente talentoso. Mas não há relação. Eu talvez seja mais próximo de Eddie Van Halen, creio que é mais apropriado”, afirmou Moctar, de 39 anos, que disse que a sua carreira começou a se abrir a partir do contato que teve com a música de guitarras de outros astros do continente africano (especialmente do Mali e da Nigéria, vizinhos do Níger).

Moctar conta que sua história como guitarrista começou nos distantes anos 1990, quando ele viu o Van Halen tocando na TV e pensou: “É isso que eu quero fazer, quero tocar guitarra”. Mas não havia lojas de instrumentos na cidade onde vivia, e ainda por cima Moctar é canhoto. Então, ele teve que inventar seu próprio instrumento. “Cortei os cabos do freio de uma bicicleta e usei como cordas, fixando em uma prancha de madeira”, ele lembra. As baterias elétricas foram as primeiras “casas de força” de suas guitarras. “Acredito que aquilo que veem em minha apresentação como uma coisa particular, pessoal, é a velocidade como eu toco e o meu estilo. Eu mantenho uma conexão muito grande com a cultura do local de onde eu venho, a música tradicional tuaregue, que é a base de minha música”.

Ao lado do baterista Souleymane Ibrahim, do guitarrista Ahmoudou Madassane e do baixista nova-iorquino Mikey Coltun, e cantando em tamasheque (a língua dos tuaregues, povos nômades), ele encabeça apresentações com canções que podem durar de 5 minutos até 20 minutos, verdadeiros mantras em alta velocidade, tão psicodélicas quanto as músicas do Tinariwen, mas com um componente que faz seu som ser comparado ao rock. Segundo Moctar, a forma como constituiu sua banda obedeceu ao mesmo princípio de toda produção musical: tudo se desenvolve em torno das canções. “Os músicos ouvem, acrescentam as suas partes, improvisam, vamos tocando e a performance se define a partir daí”, conta. “A verdade é que nunca tive contato com o rock. Mesmo Hendrix eu só vim a conhecer mais recentemente, assim como Prince e Michael Jackson, dois grandes artistas”.

Politizado como todos os tuaregues, Moctar escreveu um artigo para o New York Times sobre a tradição colonialista francesa na África, a atuação do grupo terrorista Boko Haram e as dificuldades de seus primeiros passos na música. Instado pelo FAROFAFÁ, comentou sobre alguns versos da sua canção Afrique Victime, que fala da necessidade de resistência cultural, social e política numa África constantemente vilipendiada. Na letra ele cita, como exemplos de cidadãos africanos exemplares, o sul-africano Nelson Mandela e o ex-líder líbio Muammar Kadafi. Sobre a forma como o Ocidente vê a figura de Kadafi, Moctar é incisivo: “Me responda: o que aconteceu com a Líbia depois que mataram Kadafi? O que aconteceu com o Iraque depois que mataram Saddam Hussein? O que aconteceu na Síria depois? As pessoas tinham comida, tinham escola, tinham trabalho, tinham seu dinheiro. Agora, o que elas têm? Estão vivendo melhor? O Ocidente voltou lá para ver como ficou? Eu acho complicado essas interpretações externas sobre as questões internas dos países da África e do Oriente Médio. Creio que elas contém uma grande dose de política, de interesses variados”, afirmou.

Sobre sua primeira apresentação no Brasil, Moctar revela, com um sorrisão, uma paixão: o futebol. Adora o futebol brasileiro. Lembra da Copa de 1998, na França, quando viu Ronaldo Fenômeno jogar (“Desde então, nunca mais assisti a uma Copa”, revela), e tem interesse em ver times e jogadores do País em atuação.

Fruto de uma parceria entre o C6 Bank e a Dueto Produções, o novo festival C6 Fest ocupará quatro espaços e instalações distribuídos dentro do Parque Ibirapuera, um dos pontos mais emblemáticos da capital paulista, entre os dias 19, 20 e 21 de maio. O Rio de Janeiro receberá uma versão compacta do festival entre 18 e 20 de maio, no Vivo Rio.

O festival traz vencedores de inúmeros prêmios Grammy nos últimos anos, como a banda The War on Drugs, o cantor, compositor e instrumentista norte-americano Jon Batiste, que levou cinco troféus em 2022, e sua conterrânea Samara Joy, eleita a cantora revelação e melhor voz de jazz no Grammy 2023. Também são destaques do lineup Arlo Parks, Black Country New Road, Blick Bassy, Caetano Veloso, Christine and the Queens, Dry Cleaning, Kraftwerk, Underworld, Weyes Blood e Xênia França, entre muitos outros, bem como shows temáticos criados especialmente para o evento.

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