A língua cúmplice

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Cumplicidades. Capa do single. Reprodução
Cumplicidades. Capa do single. Reprodução

Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal, além de terem em comum a língua portuguesa, são países de enormes diversidades musicais e berços de músicos que esbanjam talento. Mas o que ouvimos de lá e o que eles ouvem daqui?

O projeto “Língua Terra: reinventando mundos” surgiu em São Paulo, em 2017, num encontro experimental, que tem como objetivo justamente promover esse intercâmbio e minimizar esse quase total desconhecimento – embora haja exceções aqui e acolá.

O supergrupo lança na próxima terça-feira (18), o single “Cumplicidades” (Paulo Flores/ Lenna Bahule/ Manecas Costa), a primeira música gravada por eles, cujo trabalho terá continuidade em formato online, ao longo de 2021, em razão da pandemia de covid-19. A pretensão do grupo é pisar palcos dos seus diversos países de origem, mas não só, tão logo a crise sanitária permita.

“Como bem diz Noam Chomsky e outros grandes linguistas, uma língua é muito mais do que um código de comunicação. Ela determina uma forma de interpretar o mundo e, mais profundamente, uma forma de ser. Mesmo vindo de países tão distintos e diferentes, somos irmanados pela língua. “Cumplicidades” é um fruto dessa irmandade. Criada e produzida em apenas um dia de encontro, ela expressa toda a alegria, amor e cumplicidade dessa união, gerada pela nossa língua portuguesa e selada pela música, língua universal”, declarou o percussionista brasileiro Guilherme Kastrup, que assina a direção musical – o grupo se completa com o guineense Manecas Costa (violão e voz), a moçambicana Lenna Bahule (voz), os angolanos Paulo Flores (voz) e João Ferreira (percussão) e os brasileiros Swami Jr. (violão sete cordas), Beth Beli (percussão) e Jackie Cunha (percussão).

Swami Jr. respondeu com exclusividade a três perguntas de Farofafá.

O violonista Swami Jr. Foto: divulgação
O violonista Swami Jr. Foto: divulgação

ZEMA RIBEIRO – Sempre observei que o Brasil consome mais música estrangeira, sobretudo inglesa e americana, que de países vizinhos, de língua espanhola e, em tese, de mais fácil assimilação. Mas ouvir o projeto Língua Terra me fez pensar que não ouvimos, ou ouvimos pouco, artistas de países de língua portuguesa. A que você creditaria este nosso desinteresse pelos iguais?
SWAMI JR. – O Brasil sempre esteve muito mais voltado para a cultura norte-americana e europeia e também, de costas para a América Latina, pouco interessado na produção de países de origem hispânica e vizinhos. Acho que é uma herança do colonialismo e seu pensamento eurocêntrico dominante, e também um reflexo de nossa dificuldade atávica de valorizar e ver com clareza nossas exuberâncias. Isso acontece também, ainda em maior escala, com a produção cultural dos países lusófonos da África, de quem muito pouco conhecemos e nos interessamos em conhecer.

Você já tocou com mais de meio mundo de gente e percorreu mais de meio planeta fazendo música. Qual a importância do Língua Terra na tua trajetória e para a re/descoberta da música de outros países de língua portuguesa pelos brasileiros?
O Projeto Língua Terra é uma iniciativa extraordinária e corajosa de criar algo novo e inédito com artistas de países que, inexplicavelmente, pouco se conectam, apesar da unidade do idioma. O resultado maravilhoso e estimulante desse primeiro encontro, me parece um ponto de partida para uma cooperação mais intensa e frequente que vai enriquecer muito a experiência, não só dos artistas envolvidos, mas também do público brasileiro. Para mim foi um privilégio participar desse lindo encontro, rever os grandes Manecas Costa e Paulo Flores, trabalhar novamente com o incrível Guilherme Kastrup, Monica Cosas, Lena Bahule, e todos que ali estiveram, em um encontro de riquezas, descobertas e trocas musicais e humanas muito intenso.

O primeiro single do Língua Terra chama-se justamente “Cumplicidades”. Em sua opinião, em que os seis países representados no projeto deveriam ser cúmplices e qual o tamanho da cumplicidade de vocês que compõem o grupo, entre música e amizade?
“Cumplicidades” é o título perfeito para esse single, e, a meu ver, a meta que devemos alimentar entre os lusófonos. A língua é o maior fator unificador e de identidade de qualquer cultura. Sermos “cúmplices” de verdade deve ser o único caminho a ser seguido, tanto no âmbito cultural como político, para que essas vozes sejam ouvidas e possam mostrar um pensamento diferente, uma nova via, um novo olhar sobre a cultura e a importância de quem está na periferia do mundo mas tem muito a dizer e a contribuir.

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Assista o videoclipe de “Cumplicidades”:

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