Rudinei Borges dos Santos é paraense de Itaituba. Poeta e dramaturgo nascido e criado às margens das águas do Rio Tapajós, ele é dono de uma escrita francamente inspirada no mais ilustre mineiro de Cordisburgo, Guimarães Rosa. Já Tertulina Alves é baiana de Três Outeiros de Macaúbas. Sertaneja, ela foi buscar as lembranças de sua infância, trazendo na bagagem também as histórias de sua avó, Maria Tertulina, e de Maria Izabel, a “rainha das cavalgadas”. As vidas de Rudinei e Tertulina se entrelaçaram e resultaram em Ser tão sem fim, texto de 2018 do paraense que virou o monólogo interpretado agora pela atriz baiana, em cartaz no paulistano Teatro Sérgio Cardoso.
O feminino é o elemento central de Ser tão sem fim. Tertulina interpreta Bastia, de Sebastiana, uma mulher forte que “veio ao mundo do nada, no lampejo do choro, estrangeira das coisas, despertencida”. No machista universo sertanejo, a protagonista montava cavalos, viajava quilômetros e tinha um rosto, “acusação grave ter um rosto”, alerta Rudinei. Casada com Dão Sálvio, ela teve sete filhos. Os dois construíram uma morada simples de barro, trabalhavam na roça e pagaram um preço alto por terem, depois de anos, juntado 66 cabeças de gado. Uma ousadia em terras de coronéis.
Na peça, a atriz constrói uma narrativa com o próprio corpo, tal como desejava Rudinei, para a personagem Bastia. Tertulina dá vida à dramaturgia rosiana do autor, recorrendo a galhos e troncos retorcidos, ossos e cacimba de barro, que compõem a cenografia minimalista da peça, assinada pelo artista plástico Eliseu Weide. Esses elementos visuais viram pessoas, natureza, objetos e lugares. Já as elipses em Ser tão sem fim, a fala sincopada, as frases que se alternam entre curtas e poéticas, tudo isso é capaz de produzir inúmeras reflexões que vão muito além da linguagem textual.
Guimarães Rosa escreveu o clássico Grande Sertão: Veredas, alicerçado nos jeitos e sotaques regionalistas e que conta a história do jagunço Riobaldo em sua descoberta pelo autoconhecimento. Rudinei subverteu o ser das veredas para as inúmeras almas sem fim dos sertões brasileiros. E elas são, muitas vezes, vozes femininas que insistem em sobreviver e lutar. É ao longe, no sertão sem fim, que esta peça convida a plateia a se enlutar e acompanhar os velórios simbólicos de vidas sertanejas. Há uma vontade de justiça no ar, e não de vingança.
Há três anos, Tertulina trouxe de uma viagem a Macaúbas anotações e gravações de conversas com diversas mulheres da região. Entregou o material ao dramaturgo Rudinei, que escreveu o texto teatral, produzindo uma síntese desses relatos. Com direção de Donizeti Mazonas, algumas adaptações foram feitas para esta montagem, que foi rebatizada de Sertão sem fim. Por ser presencial, vale informar que os protocolos de proteção contra a Covid-19 estão sendo seguidos.
Sertão sem fim. No Teatro Sérgio Cardoso, de segunda a sexta-feira, às 19 horas, até 22 de fevereiro. Ingressos a 10 reais.