Pode reparar: em qualquer foto do mítico Clube da Esquina de Minas Gerais só tem homem. Fernando Brant, Lô Borges, Márcio Borges, Tavinho Moura, Beto Guedes, Toninho Horta, Milton Nascimento. Mas essa história está prestes a mudar: havia ali uma menina que acompanhou o desenvolvimento daquela cena, e ela vai contar a versão dos fatos, pela primeira vez, de um ponto de vista feminino. Histórias de outras esquinas, de Duca Leal, ainda inédito, narra como ela conheceu e se integrou ao núcleo do Clube da Esquina quando tinha apenas 15 anos, na época da Copa de 1970.
Foi para Duca Leal, cujo apelido era Indiazinha, mineira de Resplendor, que foram feitas as canções Um girassol da cor do seu cabelo e Vento de Maio, de Márcio Borges, com quem ela se casou em 1971. Duca viu os discos surgirem, dançou descalça nas noites em que as canções foram criadas, ouviu violão sentada nas ruas de pedra de Diamantina, passava as tardes deitada na cama com Milton Nascimento, o Bituca, assistindo TV com as crianças. Ela só se entediava com conversas muito intelectuais, infindáveis. “Gostava mesmo era de ouvir música e fazer amor.”
Versões novas iluminam sonhos novos. Por exemplo: no livro Os sonhos não envelhecem – Histórias do Clube da Esquina, Márcio Borges conta que compôs Um girassol da cor do seu cabelo numa casa semi-abandonada na zona rural, em Japuré, e mostrou para a namorada num ônibus. Já Duca conta a cena de outra forma, em um ambiente menos rústico, uma casa bem cuidada por uma tia capixaba amorosa. Mas o resultado é o mesmo: a musa que emerge por detrás das canções eternas era uma garota liberada que andava com uns meninos delirantes e geniais.
Amigos presos, amigos sofrendo com a perseguição política: as tristezas, retratos do mal em si, melhor é deixar pra trás, pensa Indiazinha. Uma alegria juvenil marca suas evocações do período, e isso mesmo quando os acontecimentos levavam os encontros para dentro de um presídio. A narrativa emoldura o desenvolvimento de sua família e de pessoas comuns em torno daquela cena artística ebulitiva e febril, sem negligenciar fatos – como as drogas e os desejos secretos.
Do casamento com Márcio Borges, Indiazinha teve dois filhos e cinco netos. Em 1979, ela foi até o companheiro e disse que não queria mais ficar casada, queria ser livre, não queria mais ser conhecida apenas como a mulher de um poeta. De lá para cá, casou de novo, teve outros filhos, produziu espetáculos, foi bibliotecária, morou em comunidade alternativa. Indiazinha não crê de jeito nenhum que o Clube da Esquina fosse misógino, era apenas uma coisa circunstancial, “foi uma coisa que brotou”, como diz. Duca Leal inicia em breve uma campanha de arrecadação de recursos para publicação de suas memórias pela plataforma Catarse (a editora será a Vizeu, do Paraná).
Fotografias de Juvenal Pereira
Que notícia boa, Duca!
Estou amando sua iniciativa e curioso com o conteúdo que virá. Estivemos juntos em muitos desses momentos dos anos 70, especialmente em Santa Tereza de Belo Horizonte e na sua casa em Santa Tereza do Rio de Janeiro. Passei muitas temporadas com vcs na Almirante Alexandrino.
Sou o Chico de Belo Horizonte que depois se mudou pra Montes Claros. A frequência em sua casa diminuiu no final dos anos 70, mas a amizade, carinho e amor permanecem até hoje.
Quero participar e contribuir com a sua iniciativa.
Abraços saudosos.
Chico