O salão de baile de Cida Pedrosa

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Bodocó, na região do semi-árido pernambucano, a 640 quilômetros da capital, Recife, é conhecida como a terra do leite e do queijo e agora, também, como a terra de Cida Pedrosa. A escritora bodocoense, radicada no Recife (onde se elegeu, na última eleição, vereadora pelo PCdoB), fez história, ultrapassou Chico Buarque, Ruy Castro, Laurentino Gomes e outros gigantes e faturou em novembro o principal prêmio da 68ª edição do Jabuti, a mais destacada distinção literária do País, com seu sétimo livro, Solo para Vialejo.

O livro do ano é um livro de muitos séculos. Já na sua capa se elucida toda a viagem de Cida Pedrosa: a foto mostra a ancestral orquestra de jazz União Bodocoense, uma big band de um tempo em que negros sem nome tocavam jazz e blues pelos sertões brasileiros, instruídos a isso pelo gosto das elites que, enfim, subverteram. A partir dessa visão, e das muitas diásporas de seus conterrâneos (“narrativas de filhos que partiram de filhos que ficaram de filhos que chegaram de filhos que não sabem onde estão“), Cida constrói um poema circular, às vezes enxertado por galáxias de palavras, que nos apresenta uma das mais profundas e maduras experiências literárias da atualidade.

Como num forró alucinado por um caleidoscópio de personagens, explorando principalmente a força da musicalidade dos diferentes ritmos do Nordeste (o antigo fox, o eterno frevo, a dança de salão, as novenas, a sanfona, Waldick Soriano e Sonny Boy Williamson, Muddy Waters e aboio), Cida faz girar a cabeça e as convicções, ao mesmo tempo que submete o leitor à educação sentimental do sertão. Sons e versos estão indissoluvelmente ligados em seu texto, numa região de nascimento de hibridismos. Como num mapeamento de DNA artístico, sua dança vai sendo feita em progresso, incorporando os artistas que fundaram a musicalidade nacional, como “moacir santos um negro órfão das terras de flores ginasiado por mãos brancas que o receberam nas normas de casa de coronéis aprendeu de virtuoso a tocar sax banjo e clarinete antes dos 14 anos fugiu mundo afora e música adentro pelas terras de serra talhada”.

Além da música e da palavra bailarina, Cida também manuseia um outro elemento com maestria: a condição feminina. “a mulher virou homem o trabalho e a desigualdade por baixo da saia“. Beatas caridosas, jovens defloradas na boleia de caminhões, o apego ao santo como respiro do masculino opressor, os cânions de pedra, os animais da secura: tudo canta e tudo conta na literatura de Cida Pedrosa. A autora celebra a cultura que vive, que se projeta adiante da congelante memória da infância no instante em que encontra a ressonância daquilo que a originou, em um dial de rádio, em um aeroporto parado, em uma sala de espera distante.

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