Dilemas

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O dilema das redes. Frame. Reprodução
O dilema das redes. Frame. Reprodução

“Nada de grandioso entra nas vidas dos mortais sem uma maldição” é a frase do dramaturgo grego Sófocles que serve de primeira epígrafe a “O dilema das redes” [“The social dilemma”, 2020, 94 min.; direção: Jeff Orlowski] – ao longo do filme leremos também o nome do britânico Arthur C. Clarke, um dos mais prestigiados autores de ficção científica em todos os tempos.

Cenas de bastidores buscam dar um tom mais descontraído, como a querer demonstrar que os executivos de redes sociais são tão humanos quanto nós, usuários (“só duas indústrias usam o termo para se referir a seus clientes: a de tecnologia e a de drogas ilícitas”, como é dito a certa altura).

Por pouco mais de hora e meia são eles que veremos desfilar no docudrama – Vincent Kartheiser (o Pete Campbell de “Mad men”) interpreta três personagens simultaneamente, simulando as inteligências artificiais e algoritmos que nos vigiam o tempo inteiro; nascido em 1996, Skyler Gisondo interpreta (talvez a si mesmo) um adolescente viciado no uso do smartphone.

O filme busca abordar o funcionamento de ambientes virtuais como Facebook, Twitter, LinkedIn, Whatsapp, Google, Tiktok, Pinterest etc. Não existe almoço grátis: se você não paga por estes produtos, você é o produto, como também é dito a certa altura.

A narrativa é ágil e envolvente e não raro o espectador se vê como, além disso, personagem. É desesperador tomar consciência de que nesses universos não passamos de meras marionetes, manipuladas por algoritmos que ajudamos a alimentar com nosso comportamento e tempo perdido diante das telas.

Aborda a dependência de dispositivos eletrônicos, sobretudo pelas gerações mais novas, mas não só. Tenta esboçar algo no sentido de uma ética do mundo virtual, mas não chega a tanto.

Mostra, crua e cruelmente, as engrenagens que ajudam a deprimir pré-adolescentes que sonham cada vez mais em se parecer com os filtros que usam ao publicar fotos em seus perfis nas redes sociais, carentes de atenção, exprimida através de curtidas, comentários, compartilhamentos. Uns têm buscado cirurgias plásticas para atingir seus intentos; outros, recorrem ao suicídio.

O docudrama produzido pela Netflix escancara também como as fake news têm ajudado a decidir eleições ao redor do planeta (sem deixar de fora o Brasil que em 2018 elegeu Jair Bolsonaro) e, atualíssimo, a propagar desinformação sobre a pandemia do novo coronavírus – o eufemismo com que nos acostumamos a tratar as mentiras veiculadas por estes canais propagam-se até seis vezes mais rápido do que as notícias “verdadeiras” (as aspas deveriam ser redundância), segundo estatística apresentada na obra. Em grande medida são as redes sociais também responsáveis pela atual polarização política por todo o mundo e pela escalada de violência retroalimentada por discursos de ódio.

“O dilema das redes” do título parece referir-se ao que fazer com tanta des/informação com que somos bombardeados o tempo inteiro. Vacila um pouco ao retirar a responsabilidade individual do usuário, como se fôssemos pura e simplesmente uma homogênea massa de manobra – e não somos?

Além de especialistas em saúde (médicos, psicólogos), grande parte dos personagens é formada por ex-executivos de megacorporações – Justin Rosenstein, Tim Kendal, Tristan Harris, entre outros – supostamente arrependidos dos monstros que criaram, além do músico e cientista da computação Jaron Lanier, autor de “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais”. No fim das contas, o filme nos deixa envoltos em novo dilema: afinal, que atitudes tomar depois de vê-lo?

Veja o trailer:

Assista o filme na Netflix.

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