Com o prolongamento do isolamento social, grupos teatrais investem em espetáculos interativos
No começo da quarentena, o Brasil assistia catatônico à necessidade do isolamento de tudo e de todos. Mas, como consolo, havia o Big Brother, o reality show da TV Globo que bateu recordes de votação e anunciantes. Desde então, o País não se isolou, bate recordes de contágios e mortes do novo coronavírus e a classe artística não tem a menor ideia de quando vai poder retomar suas atividades com segurança. O que fariam os vingativos Iago, de Otelo, ou Falstaff nos dias atuais? Um líder nacionalista como Henrique V seria a salvação? Ou rezemos para que o general Coriolano se deixe matar pela multidão que o acusa de falso e traidor? Como um BBB cênico, o grupo Armazém Companhia de Teatro criou um novo reality em que convoca o público a definir o destino de cada espetáculo. Não é que funciona?
A “peça de teatro emergencial”, como batizou o Armazém, utiliza a plataforma Zoom para combater o distanciamento provocado pelo isolamento social e apresenta uma batalha de ideias entre nove personagens shakespearianos. Logo de início, um deles deve ser eliminado pela plateia, clicando em uma opção que surge na janela do computador, celular ou tablet, para que os oito restantes possam se enfrentar dois a dois. Um mestre de cerimônias (Sérgio Machado) conduz o espetáculo. A riqueza das personagens de William Shakespeare permite transitar entre diferentes tipos de humor e drama, complexidades e temáticas. Nesta montagem, ainda surgem os personagens Timon, Faulconbridge, Pórcia, Bobo e Ricardo II.
O Armazém Companhia de Teatro, formado em Londrina e radicado no Rio, está na estrada desde 1987. O desafio de fazer algo criativo com a limitação tecnológica encontrou em Shakespeare os textos capazes de refletir os desafios e as loucuras de qualquer época. Os atores, isolados em suas casas, entram no espetáculo interpretando um personagem, mas as falas deles podem facilmente remeter aos desafios dos tempos atuais.
Em outro espetáculo, ou “experimento sensorial em confinamento”, o grupo pernambucano Magiluth traz uma oportuna reflexão sobre as restrições sociais em que vivemos. Escrita por Giordano Castro, a peça Tudo Que Coube numa VHS conta uma história de amor na qual o público, se assim o desejar, se torna parte dela. É um convite afetuoso como quando alguém lhe entrega as chaves de uma casa. “Elas não são um compromisso, são apenas uma porta aberta. As chaves abrem também o meu sorriso e meus braços”, como explica um ator com quem irá contracenar.
O Magiluth, em parceria com o Sesc Avenida Paulista, usa os recursos tecnológicos disponíveis, como e-mail, WhatsApp, Instagram, YouTube, Spotify ou Deezer, para restabelecer, em tempos de isolamento, uma de suas características marcantes: atuar próximo do público.