É uma doença bastante peculiar, provocada por vírus. A doença e o vírus são conhecidos pelo mesmo nome: ódio. Propaga-se de indivíduo para indivíduo, pelo ar, livremente.

A transmissão é exponencial, inclusive porque cada indivíduo pode contrair vírus de diferentes cepas ao mesmo tempo. Assim, por exemplo, quando o presidente dos Estados Unidos se encontrou com o presidente do Brasil, a troca de gotículas de saliva foi dupla e cruzada. Apenas conversando, o presidente dos Estados Unidos transmitiu o vírus do ódio ao presidente do Brasil e o presidente dos Brasil transmitiu o vírus do ódio ao presidente dos Estados Unidos. Saíram ambos do encontro com cargas virais duplicadas, prontas para ser descarregadas nas populações de seus países, talvez do mundo inteiro.

O vírus vem se incubando na população brasileira há anos, talvez séculos. Nunca tinha dado o ar de sua graça com a intensidade de agora, mas novo não é. É difícil dizer se o presidente do Brasil transmitiu ódio para parte da população brasileira ou se contraiu ódio de seus eleitores. Entre a parte da população que não sufragou o presidente odioso, outras cepas de ódio se propagam com velocidade assustadora. Alguns doentes são assintomáticos, e nesses casos só se evidenciam contaminados nos mínimos detalhes.

No curral que nutre o vírus, no dia 15 de março de 2020, o presidente e seu gado incendiaram a contaminação do país, irmanados no mesmo ódio – ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal, às instituições todas, contra eles próprios. Deram-se as mãos o líder e os liderados, transmitindo uns para os outros as respectivas cepas.

As mortes por ódio galopam em curva ascendente. Os portadores de ódio propagam também a morte – vitimam, por essa via, mulheres, negros, indígenas, transexuais, homossexuais, desvalidos da sorte em geral. Portadores de ódio costumam também portar armas, e algumas vidas se perdem por contaminação indireta.

Um controverso ex-ministro morreu há pouco de ódio, mas o atestado de óbito transcreveu a morte como por infarto.

Os cientistas que restaram em atividade estudam o estranhíssimo fenômeno da autotransmissão, quando um mesmo indivíduo se reinfecta de ódio por si próprio, uma espécie de autogolpe de Estado. Os olhos ficam vermelhos, injetados, o doente vocifera, late, urra, espuma de cólera. O país inteiro entra em colapso.

Muito recentemente, uma dúvida assombra as mentes imaginosas dos cientistas. Haveria mesmo um vírus? Ou seriam células cancerígenas de ódio que se propagam descontroladamente, de dentro para dentro? Será o ódio uma doença que leva à morte por fatalidade, por assassinato ou por suicídio grupal? Em breve estaremos todos infectados?

 

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