Passada a fase de marketing de capa da revista Sétimo Céu, rasgos de autopresunção e deslumbramento, chegamos enfim ao momento de encarar a realidade: por que ri tanto a Regina Duarte? Além de, evidentemente, nossa atriz-pecuarista se atribuir uma importância olimpicamente maior do que a que de fato tem, certamente não é pela secretaria que lhe estão entregando. Ou não lhe contaram tudo.
O que restou da estrutura do Ministério da Cultura, hoje chamada de Secretaria Especial de Cultura, não é algo digno de comemoração. Segundo o Portal da Transparência, a distribuição dos recursos para a Cultura em 2020 é uma das piores desde o governo Collor e o primeiro quatriênio de FHC. A pasta da cultura tornou-se de novo a mais irrelevante do Estado brasileiro desde o fatídico ano de 1991.
Eis um pequeno painel da situação:
IPHAN – O que o patrimônio histórico receberá em 2020, R$ 194,8 milhões, é menos da metade do que o setor recebeu em 2019, R$ 516,9 milhões. O problema é que o Iphan tem mais de 100 obras de restauração em curso no País. Regina deverá ver obras paralisadas em alguns meses. Sem considerar que o mais tradicional órgão de preservação do País, o centenário Iphan, está acéfalo há meses e acossado pelos planos de especulação imobiliária do próprio presidente.
ANCINE – A destinação orçamentária para a Ancine, em 2019, foi de 153 milhões. Em 2020, receberá 95 milhões. Sem considerar a própria anemia interna da agência, hoje “reforçada” com uma diretora oriunda da seita católica extremista Opus Dei e sitiada por problemas judiciais gerados pela gestão temerária da era Temer, cujo resultado será sentido em poucos meses. Para piorar, o órgão está completamente aparelhado pela extrema direita, como mostra recente resultado de concurso que alijou obras LGBT (cuja seleção já tinha sido garantida em processo anterior).
MUSEUS – O Instituto Brasileiro de Museus, entidade da secretaria Especial de Cultura, possui mais de 30 instituições federais sob sua responsabilidade. Muitos estão em estado de petição de miséria, mas o governo de extrema direita de Bolsonaro deu um jeito de piorar a situação: cortou de R$ 168 milhões (em 2019) para R$ 75 milhões (2020) o orçamento do setor. Haverá museu se esfacelando antes do final do ano, mas, como já afirmou certa vez o chefe do executivo: “Agora já queimou. Que mais eu posso fazer?”.
CASA DE RUI BARBOSA – Dominada por uma diretora alienista que venera Ronald Reagan e Margareth Thatcher, a Casa de Rui Barbosa virou palco de desvio de função, uma instituição que celebrizou-se pela excelência na produção de pesquisa, reflexão e conhecimento agora fecha os portões para os intelectuais e procura significado no olhar “hipnótico e fascinante” do filho tuiteiro de Bolsonaro, Carlos. Para coroar a desimportância anunciada, o orçamento caiu de R$ 49 milhões para R$ 37 milhões.
Como tudo ainda parece pouco em se tratando da notória aversão de Bolsonaro pelo setor artístico (excetuando-se aquele que controla; o livre ele abomina), a Secretaria Especial de Cultura é hoje uma confusão hierárquica vagando como alma penada entre dois ministérios: o da Cidadania e o do Turismo, para o qual foi transferida em novembro. Não é uma confusão meramente semântica: as nomeações para servidores DAS 4, DAS 3 e DAS 2 continuam sendo assinadas pelo gabinete do Ministério da Cidadania.
É uma política de terra arrasada. A fé com que alguns artistas recebem o esquálido nome de Regina Duarte tem muito a ver com algum sentido de autopreservação, mas não encontra amparo em nenhum tipo de argumentação. “Ela tem interlocução com a classe”, disse uma atriz. Não é verdade, o nome de Regina não consta de nenhuma das grandes frentes recentes de combate à questão emergente da censura, da perseguição política e de afirmação dos direitos civis no Brasil. Sua figura tem sido usada, como já foi no governo Temer (quando aplaudiu a extinção do Ministério da Cultura), como um tipo de laranja cultural para referendar algum déspota em gestação. Pior: sua alienação em relação ao próprio quadro desidratado do cargo que vai ocupar é um salto no escuro dado por pura vaidade, puro exibicionismo.