COLETÂNEA DE SUSAN MEISELAS NO INSTITUTO MOREIRA SALLES É UMA DAS MAIS IMPORTANTES MOSTRAS DE FOTOGRAFIA JÁ MONTADAS
A fotógrafa estadunidense Susan Meiselas viu o mundo em chamas, soldados atirando coqueteis molotov em tanques, mães correndo desesperadas com filhos no colo, todo tipo de cena de genocídio e selvageria. Sob toda a casca da barbárie, no entanto, ela tentou extrair documentos de perseverança na humanidade, um tipo de abordagem de envolvimento do artista com o objeto de sua obra que abre uma fenda particular na noção de registro pictórico. Essa visão está sendo mostrada pela primeira vez no Brasil no Instituto Moreira Salles, na exposição Susan Meiselas: Mediações. É possivelmente uma das mais importantes exposições de fotografia das últimas décadas no País.
Como fotógrafa da Agência Magnum, Susan cobriu, a partir de 1976, conflitos como as insurreições na Nicarágua (1978-1983) e no Curdistão (1991-2007). A curiosidade de Susan é antropológica e permeada pelo olhar feminino. Uma das fotos mais explícitas dessa condição é um flagrante da série Strippers, na qual ela registrou o cotidiano de mulheres que trabalhavam na exibição do corpo na Nova Inglaterra, entre 1972 e 1975. Nessa foto, há um grupo masculino vendo o show de uma mulher nua e, no colo de um dos homens, um menino. Susan flagra o maravilhamento introspectivo nos olhos do menino em contraste com a ruidosa apreciação coletiva, de compadrio, dos homens adultos. Além da inocência do garoto, ela materializa a a cumplicidade social do macho, subterfúgio para o sentimento de potência e da dominação. A rotina dessa sequência lembra a de uma linha de montagem de fábrica, deserotizada, rude, interditada ao domínio da imaginação.
CONFLITOS SEM FRONTEIRAS
O que chama a atenção é sempre o absoluto compromisso entre a fotógrafa e seus fotografados, cuidado que ela levou ao paroxismo na série Rua Irving, um grupo de fotografias de garotas de um bairro suburbano. Susan deu a cada uma das fotografadas uma cópia da imagem que produziu e colheu depoimentos escritos dessas garotas. “Eu não acho que essa foto me represente. Parece quando eu tinha 12 anos”, diz uma garota. A aridez dos despojos de uma guerra, objetos abandonados em fugas constantes, funde-se com o próprio abandono existencial dos personagens envolvidos nesses conflitos sem fronteiras, secos, descarnados.
Mediações é a retrospectiva mais abrangente da carreira de Susan Meiselas, reunindo todas as séries que produziu desde os anos 1970. Isso inclui a sua fotografia mais famosa, a do guerrilheiro sandinista atirando o coquetel molotov um dia antes da queda do ditador Somoza, que acabou sendo tão usada pelos movimentos revolucionários posteriores quanto pela publicidade e pelas contrarrevoluções.