O CRÍTICO QUE FORMULOU A TEORIA DA “ANGÚSTIA DA INFLUÊNCIA” E POLEMIZOU COM EXPOENTES DA LITERATURA MORRE NOS ESTADOS UNIDOS
Antonio Candido utilizou a crítica para compreender o papel da literatura na formação de uma Nação. Harold Bloom (1930-2019) utilizou a crítica para compreender as forças endógenas da própria literatura. São duas escolas distintas, mas de grande repercussão em seu tempo.
Ao analisar, no livro A Angústia da Influência: Uma Teoria da Poesia (1973), as ramificações, trocas e diálogos entre obras fundacionais de diferentes autores, o crítico estadunidense Harold Bloom (que morreu na segunda-feira, aos 89 anos, em um hospital em New Haven, Connecticut) ajudou a fomentar um debate de grande impacto nas universidades e na produção literária posterior.
Nesse livro, Bloom argumentava que a criatividade não era uma dádiva, mas uma reminiscência de algum modo freudiana (fez também ilações com a cabala e as ideias de Isaac Luria, um místico judeu do século XVI), um caminho pelo qual artistas negavam e distorciam seus ancestrais literários para produzir obras que deviam inegável crédito a outras que vieram antes. Ao estabelecer, com talento e verve, essas ramificações, influências e diálogos entre literaturas, Bloom acabou se tornando ele mesmo um bestseller e publicou mais de 20 obras, entre elas o conhecido livro O Cânone Ocidental (no qual destacou 26 grandes autores fundamentais, de Dante Alighieri a Samuel Beckett, passando por Philip Roth, Thomas Pynchon e Don DeLilo).
“Moby Dick, apesar de sua dívida para com Shakespeare, Milton e Byron, é tudo menos doutrinário. Ele é a face sombria de nosso épico nacional, à altura de Folhas de relva (Walt Whitman) e Huckleberry Finn (Mark Twain), os quais, porém, não superam a escuridão tornada visível pela obra de Melville”, escreveu.
Politicamente conservador e socialmente elitista, Bloom, por seu enfrentamento com o afrocentrismo, o feminismo, o marxismo e outras correntes de afirmação social e política, acabou se tornando ídolo de neocons de aspirações intelectuais ligeiras. Bloom chamou de “politicamente correto” o Nobel de Literatura para a britânica Doris Lessing, para delírio de certo tipo de reacionário.
Apesar dessas diatribes populistas, foi importante porque, ao afirmar um valor intrínseco da literatura, rompeu bloqueios etnocêntricos. “Ele é o maior literato negro, creio, da história da literatura universal”, disse, de Machado de Assis, chocado após ler pela primeira vez Memórias Póstumas de Brás Cubas. Sua descoberta tardia de Machado está registrada no livro Gênio: Os cem autores mais criativos da História da Literatura (Objetiva, 2003).
De Harold Bloom, o crítico árabe Edward Said (1935-2003) disse o seguinte: “O trabalho de Bloom não é apenas o revisionismo profundo, é acima de tudo extravagante, superando suas próprias limitações discursivas e aquelas do criticismo em geral, deslocando a tessitura de textos, os termos de origens e fins, as barreiras entre poetas, críticos, historiadores e ‘meros’ leitores, a fim de restaurar à poesia a dificuldade magistral reivindicada por Shelley”.