Um mergulho nas canções

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O pernambucano Ayrton Montarroyos tem 23 anos e conheceu de dentro a máquina de moer carne jovem chamada The Voice Brasil, da Rede Globo. Ficou em segundo lugar na quarta edição, em 2015, e de lá para cá tenta trilhar outra rota, bem diferente do oba-oba global. “Vi que não era aquilo. Olhei e vi que comecei a ficar triste”, descreve a busca pela fama antes de tudo o mais.

No segundo álbum, Um Mergulho no Nada, ele esconde o rosto atrás de uma capa negra e de um monolito, e reinterpreta temas sólidos de Dorival Caymmi, Jacob do Bandolim e Lupicinio Rodrigues, acompanhado apenas pelo violão de sete cordas de Edmilson Capelupi. O minimalismo e o mergulho nos antigos pouco guarda em comum com o exibicionismo teen do The Voice. Na entrevista a seguir, Ayrton explica os porquês desse mergulho no nada – ou no tudo.

Pedro Alexandre Sanches: Há alguns dias, você estava no show de Maria Alcina acompanhando Claudette Soares, uma senhora cantora brasileira de mais de 80 anos, de que muitos dos mais jovens nem têm conhecimento. Você tem quantos mesmo?

Ayrton Montarroyos: 23.

PAS: 23. Qual é o seu vínculo com Claudette Soares?

AM: A primeira vez que cheguei em São Paulo, ainda não pra morar, com 16 anos, vim pra fazer minha primeira gravação em disco. Abro a porta do estúdio da Lua Music e dou de cara com ela. Fiquei supernervoso, porque conhecia o trabalho dela. Não conhecia totalmente tudo naquela época. Hoje conheço tudo, tudo, tudo, até o que ela não gostaria que eu conhecesse, as gravações dela quando tinha 16 anos.

PAS: A sua idade quando conheceu ela.

AM: É, veja que coisa doida. Dei de cara com ela, fiquei muito nervoso, nossa senhora, Claudette Soares, uma mulher que foi tão importante para a música brasileira. É impressionante, depois de mais de 60 anos de carreira a voz é uma coisa que não se perde. É uma estrutura física muito boa, uma mulher que usa um salto alto enorme.

PAS: Em 1m50 de altura.

AM: 1m50 com salto, ela mesma diz isso. Mas a gente começou a ficar amigo, então essa amizade vem desde os meus 16 anos, há sete anos. Quando me mudei pra São Paulo, há quase três anos, a gente começou a sair mais junto. Ela vem aqui em casa tomar café, eu vou na casa dela. A gente tem uma relação muito boa, e é uma relação muito esquisita pra quem vê de longe, porque o nosso produtor em comum, Thiago…

PAS: Thiago Marques Luiz.

AM: …Ele brinca, diz “olha, nas brincadeiras de vocês ninguém pode se meter”, porque chegam a ser desrespeitosas. Eu trato ela como uma pessoa da minha idade, e ela me trata como se eu tivesse a idade dela. Só que não me passa pela cabeça que ela é uma senhora, porque ela é mais jovem do que eu. Outro dia falei “Claudette, descobri uns meninos do funk de Belo Horizonte que estou apaixonado”, ela disse: “Você sabe que eu adoro funk?”. A gente começa a conversar sobre funk, o que é que ela ouve de funk em casa, “Anitta fez isso”, “gostei disso”. Então é uma mulher que me traz muito mais pro presente. Eu, em contrapartida, dou a ela memórias. Um dia comecei a cantar uma música que creio que seja do Aldir Blanc, ou do Guinga, que parece com o “Bolero do Satã”, ela disse “como é que você conhece isso?, eu nunca mais tinha ouvido”. E, de repente, ela tem um projeto de baile, suingado, chamado Baile da Claudette, disse: “Tô com vontade de cantar, lembra daquela música ‘Baba Baby’ que a Kelly Key cantava? Quero fazer meio funkeada, meio samba-rock do Jorge Ben“. A gente realmente se ama muito e torce muito um pelo outro.

PAS: Você chamaria ela de uma madrinha musical?

AM: Com certeza. Claudette é uma amiga gigantesca, e de um carinho comigo que ela não tem com os outros.

PAS: Te adotou, de alguma maneira.

AM: Me adotou. Quando fiz meu aniversário em São Paulo pela primeira vez, estávamos eu, ela, um amigo em comum, o meu produtor, pouquíssimas pessoas do meu círculo. Eu tirei uma foto e coloquei assim “minha família em São Paulo”, ela me ligou emocionadíssima. Disse: “Eu nunca tive a coragem de dizer a você que nós éramos uma família, mas eu sinto que nós formamos uma família”. Claudette tem 80 e poucos anos, não teve filhos, é divorciada, então não tem parentes vivos exceto uma irmã de criação que mora no Rio. Então ela também se sente só nesse sentido. Também precisa ter essa família, é uma mulher que mora só, muito ativa dentro de casa, trabalha muito ainda. Então a gente se adotou. Isso é muito bonito. É uma troca que tive um pouco com a Angela Maria. Ela foi ao meu show, aí me ligava no outro dia pra fazer resenha, “aquela música que você cantou me remeteu àquilo”. Eu ficava no telefone sempre perplexo quando ela ligava. Minha relação com a Angela não era tão próxima quanto com a Claudette, que a gente se fala quase todo dia. A Angela, por ser também mais velha, já tinha uma cabeça um pouco diferente, mais tranquila. Mas ainda assim ela gostava muito de mim, tinha umas brincadeiras, a gente chegava em algum lugar, dizia “Ayrton, venha cá”, eu ia, ela falava alguma bobagem no meu ouvido, eu ficava rindo, as pessoas ficavam sem entender direito. É muito doido, minha tia me olhava assim, minha tia que me criou e me deu todo o esteio profissional, enquanto profissional e tudo que sou. Ela olha e diz: “Meu filho, que coisa engraçada essa ponte”.

PAS: Como ela se chama?

AM: Tia Cirleide, ela mora em Recife. Eu tinha também essa coisa com Emílio Santiago, que foi um amigo queridíssimo. Foi pouco tempo de amizade, uns três anos, mas ele chegava em Recife e me ligava. O último aniversário foi em Recife, ele me abraçou, com grande alegria, e disse: “Você será o nosso cantor de amanhã”. Eu fui sendo apadrinhado por esse povo. Agora, outro dia, a gente recebe uma mensagem do Zuza Homem de Mello, que só conheço de “olá, como vai”. Ele ligou e disse que ficou apaixonado pelo disco, comprou ingresso pra ir pro show no dia 15. Essas pessoas acabam me apadrinhando, e eu fico muito feliz e muito grato, porque são pessoas que participaram da trajetória que tenho e o público não está dentro. A trajetória do artista começa a partir do momento que a gente se dá conta que tem uma trajetória. No momento que me dei conta, estava ouvindo os discos da Claudette Soares, da Angela Maria, da Dalva de Oliveira. Até Dalva e Elis Regina estão imersas muito proximamente da minha vida, através dessas pessoas. A Angela me contava histórias da Elis, uma cantora por que tenho enorme carinho. E ouço histórias não da Elis cantora, mas de uma pessoa que estava ali próxima, que eu poderia ter conhecido, se estivesse viva com certeza eu teria conhecido, iria comer com a gente. Me sinto muito grato e muito honrado. E acontece de uma maneira muito espontânea, não tenho controle sobre isso.

PAS: Iniciei falando da Claudette porque é perceptível, no conteúdo que tem produzido, que você tem uma relação com o passado da música brasileira. Queria saber um pouco sobre o seu passado. Você é Montarroyos, não sei se isso significa que vem de uma família de músicos.

AM: Sou. Na minha casa é uma família muito envolvida com música o tempo todo. O Márcio Montarroyos era um grande trompetista, um grande soprista, não sei se existe esse neologismo, que eu não cheguei a conhecer.

PAS: Ele era o que seu?

AM: Ele era primo de terceiro grau de minha avó. Eu me lembro que quando entrei no The Voice rolou uma polêmica em respeito disso, porque uma pessoa lá da família dos Montarroyos no Rio disse que eu estava mentindo. Fiquei muito triste e fiquei calado, não toquei no assunto, porque tudo era muito conturbado, tudo tinha um tamanho maior do que eu esperava que tivesse, e eu não sabia, estava começando nessa coisa do mainstream. Aí eu estava no Prêmio da Música e encontrei com a mulher do Márcio. Ela veio pedir desculpa, disse “isso não representa nada, quero que você vá lá em casa tomar um café, quero lhe apresentar o piano do Márcio, a casa onde ele viveu”. Foi a coisa mais linda do mundo, porque até de noitinha a gente ficou conversando sobre as histórias, as loucuras. Ele era muito doido, né?, uma pessoa elétrica, também sou um pouco assim. Fiquei muito feliz. Mas, das pessoas muito próximas de mim, minha avó Célia era uma mulher que trabalhou na principal gravadora do Nordeste.

PAS: A Mocambo? Rozenblit?

AM: A Rozenblit-Mocambo, exatamente.

PAS: Viveu aquela enchente?

AM: Viveu a enchente, viveu tudo isso. E foi por á que a Claudette lançou seus primeiros discos. Claudette foi a Recife fazer um show comigo, quando encontrou a minha avó ela reconheceu na hora. Minha tia-avó, irmã da minha avó, trabalhava na Modinha, que era uma loja pequena de Recife que vendia discos. Tenho um primo de terceiro grau, que foi criado comigo em algum momento, que toca piano. Então eu tinha naturalmente uma abertura pra música em casa. Mas ao mesmo tempo as pessoas em casa tinham muito medo que eu me envolvesse com música, porque é sinônimo de fracasso num país de ignorância, de burrice, em que o grito fala mais alto que qualquer outra coisa. É natural a família ter esse medo. Então trataram um pouco de abafar a minha inclinação logo de imediato, quando fui despontando pra isso.

PAS: Você não falou de mãe e pai. Isso inclui eles, ou eles não foram presentes?

AM: Não, não foram. Meu pai eu conheci muito depois. Minha mãe foi uma mãe jovem, eu sinto que… A Elke Maravilha, assim que eu cheguei a São Paulo, me disse uma coisa que de imediato me assustou. Ela falou do número de abortos que fez, eu tinha 16 anos e fiquei assustado, não tinha a cabeça que tenho hoje para isso. Ela disse: “Criança, eu não poderia fazer isso com meus filhos. Eu não tenho talento pra ser mãe”. Eu não sei, minha mãe teve dois filhos depois de mim. Talvez ela tenha descoberto o talento com o tempo. Eu nunca peço das pessoas aquilo que elas não têm pra me dar.

PAS: Seus pais são vivos, ou não?

AM: São.

PAS: Você tem contato?

AM: Tenho, falo com eles. Meu pai menos, minha mãe eu falo. Tenho carinho por ela, respeito-a como mãe, sou grato pela brilhante obra do meu nascimento (risos). Respeito isso. Sou agnóstico, mas apesar disso tenho um amor às forças da natureza, da energia da coisa. Acho que tudo tem um motivo, um por quê.

PAS: Foi sua tia que criou você então?

AM: Minha tia Cirleide. Ela me deu esteio, a palavra é essa. Porque ela é a pessoa que me colocou no palco pela primeira vez, num sentido não marginal da coisa, porque eu já cantava escondido da família. Ia pro shopping cantar escondido pras pessoas e pedia dinheiro nas mesas. E minha tia foi quem disse “vamos tornar isso uma coisa séria”. A primeira vez que fui aplaudido por um público ela estava nesse público e foi ela que tinha me colocado ali, numa seresta de chorões de Recife, violões de sete cordas ali a tordo e a direito. Foi ela que, quando acabei isso e fiquei muito emocionado, porque vi que tinha voz ali naquele meio, me pegou pelo braço e disse: “Agora você tem um dom, mas tem uma responsabilidade maior do que você e do que o seu dom. A partir de hoje você vai estudar sobre música, sobre arte, toda semana você vai me aparecer com quatro músicas novas que não conhecia. Vai cantar pra mim e eu vou dizer se você vai estar cantando bem ou não. Você vai cuidar da sua pele, da sua roupa, do seu cabelo, vai tratar bem as pessoas que lhe encontram, vai ter cuidado com o que posta na internet. Tudo que você fala vai ter que pensar antes”.

PAS: Ela já era sua empresária nesse momento.

AM: Ela chegou em São Paulo comigo, as pessoas chamavam de “tiasária”, na brincadeira, levando um pouco na pândega.  Era engraçado, minha tia é uma senhora de 67 anos agora. Isso foi há sete anos, chegou aqui um menino de 16, e ela louca.

PAS: Sonhou ser cantora?

AM: Não. Minha tia é advogada criminalista e economista, com pós-doutorado. É uma mulher que viveu pra uma coisa muito burocrática, muito rígida.

PAS: Talvez ela tenha visto que você tinha esse dom, ou essa voz?

AM: É, porque na verdade minha tia tem um dom maior que o meu, um dom lindíssimo que eu queria ter, mas não nasci com ele, o dom de olhar pras pessoas e enxergar as pessoas. Ela consegue ver beleza em tudo. Uma vez eu cheguei pra fazer show numa cidade, não vou dizer qual pra as pessoas não ficarem tristes, mas eu liguei pra ela e disse: “Tia, não tem nada na cidade. O hotel é terrível”. Comecei a falar mal, imbecilidade de quem é jovem. Ela disse: “Você vai chegar numa cidade, se tiver um pé de algaroba você vai dizer ‘que lindo pé de algaroba'”. Minha tia tem uma frase que sempre me disse: “A gente tem que passar pela vida e tem que prestar atenção. Só vence uma guerra quem tem fôlego”. Com fôlego, ela também dizia: “Falar é fôlego”.

PAS: Você ficou em Recife até que idade?

AM: Até os 20 anos.

PAS: Quer dizer, deu pra ter uma vivência musical ali. Pra sua geração é, sei lá, a cidade do manguebit. O que foi importante musicalmente pra você no tempo em que esteve lá?

AM: Chorinho. Tem uma cena de chorinho muito forte em Recife. Tem as rodas de música, totalmente democráticas. Pra você ter uma ideia, tinha um restaurante chamado Retalhos, que era um bar, na esquina da rua da Aurora com a rua do Oliva, que dá de frente pro rio Capibaribe, em que eu passava minhas quintas, sextas, sábados e domingos pra poder ouvir música e cantar, ter oportunidade de cantar naquele lugar como canja. Não tinha tom definido, não tinha música, era uma coisa aprendendo na lata. Um dia estava Paulinho da Viola, Elza Soares já foi lá. Paulinho da Viola acabava de cantar, botava o microfone lá, e vinha dona Maria, uma mulher que era diarista, de voz bonita, e cantava. Tinha algumas figuras marcantes. Cada um meio que tinha seu repertório, seu estilo, era bonito. Alguns mais espertos anotavam o tom da música pra não se perder muito. Claudette brinca muito que eu sou um cantor que canta em qualquer tom, e eu devo isso a essa experiência das serestas, porque eu, como não anotava os tons… O papel é uma coisa um pouco insignificante pra minha geração dos anos 1990. Eu não anotava em nada, então toda noite eu cantava num tom diferente. Tinha noite que os tons eram altíssimos e tinha noite que eram muito graves. Sinto que isso me ajudou a explorar várias regiões da minha voz. E isso me deu uma base de carreira muito grande e uma responsabilidade muito grande. Quando comecei a beber, com 18 anos, eu entrei na loucura, quero viver, adoro a boemia, a noite é uma coisa que me fascina. Detesto acordar cedo, nunca gostei, trabalho até cinco da manhã pra poder acordar meio-dia todo dia. Já trabalhava um pouco com música, com 18 anos já estava ganhando meu dinheiro, então tinha meu direito de ter minhas noites ali. E eu começava a cantar, aquela bebedeira, disse: opa, peraí, eu não posso fazer isso. Percebi que era minha juventude querendo falar mais alto que minha razão. E aí, de uma forma muito leve, eu continuei bebendo um pouquinho menos, tirando um dia só pra beber e os outros não. Continuo me divertindo. Hoje em dia bebo muito pouco quando saio pros lugares.

PAS: Você tem juventude? Está vivendo a sua juventude, ou teve que deixar de lado?

AM: A minha juventude… Eu tenho, eu tenho. Como vivo com muita gente mais velha, meus programas são mais lentos (ri). Não gosto de lugar de balada, ficar em pé, me expor. Não gosto de lugar que tem gritalhada, que tenho que falar alto. É da minha personalidade mesmo, não gosto. O que eu gosto é de ir na casa dos meus amigos, botar um disco de João Gilberto, um vinho, e ficar enlouquecido por um disco que eu já ouvi 70 vezes e, mais uma vez, eu não acredito que esse homem fez isso. Vou na casa do Vítor Araújo, um amigo músico, compositor, às vezes ele e a namorada dele vêm aqui, somos os três como irmãozinhos mesmo. A gente fica ouvindo música até a madrugada, e sempre se impressionando muito com as mesmas coisas que a gente já ouviu desde criança.

PAS: O que você mostrou até hoje é muito de música brasileira. É mais isso do que as outras?

AM: Sim, é. Eu ouço muito Ella Fitzgerald, agora estou novamente apaixonado por Porgy and Bess, com Ella e Louis Armstrong. Gosto muito da música americana, da canção americana. Tenho uma ligação muito grande com canção. Mas como a poesia me pega muito e eu não falo inglês, não falo nenhuma outra língua além do português, e não me considero nem um bom falante…

PAS: Não demonstrou escrever até hoje. Você tem sido essa coisa um pouco rara no Brasil, que é o intérprete masculino.

AM: É doido isso, né? Escrevo um pouco, mas não música. Eu venho de uma linha que acredito muito na inspiração, na ideia, mas acredito muito no estudo, na dedicação e na forma, nas características formais que levam uma canção a ser uma boa canção. Acredito que tem coisas que são obras de arte e tem coisas que não são. Sou meio duro nesse sentido, o que é uma coisa muito polêmica de se dizer. Mas vou por essa linha da filosofia estética que acredita nisso, e acredito e sei que a composição requer um dom nato muito grande, muito forte, que veio com Cartola, Nelson Cavaquinho, Candeia, Sinhô, essas pessoas que não tiveram talvez acesso ao ensino formal. Mas acredito que ou vem dessa forma ou você pode vir com isso, mas aquele ensino, aquele estudo, estudar, estudar, estudar, até chegar na forma perfeita, que é o que fazia Tom Jobim, que é o maior compositor brasileiro junto com Villa-Lobos e com Chico Buarque. Os três vêm dessa mesma coisa, de ter muito dom, muito talento, muita inspiração, e serem grandes estudiosos da música. João Gilberto estuda aquela batida, passava dez horas trancado no banheiro por causa da acústica, ensaiando uma frase. Você sabe o que é hoje, pra gente que não consegue passar duas horas assistindo um show e acha longo?…

PAS: João é mais louco que a sua tia.

AM: Muito mais. Muito mais louco do que qualquer pessoa que eu conheça pessoalmente. Por isso que ele é João Gilberto. Então nunca me arrisquei muito a compor, primeiro porque me falta tempo pra me dedicar a isso. Não tenho talento inato. A Ylana Queiroga é um negócio genial. A música “Pé na Estrada” eu vi ela compor na minha frente, varrendo a casa. De repente vem o mote, a ideia toda, e quando você vai analisar a letra da música você vê que ela faz relações simbióticas entre as estrofes, você vê os espelhamentos muito bem feitos. Você vê começo, meio e fim, como ela destrincha a prosódia, como coloca de maneira muito correta em relação com a melodia. A célula melódica acompanha toda a célula rítmica da música.

PAS: Ela é pernambucana? Da família Queiroga? Você conhece ela de lá?

AM: Pernambucana, da família Queiroga. Ela é sobrinha do Lula Queiroga.

PAS: Yuri Queiroga é irmão dela?

AM: Irmão dela. É filha da Nena Queiroga, uma cantora muito conhecida lá em Recife. É neta de Mevis Gama, que foi uma cantora da rádio, da orquestra do Nelson Ferreira, junto com Voleide Dantas, que tive o prazer de conhecer. Ylana vem de uma família musical e é autodidata. É uma das cantoras mais afinadas que conheço da nova geração. Foi quem me ensinou o que era ser afinado e o que era desafinar, eu não sabia direito… Eu sentia, mas não sabia qual era a palavra. Ela foi lá e me mostrou o que era, nunca vou me esquecer disso. A gente teve uma história muito bonita juntos, namorei com ela um ano e meio. Foi a minha primeira namorada, meu primeiro beijo na boca, meu primeiro tudo. E depois eu descobri que não era com mulheres que eu queria viver, e a gente entendeu isso muito claramente.

PAS: Está definido com relação a isso? Com 23 anos nem sempre a gente está.

AM: É, nem sei se me defini. Hoje em dia não tenho tanta… Não olho para mulheres além da beleza, eu digo isso e as pessoas riem, como de um quadro, “meu Deus, que mulher linda”. Não passa muito disso, mas se passar também não tem problema, eu sou uma pessoa muito aberta. Tenho problema com odiar as pessoas.

PAS: Quer citar alguma, vamos homenagear? (Risos.)

AM: Algumas até já morreram, eu já lanço um ponto de fogo (risos). Mas isso eu me cobro, odiar não.

PAS: Faz parte dos sentimentos humanos.

AM: Faz parte, ódio, tudo isso eu sinto.

PAS: Só alguém da nova geração pra dizer isso, que é a mais cristalina verdade.

AM: É, mas disso eu me policio, tomo cuidado, fico com vergonha. Quando eu sinto inveja, por exemplo, eu fico envergonhadíssimo, me sinto pequeno, menor.

PAS: Ayrton, já que você citou sentimentos ruins, você foi revelado pelo The Voice Brasil, um programa da Rede Globo que é uma franquia de um programa norte-americano. Até perguntei sobre você gostar mais de música brasileira por isso. Confesso que não assisti à sua edição, não sei qual foi.

AM: A quarta.

PAS: Como foi essa experiência? Por que começou por ali?

AM: Foi muito louco, porque com 16 anos o maior sonho meu era ser famoso.

PAS: Você tinha isso?

AM: Tinha, claro. Meu Deus, vou ser famoso, vou chegar em todo teatro e vai estar lotado, eu vou ganhar muito dinheiro, as pessoas vão me amar sempre.

PAS: Mas espera, ser famoso porque cantava, ou cantar pra ser famoso?

AM: Ser famoso porque cantava, né? Nunca teve questão em cantar. É tipo assim, você gosta de se alimentar? Eu não posso não me alimentar. Cantar já estava. Se eu canto e posso ser famoso com isso, eu quero ser famoso. Eu tinha uma loucura por ser famoso, achava lindo. Gostava dessas divas norte-americanas, Liza Minnelli. Via as pessoas, os fotógrafos, achava aquilo genial. Então me esforçava também pra isso, além do meu estudo, da minha pesquisa com música popular eu me esforçava muito de conhecer as pessoas certas, de estar no lugar certo, o velho lobby, apertar a mão das pessoas, engolir sapo, levar pra casa. Eu não conseguia fazer isso com maestria, tanto é que sou odiado em vários meios. Eu não consigo ouvir, calar, ser falso. Sei ser falso de outros meios, mas não nisso. Mas numa dessas rodas estava um diretor de um programa da Globo, lá em Recife. Eu já era conhecido pelos influentes de Recife.

PAS: Com 16 anos? Já estava chamando a atenção?

AM: Já. Eu era um pouco conhecido na cidade, porque a Globo de lá já sabia quem eu era. Eu fazia por merecer. Tinha o talento da voz e me enfiava nos cantos. Eu não era bicho do mato, eu ia, me jogava. E minha tia não me acompanhava nisso. Ela tinha a vida dela, muito atribulada.

PAS: Mas ela sabia?

AM: Sabia, sabia de tudo. E me controlava um pouco nisso. Dizia “você fala demais”, “fale menos”. Eu brigava, mas falava, falo demais até hoje, continuo falando. Tia, desculpe. E olhe que estou falando menos, “não se exponha tanto, sua personalidade é muito forte, as pessoas podem não aceitar de imediato”, “as pessoas precisam de um tempo pra digerir, você diz de forma muito rápida, não se exponha”. Mas na hora que eu ia ela não estava lá comigo, então era eu por mim. Nessas rodas eu notei que… Eu sempre tive muito talento pra imitar vozes muito facilmente.

PAS: Por exemplo?

AM: Cauby Peixoto, (canta imitando) “Conceição, eu me lembro muito bem/ vivia no morro a sonhar/ com coisas que o morro não tem”. Eu imitava Cauby com 80 anos, né?, essa voz mais encorpada. Imitava Caetano Veloso, porque começaram a dizer que minha voz parecia (imita), “sou a chuva que lança a areia no Saara/ sobre os automóveis de Roma”.

PAS: Imita mulheres também, ou só homens?

AM: Mulheres, imitava Alcione, uma pá de gente. Isso chamava atenção, e notei que me abria portas pra prestarem atenção no que eu vinha cantando depois. Porque como minha voz é muito baixinha, muito suave, no meio de cem pessoas conversando, você às vezes não aparece. Então eu chamava atenção por isso e depois fazia o que eu queria fazer. Descobri que essa era a forma. E numa dessas reuniões estava um cara que trabalhava no Encontro com Fátima Bernardes. Eu já conhecia quem ele era, mas fiz todo aquele movimento de “não lhe conheço”, pra não parecer… Fiz da forma muito correta, pra poder participar do programa, só pra chegar.

PAS: Estava naquele espírito “vamos ser famoso”.

AM: Vamos ser famoso. E rolou o convite, só que foi da forma que eu não queria, queriam que eu fosse lá só para imitar o Cauby Peixoto. Eu disse que não iria. Ele disse: “Você pensa direitinho, vou ligar daqui a 40 minutos”. Estava no meu quarto, desci pra falar com minha tia, “não vou”. Ela disse: “O quê? Você vai agora. Você vai ligar, você vai aceitar”. “Mas, tia…” “Você vai.” Ouvindo minha tia, senti que ela viu uma coisa que eu não estava vendo, então está bom, eu vou. No outro dia eu já estava no Encontro com Fátima, as pessoas começaram a me ver.

PAS: Imitando Cauby?

AM: Imitando Cauby.

PAS: Não teve oportunidade de cantar do seu jeito?

AM: Nada, nada. Nem fui entrevistado muito longamente, como aconteceu das outras vezes que fui no Encontro. Mas uma pessoa estava assistindo esse programa, a Meire, uma menina que trabalhava na comissão de busca de talentos da Globo para o The Voice. Há dois meios de você entrar lá. Ou você se inscreve mandando um vídeo…

PAS: Coisa que você não fez.

AM: Não fiz. Ou você é selecionado e depois passa por testes como qualquer um outro. Não tem privilégio nisso, só são talentos que eles acham que são bons pro programa e querem ter. Se você passar nos testes, você participa. E aí recebi um convite e não topei, porque eu não conhecia o programa. No segundo ano eu passei a conhecer e não gostei muito do que vi. O programa era muito americanizado, não tinha nada a ver comigo.

PAS: Todo mundo tinha que cantar em inglês…

AM: É, e eu acho… É que nem americano quando vem querendo cantar “Garota de Ipanema” gente, o disco da Sarah Vaughan cantando em português eu acho ruim. E é a Sarah Vaughan. Não sabem cantar música brasileira, porque é difícil. A divisão da gente do Brasil, a coisa do samba, é um negócio. Ninguém toca frevo melhor que recifense, ninguém. É indiscutível. Ninguém faz samba melhor que o carioca, é indiscutível. Tem uma vertente do samba em São Paulo, não sou muito fã, mas que é muito bonita também, Adoniran Barbosa, mas ninguém faz samba melhor que essa galera. É natural. E quando vejo brasileiro querendo imitar Mariah Carey… Ela canta 20 notas em cinco segundos, a gente não consegue fazer isso porque a gente não tem essa coisa gospel, da igreja, de estar toda hora ensaiando com maestros. São outros recursos.

PAS: Que a TV daqui está implantando na nossa criançada.

AM: É, acaba sendo um recurso medíocre. É que nem o funk que o pessoal fala mal. Eu entendo as pessoas meterem o pau no funk. As pessoas não têm acesso ao verdadeiro funk. Esse funk enlatado e pasteurizado que a Som Livre vende e a Universal bota aí é um negócio chato, careta, brega. É ultrapassado, antigo. Há coisa nova e coisas lindas acontecendo no funk, mas não está na Som Livre, não está abrindo a novela da Globo, porque é proibidão, é anárquico. Tem que ser anárquico. Não sou eu que digo que o funk tem que ser anárquico, são eles que dizem. Não estou aqui pra dizer o que é que o funk tem que ser, porque eu não pertenço a essa linha. Mas o hip-hop, o rap, tudo que passa fora dessa grande máquina que acaba construindo e destruindo coisas belas, como diria Caetano Veloso, a força da grana que ergue e destrói coisas belas, tudo que está fora dessa máquina tem muito mais vida. É difícil controlar o que está fora da máquina.

PAS: Puxando você de volta, então você não quis a máquina num primeiro momento?

AM: Recusei três vezes essa máquina. E na quarta vez minha tia (ri)… Na quarta não, na terceira, porque no primeiro programa eu não fui convidado, e pro quarto fui convidado mais uma vez. Eu disse: me liguem amanhã. Falei com minha tia, ela disse: “Você vai, porque já ligaram diversas vezes. Diga o que você vai levar e o que vai somar lá”. Eu disse: vou para cantar música popular brasileira, vocês não vão dizer o que é que eu vou cantar, e eu vou fazer o que eu quiser. Se for assim eu topo. Disseram “mas com todo artista é assim, as pessoas vão lá cantar essas coisas porque elas querem”.

PAS: Será? Você acreditou?

AM: Pior que é. Eu participei até o fim daquele negócio. É claro que tem uma sugestão, que o produtor vai lá. Os produtores, também… A gente tem que entender que a televisão é feita de pessoas, e as pessoas às vezes têm ideias absurdas. Cara às vezes olha pra menina, “puxa, você me lembra a Madonna, canta aquela música da Madonna. O cara fica com medo, será que isso é uma dica?, uma estratégia? O cara vai lá, canta, se lasca, sai do programa, “ah, não, me mandaram cantar”. Não mandou, bicho, o cara sugeriu. Foi assim comigo. Às vezes eles são mais enfáticos, aí eu também sou mais enfático. Eu tenho voz, tenho língua pra falar, eu falo. Quando meu calo aperta digo que está doendo, não, aqui não.

PAS: Então você pôde fazer seu caminho?

AM: Me falaram “você parece muito Cazuza, canta ‘Codinome Beija-Flor'”. Eu disse: não vou cantar. “Por que você não vai cantar?” Porque eu não gosto da música, não acho que vou acrescentar em nada interpretando isso. Não vou. “O que você quer cantar?” Eu me senti tão vilipendiado (ri) que aí joguei…

PAS: Foi difícil pra você?

AM: É, no primeiro momento foi. Eu disse: quero cantar “Valsa Brasileira”, Edu Lobo, (cantarola) “vivia a te buscar porque pensando em ti corria contra o tempo”. Nunca iam deixar.

PAS: Você queria baixar a audiência da Globo.

AM: É, foi o que eles falaram. Marcelo Sussekind me pegou pelo braço e disse: “Olhe, está todo mundo encantado com a sua voz. A gente acredita no seu talento. Agora deixe eu lhe dizer, você está num programa muito popular. Já tem um jeito, esse programa já acontece há algum tempo. Você pode mudar isso, mas num primeiro momento abra uma brecha pra gente. Quando você entrar ninguém lhe tira, só o público”. Eu disse: tá bom, então vou cantar “Força Estranha”. Foi gravada por Ana Carolina, por Roberto Carlos, todo mundo conhece, tem aquela subida, (canta) “por isso uma força…”, já imaginei que iam fazer um arranjo supercomercial, que me colocaria dentro do programa. Foi o que aconteceu.

PAS: Você entrou com “Força Estranha” então?

AM: Entrei, e a partir dali fui cantando coisas…

PAS: Possivelmente, suponho, sendo comparado a Caetano. Ou a Roberto?

AM: Sim, e me aproveitando desse link que as pessoas fazem naturalmente comigo e com Caetano, que até eu às vezes acho parecido. É engraçado, eu fui começar a ouvir Caetano…

PAS: Ouvindo seus discos eu não acho.

AM: É, às vezes tem umas coisas, quando vou para um vibrato, nossa, realmente, lembra. Mas não sei, é um ouvido mais preguiçoso, quando ouve assim, “ah, Caetano Veloso”, quem está acostumado a tachar.

PAS: Seria bem menos interessante se você fosse mais um Caetano. São tantos.

AM: Pois é, porque é uma coisa que já está, né? Mas me aproveitando disso e de ser muito jovem, com uma música que as pessoas acham que é velha. Eu me aproveito, eu não sou bobo. E fui ali, como se diz, comendo pelas beiradas.

PAS: E você foi ser apadrinhado por quem?

AM: Lulu Santos. Com muitas restrições, com muitas restrições.

PAS: Como assim?

AM: No programa, ele me disse: “Sinto que virei pra você por impulso”.

PAS: Ah, restrições dele, não suas.

AM: É. Ele foi muito, e foi muito bom pra mim, porque a gente criou um embate imediato. A gente brigou nos ensaios.

PAS: Ele é insuportável. Desculpa, Lulu (risos).

AM: Ele é, não é? Mas é um cara… Ele fez uma coisa… Eu gosto de gente insuportável (bate na perna).

PAS: Ah, pode ser.

AM: Os bonzinhos demais sempre são bonzinhos, bem educados, mas nunca me ajudam em nada. É impressionante.

PAS: Está falando do Michel Teló? Ou do Daniel?

AM: É, o Michel Teló pegava avião comigo, um doce, aquela coisa, nunca virou cadeira pra mim, nunca nada. O Lulu Santos, eu acabei o programa e até hoje ele me cita em entrevistas.

PAS: Mas então você foi com ele do início ao fim? Não tem gente que muda?

AM: É, você pode mudar se você não atingiu o voto do público, aí algum técnico pode lhe roubar, “eu quero mesmo assim”. Não aconteceu, porque eu sempre passei com recorde em quase todas as votações.

PAS: E você ficou em que lugar?

AM: Segundo lugar.

PAS: Quem ficou em primeiro?

AM: Renato Viana.

PAS: Ai, meu Deus, não sei quem é.

AM: É um menino que cantava rock sertanejo. Mas era um fenômeno, vocalmente o menino era um dos brasileiros que cantava como se fosse um americano muito bom cantor. Impressionante.

PAS: Tudo que o The Voice procura.

AM: Era a cara do The Voice, bonitinho, hétero, teve um voto aí que não concordo, não exponho, mas eu sei. Julgo ele sim por isso, ele sabe disso, na brincadeira, eu disse pra ele e ele leva numa boa.

PAS: Não sei se entendi, um voto de um dos jurados?

AM: Não, um voto… Ele não expôs isso, eu não posso expor. Mas ele tem umas ideias pro Brasil meio loucas, o candidato dele…

PAS: Ah, sei.

AM: Ele era a cara do Brasil, a cara do Brasil. O Brasil votou nele. Me paravam no Recife, “roubaram, era pra você ter ganho”. Não, se eu tivesse ganho aí eu teria dito “a Globo roubou”.

PAS: Você sabia o tempo todo que ele ia ganhar?

AM: Sabia que ele ia ganhar, sabia. Graças a Deus eu sabia, porque eu não entrava nervoso. Como eu não ia ganhar, eu entrava pra me divertir.

PAS: Mas, por exemplo, o único que eu acompanhei foi o primeiro, que Ellen Oléria ganhou, e eu achei espetacular ela ter ganhado. Ela é uma cantora que não correspondia exatamente a nenhum dos rótulos que a gente vê que a Globo quer.

AM: O Lulu Santos mesmo… O figurino era assim, me mandavam cartilha, até a página dois, quando eu disse “vamos parar com essa palhaçada de me mandar cartilha que eu vou vestir a roupa que eu quiser”. Eu já tinha meu figurinista, me fantasia de casa. Uma vez fizeram uma capa de pequeno príncipe, eu disse: gente, eu não vou me vestir assim. Foi uma confusão. Me queriam com cores claras, pra ficar com carinha de bebê. Eu ia sempre de preto, com terno preto, muito duro. Chegou na final, montaram um figurino lindo pra mim, preto, eu disse: vou fazer a final todo de branco. “Você passou o programa todo de preto, por que agora você quer de branco?” Porque agora eu quero de branco. Acho importante mostrar pras pessoas que elas não podem fazer com você o que elas acham que devem fazer com você. Isso em todas as relações da nossa vida. Eu moro sozinho por saber disso. Já dividi apartamento com medo de ficar sozinho, chegar aqui em São Paulo e ficar carente. Quando vi que tinha hora que eu queria matar a pessoa com quem eu estava dividindo, disse: eu é que tenho que me mudar.

PAS: Como fica a relação da Globo com o cara que ficou em segundo? Termina ali? É uma separação amigável?

AM: Depende se o cara que ficou em segundo é esperto ou não. Eu me considero bem esperto. Não sei se sou inteligente, mas esperto eu sou. Tenho bons contatos, bons amigos, as pessoas gostam de mim, da forma direta com que falo. Só voltando àquela coisa dos 16 anos, da fama, eu fui famoso e não podia andar no Brasil por causa de assédio. No domingo eu estava no Fantástico, na segunda de manhã eu estava tomando café com a Ana Maria Braga, na terça estava pela décima vez na Fátima Bernardes.

PAS: Cada compromisso chato que você tinha aos 16 anos.

AM: Aí ia cantar com Claudia Leitte em Recife, porque ela ficou apaixonada por mim, me ligava pra cantar. Arlindo Cruz foi fazer um show com Maria Bethânia, no meio do show pra 5 mil pessoas pediu pro público me aplaudir de pé porque eu estava no público. Aí eu vi que não era aquilo.

PAS: De verdade? Você não quer mais?

AM: Quando eu olhei… Sabe aquela música “eu estou no topo do mundo”? Pior que nem fui Anitta, Pabllo Vittar, essa coisa gigantesca que essas pessoas são. Mas olhei e vi que comecei a ficar triste. E vi que o que eu tinha do meu lado era música. Descobri que a leitura era o que estava me dando alento, a audição dos meus discos, o que eu gostava de ouvir.

PAS: Se a gente sair na rua aqui agora você vai ser reconhecido?

AM: Aqui em São Paulo? Acho muito difícil. Na rua não. Se você chegar na padaria, a pessoa tiver um tempo mais pra olhar pra minha cara… Em Recife é imediato, chego no aeroporto…

PAS: Esses reality shows revelam talentos de verdade, mas é uma relação que esgota nela mesma. Acaba o programa, todo mundo esquece os big brothers.

AM: É, não acontece mais o que acontecia nos festivais da Record, né? Hoje tem um Instagram que lhe bombeia de informação o tempo todo, aquela visão é uma esquizofrenia ambulante. Quem me alertou pra isto foi Bibi Ferreira, de como as pessoas gritam na TV.  É uma gritalhada, é muita informação na cabeça. Não se consegue assimilar mais nada, a gente está tendo o maior déficit de atenção da história da humanidade. Se um João Gilberto aparecesse hoje ele seria execrado, porque, pra você entender João Gilberto, é preciso saber a diferença de um bom restaurante para uma comida ruim. Eu às vezes como algumas coisas que me agridem, de tão ruins que são. E as pessoas comem e dizem “está muito bom”, comida de fast food ruim. As pessoas não desenvolvem sutileza porque não têm tempo de perceber, de fazer esse mergulho.

PAS: Com música é igual?

AM: Tudo é igual. Relações humanas, tem gente que vive casamentos desastrosos e não percebe, porque não pararam pra colocar na balança. A gente tem uma geração que não se atém a nada. Essa coisa do The Voice fortemente, no Brasil todo, foi um ano. Depois é sempre muito esporádico. Em elevador, que a pessoa tem tempo de parar e olhar na minha cara, ela acha que me conhece não de TV, acha que me conhece pessoalmente, que me viu em alguma festa. Eu fico calado, ah, pode ser. Cheguei em Paris, uma pessoa veio falar “posso tirar uma foto com você?”, em Paris.

PAS: Brasileiro?

AM: Brasileiro. Em Buenos Aires fui fazer uma excursão pro delta do Tigre, bem turista. Na van a mulher falou: “Tenemos un gran cantante del Brasil, del concurso musical La Voz“. Morri de rir, as pessoas pediram pra eu cantar, eu cantei. Uma palhaçada. Rolam essas coisas.

PAS: Um pouco de mico, né?

AM: É, mas hoje é gostoso, porque é pontual. Em Recife não é pontual.

PAS: Se continuasse naquele pique você não ia gostar?

AM: Não aguento. Não quero. Hoje eu sei que eu não quero. Me inveja, por exemplo, a Céu. Que coisa maravilhosa poder transitar, ter seu público, lançar seu disco, pagar suas contas e andar na rua. Isso é lindo. Muita gente hoje da minha geração vem tendo esse pensamento. A gente já aprendeu a desglamourizar a coisa da TV, da fama. Claro que a gente ganha muito mais dinheiro quando é famoso. A gente lota muito mais fácil quando é famoso.

PAS: Dá pra dizer que da sua adolescência pro The Voice aquele sonho acabou?

AM: Acabou.

PAS: Ou pode voltar?

AM: Acabou, foi lindo como acabou. Foi lindo, eu adoro. Tenho uma concepção das coisas um pouco niilista, que precisa destruir pra criar. Quando cheguei na última semana do The Voice, na semifinal, eu estava pedindo… ninguém sabe disso, mas eu pedi a Deus – eu, agnóstico -, meu Deus, por favor, fazei com que eu não passe.

PAS: Seu Deus, se você é agnóstico, é você mesmo. Deu uma sabotada pra ficar em segundo?

AM: Não, eu me despedia todo programa. Eu entrava sem vontade de fazer. Na hora de cantar vinha, porque é natural. Mas era um cansaço. Chegava de manhã no estúdio, tinha que sair pra fazer show em cidade, pegava avião e voltava. Teve um dia que fiz um show, saí pro aeroporto com a roupa do show, fiz o show, voltei pro aeroporto pra gravar o Fantástico de manhã.

PAS: Ninguém merece.

AM: Era terrível, eu não sei viver assim. Eu preciso estar em casa, sozinho, quieto. Eu preciso não fazer nada.

PAS: Vamos dar o pulo então do The Voice pro primeiro disco. Quando tempo demorou, e qual foi o processo?

Capa de “Ayrton Montarroyos”, de 2017

AM: Também foi uma coisa que a roda queria me destruir. Recebi convite de uma gravadora grande. Nem vou falar porque já meti o pau na Som Livre e na Universal.

PAS: Só falta a Sony.

AM: Só falta meter pau na Sony. Mas recebi convite de uma galera, “já temos arranjo, já temos as músicas, os compositores…”

PAS: Isso tudo? Só faltava vestir?

AM: Mas espera aí, vocês vão fazer “fulano de tal na voz do Montarroyos”? Se me derem dinheiro eu vou. Mas se for disco meu… “Não, disco seu, seu primeiro disco.” Não vou passar pelo que Elis Regina passou.

PAS: Você chegou a ver o que eles queriam?

AM: Cheguei. Vi a proposta, era terrível. Brega, cafona, como tudo que fazem, como a maior parte.

PAS: Repertório cafona? O adjetivo cafona põe um preconceito aí.

AM: Não, estou falando de músicas, de forma que sei que seriam cafonas mesmo. Eu cantei “Carinhoso” no The Voice, por exemplo, porque sei que imerso naquela realidade era necessário e urgente que eu cantasse “Carinhoso”. Era uma música superpopular, então não saía do programa. Mas era como se dissesse “vocês lembram disso?”. E quem está cantando pra vocês lembrarem não é um velho de 80 anos saudosista, eu não sou saudosista, porque não tenho idade para ser. Estou tendo uma visão de quem está vendo todas as épocas numa só. Estou dizendo “olha isso aqui, que vocês não falam, e além de não falar vocês acham que é menor”. Isso aqui é a fase grande de um Brasil enorme. E isso despertou nas pessoas uma coisa sentimental, uma lembrança de quando eram novos. É uma música de 100 anos. Essas são nossas raízes, nossa ancestralidade. Nossa língua é nosso patrimônio, nossa mãe, nossa divisão brasileira é nossa riqueza, nosso ouro.

PAS: De volta ao primeiro disco…

AM: Quando eu percebi tudo isso vi que tinha que fazer um primeiro disco de acordo com o que eu achava necessário naquele momento, naquele lugar. E não era regra pra “Carinhoso”, não era fazer nada daquilo que queriam me propor pra fazer, com arranjos terríveis. Não topei. E passei o quê?, um ano e meio. Fui lançar esse disco em 2017, The Voice foi 2015.

PAS: Não existe um contrato que você vá gravar apoiado por eles depois?

AM: Não, a não ser que eu ganhasse. Como graças a Deus eu não ganhei não fiquei amarrado.

PAS: Aí você seria obrigado a fazer?

AM: Seria obrigado.

PAS: Seria um disco parecido com esse que a gravadora propôs.

AM: Seria tenebroso. Mas eu tenho muita sorte, graças a Deus.

PAS: Em contrapartida, você fez um disco que me parece um pouco hermético. Não é um disco fácil, É um disco anti-The Voice.

AM: É, foi uma negação. É um disco de negação, porque comecei a notar que a imprensa estava me tratando como um bobinho, um menininho que estava deslumbrado pela fama, vamos ver até onde ele vai. Aquilo começou a me irritar. Comecei a ter uma relação, até mesmo com a imprensa, de distância, de não dar determinadas entrevistas, não falar com determinadas pessoas. Porque me subestimavam muito. E eu estava me subestimando. Muita gente me parava na rua e dizia “e aí, The Voice, tudo bem?”. Isso me fazia mal. A pessoa queria uma foto porque me viu, porque sou famoso, não porque me ouve. Aí eu descobri que eu não queria ser famoso, eu queria ser ouvido. Não é ser famoso para ser ouvido. Eu quero ser ouvido. Quando notei isso disse, pô, tenho que fazer um disco que incomode. Não tinha meu nome na capa, não tinha o nome das músicas no disco, a capa não tinha foto do meu rosto – era o meu olho, que significava o olhar do intérprete acerca das canções. A gente teve uma construção à parte, eu esqueci tudo e disse, vamos lá ver o que eu quero fazer. Liguei para (o maestro) Arthur Verocai e disse, ó, estou pensando em gravar “Alto Lá”, de Zeca Pagodinho, encaro como uma coisa bem passional, dramática, quero um arranjo assim. Fiz um arranjo de base junto com o pianista, mandei pra ele. Aí ouvi “Portão”, de Lula Queiroga, que me ficou parecendo as coisas que ouvi de João Gilberto (cantarola a “Valsa dos Iogues”), um motezinho pequenininho que ele repete várias vezes. Quando liguei pro Lula ele disse “então deixa eu fazer um B”, eu disse não, não faça B, não, deixa eu gravar desse tamanho. Isso era uma chamada de propaganda de televisão, alguma coisa do tipo. Fui fazer esse disco assim, bem alheio. Quando acabou a gravação, meu produtor disse: “Você sabe que definiu que seu caminho é Nana Caymmi, né? Poderá ter prestígio, mas vai ser sofrimento atrás de fama”. Nana Caymmi nunca foi uma grande vendedora de discos.

PAS: Você concordou?

AM: Concordei, achei maravilhoso. Saiu agora uma crítica falando do disco novo, dizendo que a capa é suicida. Eu achei incrível.

PAS: É o monolito de 2001: Uma Odisseia no Espaço?

Capa de “Um Mergulho no Nada”, de 2019

AM: É, não, na verdade é um mergulho no nada (ri).

PAS: Então pulamos já pro segundo disco. Por que esse nome?

AM: Esse nome é bem forte. Na verdade quem escolheu foi o Thiago, eu achei genial. É ironicamente falando, porque é mais de pesquisa.

PAS: Thiago produziu esse disco?

AM: Sim, meu produtor.

PAS: Mas não está saindo pela gravadora dele.

AM: Não, é pela Kuarup. Ele também é diretor artístico da Kuarup. Eu depois quero falar da Kuarup, porque, em contraponto a toda essa loucura de gravadora, não é porque estou nela que estou babando. Estou babando porque… estou nela porque já babava por ela. Mas o Thiago me disse: “É um mergulho no nada”. Tem uma certa ironia, porque é um disco de pesquisa de canção, de forma, muito mais que o primeiro, a desvendar coisas, tanto clássicos, uma coisa que no primeiro não teve…

PAS: Os dois discos têm alguma semelhança, mas têm uma diferença forte também. É isso talvez, você atacou os temas mais clássicos?

AM: É, me perguntaram a diferença, eu não vejo, vejo tudo como uma continuidade. Enquanto intérprete, a minha principal matéria-prima é a interpretação. Quem tem o ouvido atento sabe que do primeiro pro segundo disco houve um salto na técnica interpretativa, na própria técnica formal do canto, na forma como coloco hoje as palavras, o registro que acho de voz. Se você ouvir os dois discos um atrás do outro você nota que tem um outro cantor. A exposição que tenho ao me remeter pro voz e violão gravado ao vivo em uma única apresentação é gigantesca.

PAS: Por que essa opção?

AM: Primeiro porque era o que estava na mão na hora. Era o mais simples de fazer de cara.

PAS: Porque é mais barato? Tem esse fator?

AM: Também, muito mais barato. Mas o medo de fazer é o seguinte: e se não ficar bonito, se eu desafinar em todas as músicas? Acontece isso. Hoje em dia as pessoas têm o pró-tools como aliado, amigo e parceiro. Mas Thiago participou da gravação do primeiro disco, e via que muitas das faixas eram gravadas de primeira. Elizeth Cardoso gravou disco ao vivo de voz e violão, Ney Matogrosso, Nelson Gonçalves, os grandes cantores do Brasil gravaram, se expuseram. O disco de voz e violão ao vivo é a mesma coisa que o disco de orquestra ao vivo. A dificuldade é igual, porque é muito complexo. No caso da orquestra é você ensaiar todas as marcações e conseguir prevalecer ali pau a pau com a orquestra. E no voz e violão é você transformar silêncio em som.

PAS: É um pouco o Fatal da Gal Costa também.

AM: Isso. E eu me inspirei muito, eu ouvia muito na época o Saudade do Brasil da Elis, que tem um título também irônico. Quando faço um disco de canção falando de um mergulho no nada, e o Saudade do Brasil, quando se mora no Brasil… Foi muito inspirado no disco da Elis.

PAS: Saudade do Brasil era um bom título para o atual momento.

AM: Era, Saudade do Brasil.

PAS: Que saudade do Brasil.

AM: Que saudade do Brasil. Quando eu ouvi esse disco eu chorei, sabia? Nunca aconteceu isso comigo, sempre acho uma merda, não sei como tive coragem de lançar isso. As pessoas estranham. Dá gente no teatro, as pessoas aplaudem, eu digo “foi”. Mas eu quero fazer melhor. Esse disco não tem filtro, photoshop, nada. Eu me vi. Quando fui ouvindo a sequência das músicas olhei pra uma coisa tão grande, um negócio tão bonito, uma coisa em que eu acreditava quando era criança. Eu acreditava, sim, que a truculência jamais ia ser o método que as pessoas iam escolher de falar, de se expressar, eu achava que a sutileza seria a arte das pessoas. Eu me emocionava com Dalva de Oliveira aos 6 anos de idade, aquela música e David Nasser (canta), “as selvas trouxeram nas noites seus ritmos bárbaros/ os negros trouxeram de longe reservas de pranto/ os brancos falavam de amor nas suas canções/ e dessa mistura de vozes nasceu o teu canto/ Brasil”, isso é gigantesco, um patrimônio muito rico. De repente a gente se vê perseguido.

PAS: Amar o Brasil, neste momento, é amar o nada? É possível permanecer amando?

AM: Loucamente. Eu sou totalmente contra qualquer tipo de amor. Eu acho amor um negócio absurdo, inconsequente, descarado. Não é prático. Não é inteligível amar. Mas é impossível não amar. A gente ama apesar das coisas, não por causa das coisas. Eu amo este país. Quando leio os textos, a trilogia do rio do João Cabral de Melo Neto… Tem uma hora que ele fala do Recife e é o rio falando, que coisa linda, que negócio lindo, que coisa gigantesca. Quando eu ouço disco de Clementina de Jesus, aquela mulher cantando com aquela voz, vem da África, tudo bem, mas é bra-si-lei-ra. É a expressão mais típica do povão, a mulher que veio do povo, do nada. As histórias que ouço de Tia Ciata, a transformação que esse mundo criou num tempo hipercurto, Donga, João da Baiana, Pixinguinha. Esse disco foi me remetendo a isso, ao próprio violão de sete cordas, criado pelo Dino Sete Cordas, um violonista pouco conhecido pelo público, o cara que inventou essa sétima corda que dá esse grave dessa terra, que me remete a essa dureza que a gente tem, essa nota grave que é a terra. É duro. Ser brasileiro é duro, não é fácil.

PAS: Eu gosto bastante do repertório, e ao mesmo tempo não consigo encontrar uma unidade nele que não seja o fato de você interpretar bem todas as canções. Por que são essas canções?

AM: É uma coisa que tento sempre fazer, tento sempre ir de encontro aos formatos que existem. O primeiro formato é contar uma história através de um percurso meio lógico das canções. Sempre tento englobar a interpretação como fio condutor, sempre. Nesse disco acho que exploro muito mais isso que no primeiro, uma interpretação sempre complementar entre uma música e outra. Mas ao mesmo tempo trabalho muito com dinâmica, com ritmo, que é algo que tem me interessado cada vez mais, através também da minha descoberta desse funk moderníssimo que está sendo feito principalmente em Belo Horizonte, do MC Rick. E da ideia dessa canção, desse Brasil, porque a canção, enquanto forma, é uma coisa que realmente está acabando. Nós temos novos compositores, Zé Manuel, Ylana… Por exemplo, “Jabitacá” não é propriamente uma canção. Através da interpretação eu transformo e dou características formais que englobam ela no universo da canção. Mas eu sou um artista sujo, não tenho uma clareza, tudo me interessa.

PAS: É como se você, embora muito jovem, tivesse saudade da canção, que está acabando, e aí você coloca várias no disco, “Mar e Lua” e “Doce de Coco”?

AM: Só trabalho com canção, e tento englobar tudo nesse universo. Porque é um universo onde eu existo. Adoro ouvir outras coisas, amo ouvir outras coisas. Eu me lembro do choque que tomei quando Karina Buhr surgiu, aquela coisa meio destrutiva dela. É uma cantora que, ao contrário de mim, não se atém à melodia.

PAS: Você gosta de autores de mais ou menos a sua idade? Às vezes dá a impressão que você não pertence à sua geração.

AM: Gosto de pouca coisa, acho a minha geração muito fraca. A gente fala muito.

PAS: Por exemplo, essa onda afrofuturista, que confunde as sexualidades todas, não é uma coisa legal?

AM: Acho uma coisa interessante que a tropicália fez um pouco ali, né? A gente tem uma coisa que não é exatamente nova. Não acho que as coisas têm que ser novas. Mas vejo também pouca sinceridade em muitos lugares disso, sabe? Eu posso citar duas ou três referências que acho interessantes enquanto imagem, a música às vezes não me interessa tanto. Pode ser por que eu não esteja atento pra isso. Eu fui num festival de música eletrônica experimental, o Yaga, disseram “meu Deus, você está aqui?”. Todo mundo ia embora, não assistia, eu assisti todos os shows, do início ao fim. Fiquei apaixonado pela Sophie, e tiveram outras apresentações, aquela menina do Carne Doce, genial. A menina é genial, cantorona, fazendo algo novo, super anarquista no melhor título, no melhor significado. É um trabalho muito forte, muito “pá!”, na cara. Vitor Araújo faz shows de Levaguiã Terê, ele faz uma coisa de composição, tem um quê de Villa-Lobos, mas junta eletrônica contemporânea, que interessa a ele, e faz uma macumba… Não vou saber definir sem apequenar. Mas é uma coisa linda, muito com a cara dele e muito brasileira também. Eu acho bonito quando a gente consegue ser dessa forma.

PAS: Você gosta muito de ir em shows, pelo jeito.

AM: Gosto, vou a muitos shows.

PAS: Os artistas costumam dizer que não vão.

AM: Porque são frescos. É tudo mentiroso também que vai. Vão todos, eu encontro com todos lá. Eu vou a muitos shows, e vou a shows de amigos meus, agora tem coisa que realmente é nada. Música tem que ser boa, se não for é nada. Não é música. Música é boa.

PAS: E de fazer show, você gosta?

AM: Adoro fazer show. E, como diria Bibi Ferreira, morro de medo. Estou pra estrear o show novo, estou há duas semanas tendo pesadelo.

PAS: Quais pesadelos?

AM: Que entro no palco e não lembro as letras, desafino, erro, o público não gosta do show, as pessoas me vaiam, Edmilson (Capelupi, violonista) erra, o violão quebra na hora do show, a gente está mal vestido…

PAS: Todas as tragédias.

AM: Todas as tragédias.

PAS: Um sonho bom no meio não rola? Que está sendo aplaudido?

AM: Não, é sempre tragédias gigantescas. E acordo assustado, graças a Deus que foi um sonho.

PAS: Sonhar todas as piores coisas faz parte do ritual, talvez? Pra que elas não aconteçam?

AM: Eu quero que se acabe, que se acabe. Eu quero só ficar com o friozinho na barriga, pra mim já basta. É horrível não conseguir dormir.

PAS: Antigamente os artistas, a Gal Fatal, ficavam em temporada não sei quantos meses. Você não deve ter vivido isso ainda. Talvez não vá viver tão cedo.

AM: Acho que não vou viver isso, não. Cantando o que eu canto, falando o que eu falo e com essas capas que eu faço, talvez eu não faça… Ninguém mais faz, na verdade.

PAS: Mas é um hábito, se criou o hábito de não fazer mais.

AM: E se habituou a não ir mais. Eu tenho amigos que dizem pra mim que foram pro Fatal dez vezes.

PAS: A Claudette?

AM: Não (risos).

PAS: Devem ser seus amigos mais velhos…

AM: O Edy Star, por exemplo…

PAS: É outro amigo de 80 anos.

AM: É, de 80 anos. Ele disse que foi 12 vezes no Transversal do Tempo. Fiquei tão chocado.

PAS: Você algema ele e faz ele contar tudo?

AM: É, pois é. Transversal do Tempo é o que a gente menos tem, né? Mas as pessoas tinham essa coisa, que é uma coisa grega que tento remeter nesse disco: que a expressão artística, enquanto intepretação e enquanto forma, só existe no momento em que é presentificada, em que é feita. Este disco é uma obra, se eu for cantar as mesmas músicas, com o mesmo arranjo, no mesmo tom, na mesma sequência, vai ser outra coisa. A força das coisas é muito grega nesse sentido, e o teatro, quando ele perde isso, ele perde a essência.

PAS: Você falou de grego e lembrei que te atropelei e não deixei você explicar a capa.

AM: Isso é um fragmento de alguma escavação. Raul e Luan têm muito isso, gostam da textura, da sombra, da coisa minimalista, pontos que às vezes as pessoas não podem enxergar. Isso reflete um pouco o jeito que canto. Tem muita gente que acha que eu não canto porra nenhuma.

PAS: Na contracapa está você, embora desfocado.

AM: A gente queria trazer essa coisa do busto grego, que tem muito movimento apesar de ser parado. Eu sugeri que a gente filmasse esse movimento, e na capa faço o texto do Hesíodo, que é um poeta grego. Este texto está na Teogonia, é o proêmio, é logo a entrada do “Hino às Musas”, quando é declarado o Aedo. Essa é a chave pra entender o disco. Pra entender não, pra poder fruir melhor. Fala assim: “Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas/ por cetro deram-me um ramo, a um loureiro viçoso/ colhendo-o admirável, e inspiraram-me um canto divino/ para que eu gloreie o futuro e o passado, impeliram-me/ a hinear o ser dos venturosos sempre vivos e a elas/ primeiro e por último sempre cantar”. Esse texto, numa Grécia pré-grafista, a palavra era. Quando você fala em árvore, você já concebe uma árvore, mas a palavra árvore é um símbolo que não representa em sua totalidade o que realmente é a árvore. A palavra grega tinha essa função hipofânica de presentificação. A gente chama de mito, eu poderia chamar também o cristianismo de mito. A mitologia de Cristo, lindíssima. O Aedo, esse poeta cantor, na hora que canta, presentifica, e só através dele isso é possível. O Aedo, na Grécia arcaica, tem a mesma autoridade de um rei. O rei é filho de Zeus, a justiça. E as musas, que são o próprio canto, a própria música, são filhas da memória e da justiça. Quando o Aedo recebe esse cetro, esse ramo de loureiro que representa a maior honraria que alguém pode receber, ele se transforma num porta-voz presentificador do que é a história de todo o universo, a teogonia.

PAS: Você estava lendo os gregos quando fez esse disco?

AM: Continuo lendo, sou apaixonado por mitologia. E ele tem essa força que na filosofia se chama de força ontofânica, que é presentificar sem que se veja. Diziam que algumas cerimônias na Grécia arcaica, quando as pessoas estavam doentes, eram assim: você cantava esses textos e as pessoas realmente se curavam. Não existia dúvida. O mundo romântico nos coloca essa dúvida, será que existe Deus? Tudo bem, a gente acredita, mas será que existe? A pergunta, a dúvida, veio muito depois. Na Grécia o grafismo ainda não tinha vindo para destruir. Esse é o início.

PAS: Você falou que cantar cura, é isso?

AM: Não nesse sentido. Cânticos de saúde, como ele presentificava tudo, eles iam presentificando saúde. De alguma forma as pessoas se curavam. Pode ser também mito. Mas é bonito entender isso, dá ideia de que o povo grego tinha um respeito por Hesíodo, Ulisses, Homero, que se tinha por um deus, porque ele era o próprio canto. Quando ele falava das musas, as musas ali estavam. Eu acho que é um pouco isso que se tem o intérprete. Através dele as coisas são possíveis e são presentes. Quando você assiste um show da Maria Bethânia, por exemplo… Eu não gosto muito de ouvir disco dela, mas quando vou pra um show daquela mulher… Todo mundo chama muito ela de orixá, de deusa, e realmente ela o é. Ela presentifica na figura dela tudo aquilo. Ela tem uma coisa meio apolínea e meio dionisíaca, que quando se juntam, segundo Nietzche, é a tragédia grega. Bethânia é grega, é dramática, é trágica.

PAS: Por falar nisso, por que ser só intérprete?

AM: Porque é o que eu sou. Eu não tenho nem como fugir disso.

PAS: Você não escreve canções?

AM: Não escrevo.

PAS: Estava falando que a canção acabou, então você é um dos responsáveis por isso.

AM: Eu não escrevo, mas eu ressignifico. Acho que quando canto “Açaí” ela é uma música minha, que eu fiz.

PAS: “Sodade Matadeira” tem um pouco disso.

AM: A gente ainda tem algumas pessoas que estão fazendo coisas bonitas, viu? Zé Manuel é um cara de Petrolina que ninguém fala, porque não está na moda.

PAS: Tem esse preconceito Sudeste-Nordeste, que prevalece, dá problema em eleição.

AM: Claro, a gente tem que vir pra cá, tem que se curvar.

PAS: Por falar nisso, ouvi seus dois discos juntos antes de vir pra cá, e reparei que o sotaque é mais pronunciado no primeiro que no segundo. É proposital, ou você está deixando de ser pernambucano?

AM: Não, não. Naturalmente tem um sotaque mais leve no segundo, que me entristece. Não vou mentir. Eu fiquei triste quando ouvi.

PAS: É sem querer então?

AM: É, porque todos os meus amigos são daqui, e eu acabo assimilando algumas coisas. Fiquei um pouco triste.

PAS: Mas falando você tem bastante sotaque.

AM: Não sei. Fiquei triste, e depois comecei um pouco a forçar. Mas também não vou fazer isso, vou deixar as coisas naturais, vamos ver como é que elas se encaixam. A Elba Ramalho me falou isso: “Olha, saí da Paraíba e hoje em dia tenho um sotaque carioca. Sou louca pra mimetizar aquele sotaque e eu não sei mais fazer”. Acho que não aconteceu isso comigo ainda, mas não quero perder isso, não. É por isso que todo carnaval eu passo em Recife, pra brincar o carnaval lá. Não admito passar em outro lugar. Pra poder ser jogado dentro do meu mundo, que é aquele.

PAS: Mas foi necessário vir pra cá? Por quê?

AM: Foi. Aqui é onde está o dinheiro, as pessoas, as coisas. Recife é uma cidade pequenininha, infelizmente ainda muito provinciana.

PAS: A gente vinha de um período em que, sei lá, os mineiros estavam ficando em Minas. Tinha esse movimento, que talvez já tenha enfraquecido?

AM: O projeto da ditadura foi um negócio bem feito, né?

PAS: E está de volta.

AM: Nunca esteve fora.

PAS: Mas está de volta mais do que já estava.

AM: Agora só está um pouco mais escancarado. Eles saíram, não foi a gente que tirou. Disseram “agora vamos abrir mercado pra que os Estados Unidos possam ganhar dinheiro com a gente”.

PAS: Você falou valentemente da sua sexualidade, e é um dos campos em que a coisa está complicada agora, Jair Bolsonaro veio pra chutar o balde. Como você está sentindo isso?

AM: Eu estou cagando pra ele. Estou cagando tanto pro Bolsonaro. Podem me bater, podem me prender, podem deixar-me sem comer que eu não mudo de opinião.

PAS: O trágico é que ele odeia a arte e quer tirar patrocínio da Petrobras pra cultura, de tudo.

AM: Ele odeia e não está sozinho nisso. As pessoas foram ensinadas a odiar. Quais são os piores inimigos hoje do Brasil? Professores, catedráticos, intelectuais e artistas. Quem coloca como inimigos seus professores e seus artistas, o que é que a gente tem? Por isso me choca, por isso choro quando ouço meu disco. Não é por mim, eu choro pelos compositores, pelas músicas, pela forma, porque eu sei o que a gente pode dar ao povo. O que está sendo dado é pouco ou quase nada. E está dizendo isso ao povo e dizendo “isso é bom, é bom entrar num concurso público e ganhar 30 mil reais por mês”, você tem um grande talento e transformam seu cérebro numa papa, vai ficar todo o mês dando carimbo num papel. É muito bom ser rico. O que você é? É rico? Então você não é nada. Você é famoso? Quantos seguidores você tem? O que você faz pra ter seguidor não importa. É uma bobagem, né? Hoje tem que ser famoso, rico, o meu patrimônio, essa ideia americana burra, tola, pequena, mesquinha, desumana, é o que as pessoas acham. Por que os Estados Unidos ficaram morrendo de medo quando a gente descobriu uma coisinha chamada pré-sal, e agora a gente está comprando barril a dólar? Me conte outra. Estou cagando pro Bolsonaro, acho que ele é um paspalhão e esse carnaval, essa brincadeira vai durar uns sete meses. Mas não é o Bolsonaro. Me assusta é a gente. Eu tenho me assustado com os pretensos intelectuais. Por exemplo, Damares Alves diz que menino tem que usar azul e menina tem que usar rosa. Sinceramente, minha gente, eu falo isso e disseram que eu estava indo contra a luta dos transexuais e tal. O que é que muda para os transexuais que já estão sendo assassinados diariamente? Ah, reforça o pensamento. Não, isso não reforça o pensamento. O nosso pensamento é o voto, que já está dado. É um presidente que já foi eleito, em detrimento a um outro que está preso.

PAS: Na prática o que a gente faz com a Damares?

AM: Acho que diz: Damares, você é uma boboquinha, meu amor, você é burra. Minha tia diz uma coisa: eu só respeito quem sabe mais do que eu, infelizmente. Se você vem de uma figura muito humilde, posso parecer elitista e posso ser mesmo, mas se você vem do povo e fala besteira, você tem que passar horas com aquela pessoa, tentar entendê-la, trazer pra junto de você. Agora mulher que é ministra, advogada, branca, estudou…

PAS: Não quero folclorizar, não interessa o que a gente faz com a Damares. O que estou querendo perguntar é como a gente resiste a este tempo. Seu disco é uma forma de resistência? É eficaz?

AM: Foi o que eu pensei na hora que estava gravando o disco. Eu fiz muita campanha, fiz vídeo pra conseguir voto pra Fernando Haddad. No primeiro turno, eu já estava ligando pra fãs meus. “Eu vou ligar pra você, vou conversar com você.”

PAS: Sobre eleição?

AM: Sim. Antes do Vira Voto eu fazia isso. Ninguém estava sabendo porque eu não divulgava. Depois começaram a divulgar e eu parei pra não parecer que eu estava fazendo oba-oba.

PAS: Como as pessoas reagiam?

AM: Ah, felizes porque estavam falando comigo no telefone. Mas consegui mudar a cabeça de muita gente. Acho que nunca a truculência e o grito é o caminho, em nenhum governo do mundo. Não apoio que o PT foi na coisa lá do Nicolás Maduro, porque não apoio uma pessoa que mata seu próprio povo. Achei terrível a Gleisi Hoffman ter ido lá, apesar de ter feito campanha pro Haddad.

PAS: Então seu disco é uma resposta porque ele não é no grito?

AM : Não é. Eu acabo o disco com “Cálice”, né? Marielle Franco tinha morrido um dia antes de eu estrear o show. Eu já tinha cantado “Cálice” e disse, meu Deus, de novo, como beber essa bebida amarga? Como tragar a dor e engolir a labuta? Como lidar com tudo isso que acontece aqui dentro? Me assustava muito. Ciro Gomes disse uma coisa que achei interessante: eles estão escolhendo qual é o campo de batalha que a gente está batalhando, e isso não é bom. Eu li Nicolau Maquiavel. Eu li Sun Tzu. São livros de bolso que vendem em farmácia. A Arte da Guerra. O príncipe tem que ser amado quando é possível, e é preferível que ele seja amado. Se ele não for, que seja temido. Quando você consegue escolher a área de batalha, sabe quem escolhia? Júlio César, que foi o maior conquistador do Império Romano. Só escolhendo. Vamos levar eles pra tal campo de batalha, que eles não são bons nesse tipo de área. E ele com um exército muito menor. Ele ganhou com um exército infinitamente menor do que os gauleses tinham. Então isso é um problema. Porque nós somos maioria. A maioria do Brasil não aprova porte de armas.

PAS: A maioria não votou nele.

AM: A maioria quer que, sim, a maconha seja liberada, que as pessoas abortem se quiserem abortar. Sabemos disso porque temos pesquisas provando. Por que a gente está perdendo?

PAS: Por quê?

AM: Porque a gente está no campo de batalhas que eles dizem que a gente tem que estar. A gente está discutindo se menino tem que usar azul ou rosa. Eu caguei pra isso. Isso é uma merda, discutir sobre isso é uma coisa de gente burra. Aí vejo Luciano Huck e Angélica, menina veste rosa… Eu estou desse lado, de Luciano Huck e Angélica?

PAS: Você está dizendo que, mesmo no outro lado, vai ter menino vestindo rosa e menina vestindo azul, obedecendo a pauta do inimigo.

AM: O carnaval é enorme, quem não vê que o general está sendo preparado para assumir é louco, é burro. Quem tem ouvidos que ouça, quem tem olhos que veja.

PAS: Quem tiver apito, apite.

AM: É, Lupicinio Rodrigues, né? Se você tiver uma visão um pouco mais tranquila, um pouco menos afetada das coisas, você consegue ver com muito mais frieza. O inimigo da gente está “ah, o PT”, o antipetismo. De onde veio? Como foi? Até onde vai? Por quê? Como?

PAS: Você é conterrâneo do Lula.

AM: Sou, o Lula é pernambucano assim como eu. Tenho o orgulho maior do mundo, um homem que encheu o prato de quem não tinha. Eu andava em Recife, as pessoas tinham esqueletos à mostra. Me lembro de uma cena, eu devia ter uns 4 anos, perguntei a minha tia Cleide por que essas pessoas estavam deitadas na rua. Ela disse: “Essas pessoas, meu filho, sofrem muito, elas comem até rato”. Quem me disser que na capital de qualquer cidade do Brasil as pessoas passam fome… Passar fome?

PAS: Hoje a gente vive um momento tenebroso em que tem gente feliz porque pessoas estão voltando a passar fome.

AM: Aqui em Higienópolis. Mandaram fazer uma limpa perto da estação Marechal Deodoro. Botaram policiais militares. Respeito, acho os policiais militares produto do meio, pessoas que vieram do povo. Tem aquela história do escravo que quer ser o… “ah, mas eu sou escravo da casa-grande, eu consigo ter conversa com os brancos, não levo chibatada, eles têm que me apresentar aos convidados”, e ele se orgulha disso. Eu vou condenar esses caras, minha gente? Jamais. Eles agem dessa forma truculenta porque é assim que está sendo dito que é. Tem uma parte corrupta? Tem. Vai tu subir em favela com AK não sei quanto, e os traficantes com metralhadora, de uma guerra que não é dos policiais, não é nossa. Cadê a cocaína do Aécio Neves? Quem liga? Nada disso se fala, ele agora foi reeleito. E a gente está discutindo se menina tem que vestir rosa ou azul ou o caralho. Bicho, não quero discutir isso. Vamos falar de política, de economia. O que não foi feito, o cara não foi a nenhum debate. A gente elegeu um governo que não tem proposta. Eu cansei, sabe, Pedro?, de ficar falando disso no Facebook. Acho isso um saco. Não entendo de política, não estudei isso.

PAS: Você não foi pra faculdade, foi?

AM: Graças a Deus, não passei por isso.

PAS: Por que graças a Deus? Não podia fazer música?

AM: Em Recife não tinha. Eu não acho que eu tenha uma inclinação acadêmica. Eu tenho uma coisa de aprendizado muito diferente das pessoas. Eu era da turma do fundão nas aulas, ficava batendo papo a aula inteira, e ouvindo aqui. Chegava na hora das provas eu gabaritava tudo. Ia pra casa e me divertia com aquela leitura.

PAS: É inteligente além de esperto.

AM: Eu gosto de aprender de uma forma minha, muito particular. Respeito muito a escola e todo o esforço que as mulheres, as professoras, na maioria, têm. É lindo. Mas a escola é um método terrível. Se a gente estivesse no campo progressista, estaria discutindo agora não se alguém pode fumar maconha ou não, isso é uma bobagem. A gente estaria conversando como podemos melhorar o ensino.

PAS: Um cara de 20 anos que tem amigos de 80 e canta canções de 100 o que é? O que está querendo afinal?

AM: Eu sou apaixonado, esperançoso, jovem. Está tudo aceso em mim mesmo, tudo ligado e plugado. Eu me apaixono pelas coisas, odeio as coisas muito fortemente, e aproveito isso. Simplesmente vou na onda que a vida me impõe, pelos trajetos que os caminhos me mostram. Ao mesmo tempo, como falo em “Sem Pressa de Chegar”, uma música de Capiba e Delcio Carvalho, que dá nome ao disco, é sem pressa de chegar. Eu tenho muita densidade nas coisas que faço, mas é um passo por vez. Procurando não pisar nas pessoas, não ser filho da puta com meus colegas, controlando meus desejos que me inclinam a pensamentos muito pequenos em que não me reconheço. Acho que todo ser humano só pode ser reconhecido nas suas grandezas. As nossas pequenezas são coisas do mundo, não são coisas nossas, da nossa energia. Eu acredito que o ser humano é bom, nasce bom, que as pessoas têm muito a oferecer. Sou uma pessoa apaixonada, trabalho com a canção pela paixão, pela pesquisa. Gosto de me emocionar, de ir aos shows e ver meus colegas no palco, vibrar com as conquistas deles. Gosto de vibrar com as minhas, gosto de conquistas. E gosto de respeito, de ser respeitado e de respeitar o próximo. É isso. É nesse nada onde eu quero estar imerso, pelo menos até agora.

PAS: Pra terminar, há algo que você tenha vontade de falar e eu não perguntei?

AM: Você foi muito bom nas suas perguntas. Falei tanta coisa aqui, Queria falar isso, que eu acredito no Brasil.

PAS: Algo que você nunca falou numa entrevista?

AM: O que eu nunca falei? Deixa eu ver, meu Deus, eu falo tantas coisas. É que eu não gosto que peguem no meu cabelo. Todo mundo, da minha casa, meus tios, pessoas que me conhecem, amigos, não toquem no meu cabelo, na minha cabeça, eu não gosto. Eu vou no salão de beleza assim, enquanto a menina está lavando eu vou me contorcendo, me dá uma agonia terrível.

PAS: O problema desse final sensacional é que ele abriu o flanco, quem quiser te irritar já sabe como.

AM: Já sabe, vai na cabeça.

PAS: Mas concordo, não peguem no cabelo dele.

AM: Nos nossos cabelos. É muito chato.

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