PLAYBOY, 50 ANOS
UMA NOITE NO TEMPLO DAS FANTASIAS MASCULINAS
(18 de janeiro de 2004)
Jotabê Medeiros
Meia centena de homens excitados tumultua o hall do hotel Merv Griff’s Hilton de Beverly Hills, na Califórnia. E não é porque o vice-presidente americano, Dick Cheney, também esteja hospedado ali. É que, em pouco mais de meia hora da noite de quinta-feira, aqueles homens estarão em um lugar com fama de ser uma espécie de Hopi Hari do erotismo, um Playcenter da sexualidade: a Mansão Playboy, em Los Angeles.
Convidados para celebrar os 50 anos da revista e o êxito dos negócios mundiais do grupo Playboy, eles vieram de todo lugar do mundo para a festa – China, Japão, Índia, Argentina, Equador, Peru, Austrália. Criada em 1953, a revista Playboy é o carro-chefe do grupo, lida por cerca de 10 milhões de adultos norte-americanos todo mês. É uma publicação franqueada para 18 países, entre eles o Brasil (sua terceira maior vendagem no mundo). A Playboy TV chega a 130 milhões de lares (possui 1 milhão de assinantes na América Latina).
A mansão de Hugh Hefner fica na Charing Cross Road, num lugar de onde dá para ver o famoso letreiro de Hollywood na colina. A mansão fica perto da que foi de Frank Sinatra, que é breguíssima – o bairro todo parece uma espécie de filme de arquitetura de terror. O marketing pessoal de Hefner apregoa que ele vive na mansão com seis namoradas, aos 77 anos. Nos fundos da casa, contam, moram a ex-mulher de Hefner e dois filhos. ‘Não se pode dizer que ele não seja um homem de família’, brinca um executivo. Na entrada, há um mural com motivos gregos e mais adiante aparece um cartaz no meio dos arbustos, onde se lê: ‘Freie para animais’. Os homens (são 670 convidados) desembarcam ruidosamente e são recebidos pelas famosas coelhinhas da Playboy, com orelhas e pompons no traseiro, sorridentes e receptivas. Mais adiante, há um grupo de mulheres de biquínis pretos e saltos altíssimos. Logo são umas 200 mulheres por todo lado, um playground de peladonas.
A festa é nos jardins da mansão, então não dá para ver as famosas pinturas de Pollock e Picasso que dizem que Hefner tem nas paredes da casa. Com piscinas, cascatas artificiais e pedras gigantes coladas com cimento, a mansão não é muito diferente de qualquer motel com teto retrátil da Rodovia Raposo Tavares. A freqüência é que é um tanto diferente: estão por ali os atores Martin Landau e Jamie Brown, o cantor Enrique Iglesias, os roqueiros Marylin Manson e Ray Sugar e alguns atores pós-adolescentes daqueles filmes tipo American Pie, mas pouca gente sabe informar o nome de algum deles.
Os homens agora já tinham tomado alguns goles de uísque escocês e cerveja Michelob e tiravam fotos com Pamela Anderson (juro: até que não é tanto silicone assim). Quando a solícita Pamela não estava disponível, iam para os fundos do terreno, onde havia uma foto de Marilyn Monroe recortada, e tiravam fotos abraçando a deusa que foi a capa da primeira edição. Tudo conspirava para que o detector de chauvinismo das feministas disparasse na noite.
No palco, a capa da edição de dezembro de 2002, Dita Von Teese, ensaio intitulado O Retorno do Fetiche, dançava ao som de música de big band dos anos 20. Aos poucos, Dita inicia um strip-tease lânguido, com um sorriso de capa de revista, e vai tirando a roupa. Mas o corpete enrosca, ela tem de pedir ajuda a uma coelhinha auxiliar. Consegue tirar tudo e fica com um minúsculo tapa sexo. Ao final do número, ela entra dentro de uma taça gigante de martini e rodopia incessantemente, sob aplausos entusiásticos.
Bela morena ao estilo Betty Page, Dita von Teese dá o golpe de misericórdia no sujeito que já tenha chegado à terceira cerveja. Ato contínuo, um alemão assanhado, cuja silhueta parece com a de uma pêra gigante, atraca-se com a playmate desavisada e torna-se um polvo ameaçador. Ela brinca, roda e sai fora. O alemão sobra sozinho na pista.
No banheiro masculino, uma surpresa: Paris Hilton retocando a maquiagem, com dois seguranças na porta. Por conta disso, todos os homens são agora remanejados para banheiros alternativos. ‘Por via das dúvidas, eu tirei a aliança’, brinca um jornalista australiano na fila, falando com um colega canadense. No armário de todos os toaletes, há um kit padrão: um pote de aspirina, outro de vaselina, uma caixa de Tampax e nenhum envelope de camisinhas.
Então, ali pelo meio da festa, surge o anfitrião, Hugh Hefner. Ele senta numa mesa no centro do ‘salão’, com seis acompanhantes. É um coroa simpático, beija todas as moças que o cumprimentam na boca – Drew Barrymore esquivou-se e ofereceu a face. Hefner mostra que não é exatamente um modelo de parcimônia: come espetinhos de filé mignon enrolados em bacon e toma refrigerante normal, nada de diet. Criou um arcabouço ‘filosófico’ para justificar eticamente seu império.
‘As boas moças também gostam de sexo, e essa é a chave’, ele diz. ‘O que eu venho tentando provar é que o maior beneficiário da revolução sexual são as mulheres, não os homens, porque as mulheres foram forçadas a viver de um jeito não natural, num pedestal, consideradas como as filhas de Eva. O homem quer ficar com as garotas más e depois casar com uma garota boa. É uma tradição totalmente desfavorável para as mulheres’. Hef, como é conhecido, fala com todo mundo, atende o povo com um sorriso perpétuo e, em dado momento, sua ‘preferida’, Holly Madison, o puxa da cadeira e vão os sete para o centro da pista.
A DJ àquela altura era outra playmate, Colleen Shanon, do Alasca, daquelas do tipo que ninguém quer nem saber que música toca. Hefner dança com suas seis mulheres, ou coisa que o valha, e sustenta com heroísmo o mito de potência e longevidade sexual que ajuda seu grupo a faturar US$ 277 milhões por ano. Ao estilo Coisinha de Jesus, Hefner esforça-se para chacoalhar o esqueleto, e as garotas tomam drinques vermelhos e não param de sorrir.
Às 22h20, as garotas de biquíni preto, uma das tropas de choque da festa, iniciam outro número que parece previamente ensaiado: caem na piscina, e começam a dançar na água. Corajoso, ou muito bêbado, um dos convidados tira a roupa e entra junto. Os japoneses, com seu velho senso de honra, se sentem ultrajados e também começam a cair na piscina – o primeiro deles, tatuado como um gângster da Yakuza, ganha afagos das moças por todos os lados e grita triunfalmente para os não-molhados. Outro cai de terno e tudo.
Finalmente, um sujeito tira tudo e as garotas brincam com sua underwear abandonada na piscina. Um italiano consegue a proeza maior: convencer uma das peladonas a levá-lo até uma gruta misteriosa ao fundo da piscina, e o ragazzo desaparece para sempre da festa, atrás das bolas gigantes e jacarezinhos infláveis.
No território dos secos, uma playmate do grupo das vestidas (não muito vestidas, ressalta-se) aproxima-se do repórter. ‘Por que você anota tanto aí?’. É preciso sobreviver, é o tal do senso do dever, é meu trabalho. As desculpas soam esfarrapadas, ela ri e passa a mão na nuca do desafortunado repórter, e provavelmente considera-o um caso perdido.
Fim de festa é tudo igual. As coelhinhas peladonas reaparecem vestidas e, na saída, novas garotas distribuem kits com chinelinhos e bonés. No mundo de cenários de Hollywood, as festas de Hugh Hefner são apenas mais um sonho, alimentado por uma boa dose de fantasias masculinas estandardizadas.
E TUDO COMEÇOU COM UM CHIFRE…
Tudo começou em 1953, mesmo ano da publicação do Relatório Kinsey da sexualidade. Hugh Hefner criou e editou o primeiro número da revista Playboy na mesa da cozinha de sua casa, com um investimento de apenas US$ 600 (era tudo que tinha), e mais US$ 8 mil emprestados de parentes. O número inicial, que tinha Marilyn Monroe na capa e custava US$ 0,50, vendeu 51 mil exemplares.
Segundo escreve Gay Talese em seu livro A Mulher do Próximo, a obsessão de Hefner pelo sexo pode ter começado às vésperas de seu primeiro casamento, quando sua noiva, Mildred, confessou que o traía com um homem que conhecera numa estação de trem. Hefner, filho de pais puritanos protestantes, ficou abalado e ainda assim fez questão de casar-se, mas nunca mais foi o mesmo.
Os primeiros tempos da primeira revista de entretenimento masculino foram difíceis. O correio boicotava as assinaturas, entregando-as com atraso, e a polícia de Chicago, onde tudo começou, costumava perturbar a direção da empresa. Embora espalhe o mito e reproduza um discurso padrão para jornais e revistas, Hefner não convence como atleta sexual. Mesmo nas empresas, hoje, é uma figura simbólica, um garoto-propaganda de sua própria marca. A mulher forte da Playboy Enterprises é a filha dele, Christie, graduada em Literatura Inglesa, e que é casada com um senador por Illinois.
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Sensacional, Jotabê!
Que delícia de texto…