O dia 28 de junho de 2015 matou o dia 15 de março de 2015 na cidade de São Paulo. Obviamente, é temerário decretar a morte de algo ou alguém, em especial se esse algo ou alguém ainda apresenta sinais vitais. Mas é evidente que o domingo ensolarado em que as bicicletas e os seres humanos tomaram posse da avenida Paulista feriu mortalmente (e sem disparar um único tiro, bomba ou cusparada) o domingo ensolarado em que paneleiros pularam das sacadas seguras para o passeio central, para xingar polític@s progressistas de cachaceiros e vagabundas e exigir “intervenção militar constitucional já”.

IMG_5751No domingo de março, foi de grossa negatividade o levante reacionário que exigia passivo-agressivamente o fim genérico de uma corrupção genérica e indeterminada (mas apontada exclusivamente para o Partido dos Trabalhadores). No domingo de junho, a negatividade se converteu em ação afirmativa, basicamente em AÇÃO, na Grande Passeata das Bicicletas Apartidárias (embora explicitamente gratas ao prefeito petista Fernando Haddad pelo ainda inacreditável grito de liberdade).

Neste junho de 2015, não custa lembrar, completam-se dois anos das chamadas jornadas de junho de 2013, que se espraiaram pelo Brasil com resultados ainda inconclusivos e controversos, à esquerda e à direita, com propósitos progressistas e reacionários.

Se reacionário é quem reage à mudança (a qualquer mudança, boa ou neutra ou ruim) e progressista é quem luta por progresso (positivo, de preferência), a correlação de forças está nítida agora. Os ciclistas de Haddad não foram à Nova Paulista simplesmente pedir ou exigir uma cidade (um país, um mundo) mais humana, justa, livre, fraterrna, igualitária. Eles (elas) foram ENCENAR, ou melhor, PRATICAR, com seus corpos e rodas, grau inédito de conquista de humanidade, justiça, liberdade, fraternidade, igualdade. O falatório dos reacionários comeu poeira, deitou na BR, ficou estirado na beirada do caminho.

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Não ouso tentar extrapolar os acontecimentos paulistanos para todo um país (me ajudem, por favor, brasileir@s de Cuiabá, Maringá, Poços de Caldas, Olinda, Belém e alhures). Mas a reconquista do espaço público que a ~maior~ capital vive (ainda que seja para ceder asfalto ao reacionarismo dos ignorantes políticos) é incrível, inacreditável, formidável, histórica.

Eu, particularmente, perdi A Grande Festa da Democracia Ciclista (como sou burro, menino!), porque dormi demais de manhã e porque fui passar uma tarde feliz (pô, até que não sou tão burro assim, menina!) na periferia oeste paulistana, no Jardim Boa Vista, a convite do amigo Edgar Bueno, do coletivo Vie La En Close e d@s  Jornalistas Livres, e levado de carona pelo amigo Victor Amatucci, do PT e do blog Imprença.

Fomos ao Jardim Boa Vista participar de um evento idealizado e organizado pelo Vie La En Close, a Vielada Cultural. Embora apenas uma semana e uma sílaba separem a Vielada da Virada Cultural, a coincidência é mesmo uma coincidência: a Vielada não existe em função da Virada, nem nada perto disso. Mas foi inevitável, para mim que frequentei com entusiasmo a Virada de sete dias antes, fazer uma porção de paralelos mentais entre os grandes palcos da Virada e as vielas pequenas e amorosas da Vielada.

IMG_5635Ao longo de várias horas, adultos e, sobretudo, crianças desfrutaram com grande alegria de apresentações de cultura erudita (o jazz do projeto Jazz na Kombi, a biblioteca ambulante Kombiblioteca, o show de Bocato) e de cultura popular (o maracatu do grupo Mucambos de Raiz Nagô, o circo do palhaço mineiro Vagabundo Mequetrefe, o rap orgulhoso ensinado na quadra da Escola Solano Trindade).

(Vagabundo Mequetrefe? Que nome maravilhoso para um palhaço! Solano Trindade? Não conhece, não ouviu falar, não sabe? #ProcureSaber.)

IMG_5678Aquilo que na Virada é palco grande e multidão, na Vielada se transforma em aconchego de artistas e espectadores pisando o mesmo asfalto, em plena mistura e troca entre emissores e receptores de cultura. O churrasco de peixe de um grupo de frequentadores se prepara na mesma escadaria onde, de um minuto para outro, surgiu uma exposição que exibe fotos da viela na própria viela.

A bandeira gigante da Casadalapa contra a redução da maioridade penal, que já tremulou pendurada no Viaduto do Chá, ressurge repousada no chão da comunidade da zona oeste, para servir de brinquedo à criançada, três dias antes da primeira batalha perdida num Congresso Nacional hoje francamente fascista.

(Aos derrotistas de plantão, os do lado progressista: uma batalha NÃO É a luta de uma vida inteira, de vidas inteiras.)

 

Batalha ganha, batalha perdida, guerra em aberto, a infância não roubada das meninas e dos meninos que pulam entre os retalhos da bandeira no Jardim Boa Vista prova, por A mais B, a excrescência que são Eduardo Cunha, seus patrocinadores (nem sempre) ocultos, suas focas parlamentares amestradas,  suas grossas manobras antidemocráticas.

A micro-Virada que é a Vielada do Jardim Boa Vista me impressiona e emociona nos detalhes, tanto quanto no todo (ou talvez mais ainda nos detalhes). Meu coração sempre se inflama, nas visitas a periferias brasileiras, quando começo a perceber o que há de colorido nelas, e que me parece muito diferente da realidade que vivemos nos anos 1990, 1980, nas décadas de ditadura civil-militar.

As cores vivas de grafites, pixações, pinturas de casas, flores e folhagens se derramam entre o concreto e se somam às cores vivíssimas das roupas das crianças (e dos adultos). Como são coloridas e elegantes e bem-vestidas as crianças periféricas deste novo Brasil (os adultos também, mas, ah, as crianças!). E como tudo faz sentido duplo, triplo, quádruplo e múltiplo quando as cores das crianças (e dos adultos, e dos muros, e das casas) se fundem com as cores da bandeira que diz que “Redução é Roubada”. É roubada e é roubo, ouviram, Ed Cunha & seus 325 ladrões de infância?

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Um detalhe novo molha meus olhos na visita à Vielada: percebo um ponto de cor a mais, que antes eu não notava e que agora repousa nos números identificadores das casas das vilas e vielas do JARDIM Boa Vista. São coloridas e mimosas, mas são mais que isso: num mundo, num país e numa cidade ainda repletos de cidadãs e cidadãos sem-teto, sem-terra, sem-mídia, sem-diversão, os números coloridos indicam que os moradores dali possuem endereço – e se orgulham de seus endereços, e os enfeitam, e mostram-nos orgulhosos para a vizinhança.

Os endereços institucionalizados do que já foi favela significam que os moradores dessas casas podem receber cartas e quitar contas de água e luz. O endereço validado (a placa da casa 72 está “suja”, maculada por um papel da prefeitura que cita um tal “Programa de Regularização Urbanística e Fundiária”),  evidencia que quem mora ali dentro pode matricular seus filhos em escolas, abrir conta num banco ou assinar o crediário de um fogão, geladeira ou carro. Significa cidadania, cidadania expressa em cores.

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Os detalhes explicitam, em outras palavras, um país em pleno processo de mutação, de transformação. O progresso acontece e explode em cores, mesmo para o desespero dos reacionários.

Ainda de dia, deixo o Jardim Boa Vista de ônibus, de busão (o Victor ficou lá, para participar da festa até o final). Ouço a moça loira no banco em frente ao meu dizer à amiga negra que pretende centrar seu mestrado no tema do comunismo (desmaiem, direitistas!).

Sobre comunismo eu pouco sei, mas sobre vida em comunidade tenho aprendido um bocado, seja na Virada, na Vielada, na pedalada da Nova Paulista, na observação dos valorosos ativistas do movimento #CicloviaNaPeriferia, no convívio com o pessoal querido da Frente de Luta por Moradia (FLM), n@s Jornalistas Livres.

Volto para o centro da ~maior~ cidade pensando e ligando pontinhos em minha cabeça oca. Chego à Paulista já no escuro e não resisto a descer para dar uma rápida olhada na Nova Paulista, a das bicicletas e dos seres humanos (será possível mesmo que essa via tão desumanizada possa vir a ser nossa todos os domingos?). Lembro que, sete dias antes a mídia tradicional braZileira, controlada e dirigida por gente que odeia vielas & vieladas, classificou a Virada de ~esvaziada~.

Vejo um monte de gente circulando a pé e de bicicleta pela Paulista já liberada para carros e ônibus. Compreendo que a multidão que correu durante o dia à Nova Paulista constituiu outra Virada, uma nova virada. Até amigos da periferia vieram passear e deixar seu recado à Paulista enquanto eu, coincidência ou não, passeava pelas vielas. A cidade circula, transita, vive, pulsa, fica colorida no miolo e nas beiradas. Talvez qualquer dia desses tenhamos Viradas (e viradas), ~esvaziadas~ ou não, durante todos os dias das semanas e dos meses, em todos os cantos da cidade.

Encerro este texto com pedacinhos de emoção que encontrei e capturei para mim no Jardim Boa Vista, enquanto minhas amigas progressistas pedalavam numa bicicleta e meus amigos reacionários choravam no sofá e vice-versa e etc. e tal. As fotografias falam muito mais e melhor do que eu.

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