Periferia: onde a Virada não vira

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No largo do Arouche, a periferia e o centro assistem juntos ao show de Ludmilla (foto Pedro Alexandre Sanches)
No largo do Arouche, a periferia e o centro assistem juntos ao show de Ludmilla (foto Pedro Alexandre Sanches)

Entra ano, sai ano. E é incrível como a divulgação da Virada Cultural nas periferias continua a mesma. Não temos divulgação de qualquer espécie.

Neste ano, a Virada Cultural aconteceu em junho, praticamente no final do mês, paralela a muitos eventos políticos.

Se procurarmos nas redes sociais da Prefeitura, só encontraremos destaques para os eventos da região central da cidade. Já na página oficial, a Prefeitura destaca da mesma forma os eventos que rolam no centro. Os relacionados às periferias, só encontramos na página da programação.

Tanto falam de valorização das periferias nas formações culturais, através de movimentos sociais e artísticos, quando num evento dessa magnitude não demonstram o mesmo apreço, tratando bairros periféricos como meros coadjuvantes.

E para mostrarmos tamanha discrepância cultural e política iremos relatar algumas verdades que não acontecem dentro das comunidades.

 

A proposta da Virada Cultural, segundo a página oficial da prefeitura de São Paulo:

Olha só o destaque para a região Central - por que não fazem esta foto de produção em uma virada na periferia? (foto Eyes on Brazil)
Olha só o destaque para a região Central – por que não fazem esta foto de produção em uma virada na periferia? (foto Eyes on Brazil)

Criada para refletir o espírito tipicamente paulistano, de uma cidade que “nunca para”, a Virada Cultural é um evento promovido pela Prefeitura de São Paulo, com duração de 24 horas, que oferece atrações culturais para pessoas de todas as faixas etárias, classes sociais, gostos e tribos, ocupando ao mesmo tempo a região da cidade.

Inspirada na Nuit Blanche francesa, que se baseia na inversão de expectativas — como, por exemplo, abrindo museus durante a madrugada– o evento em São Paulo traz programação diversa, distribuída por toda a cidade. A Virada busca, antes de tudo, promover a convivência em espaços públicos, convidando a população a se apropriar desses locais por meio da arte, da música, da dança e das manifestações populares.

Desde sua primeira edição, em 2005, a Virada Cultural atrai milhares de pessoas de todas as partes de São Paulo e do Brasil até a região central da cidade. Ao longo do tempo, a festa foi se difundindo mais a cada ano, até recentemente incorporar a região da Luz, além da República e do Anhangabaú.

A primeira edição, em 2005, ocorreu no mês de novembro, o que se mostrou uma escolha inadequada por conta da temporada de chuva. Nos anos seguintes, o evento passou a ser realizado no primeiro semestre, entre os meses de abril e junho.

Além da rede municipal de equipamentos – incluindo os Centros Educacionais Unificados (CEUs) -, a organização da Virada Cultural conta com parceiros estratégicos como o Sesc e o governo do estado, que aderem com seus equipamentos culturais descentralizados. O Metrô de São Paulo fica aberto durante as 24 horas do evento, garantindo a circulação das pessoas.

(Para mais detalhes acesse a página oficial aqui.)

 

A realidade da Virada Cultural dentro de uma quebrada:

Imagem feita por Diogo Salles, publicada em 2011 no hoje extinto Jornal da Tarde
Imagem feita por Diogo Salles, publicada em 2011 no hoje extinto Jornal da Tarde

Nas periferias da zona sul de São Paulo, infelizmente, a Virada Cultural não funciona da mesma maneira. Os espetáculos ocorrem durante períodos delimitados pelo próprio espaço em que ocorrem as apresentações. Os lugares escolhidos para os palcos são a Capela do Socorro, o Sesc Santo Amaro, o Sesc Campo Limpo, oSesc Interlagos, o CEU Cantos do Amanhecer e o CEU Heliópolis.

Apesar da boa programação, os espaços reservados aos artistas não correspondem à realidade periférica, desde seus designs estéticos aos horários das apresentações, tornando os eventos nada atrativos, pois o local que deveria ter a maior diversificação cultural é justamente o ambiente mais desvalorizado.

(Para conhecer a programação que rolou nestes lugares, acesse a programação Virada Cultural 2015.)

Por que não investir na popularização do evento? Até mesmo por uma questão de segurança. Conforme publicado em uma matéria da Folha de São Paulo, no caderno Ilustrada, em 2013, foram registrados 15 casos de roubo e menores detidos por tais acusações. Isso não ocorreria se nossos líderes políticos repensassem a organização e a produção desse evento que virou um marco de crime e castigo.

O Assessor de Comunicação da SNJ (Secretária Nacional da Juventude), Paulo Motoryn, ex-Revista Vaidapé, relatou, em um artigo publicado em 2014, a importância da descentralização do evento e as contradições de valores culturais empregados pelos governantes para criarem justificativas para a não ocupação dos espaços públicos. Os mais afetados nessas políticas “benfeitoras” somos nós, moradores de bairros periféricos, tachados de vândalos e criminosos:

“Os crimes cometidos na Virada são utilizados como muletas para fomentar a repulsa à ocupação do espaço público, o preconceito, a intolerância. Nada mais irônico: o banditismo, que, se bem analisado, poderia escancarar as contradições de classe e o abismo social, é incorporado pela ideologia dominante para sua própria argumentação política. O cidadão, submetido ao bombardeio midiático, só consegue ver a impunidade – no quarto país com a maior população carcerária do planeta – e ter a pretensa certeza de que somos reféns de uma violência sem solução. É por aí, e não apenas com as Sheherazades, que nasce o fenômeno dos ‘justiceiros’, que acreditam fazer o certo com as próprias mãos”.

(Para ler esse artigo na íntegra, clique

Uma prova sobre a desvalorização da Virada Cultural na Periferia: nós entrevistamos o produtor cultural e músico Carlos Roberto Martins Jr., o “Juninho”:

Só que o assunto não para por aí, também entrevistamos o grafiteiro (pelo Coletivo Revitarte) e produtor de vídeos Allan Lima sobre esse dilema:

Há mais uma ressalva do tema em uma ideia que trocamos com a cantora Selma Paiva:

Enfim quando falarmos sobre Virada Cultural dentro da periferia, devemos repensar o significado do valor da cultura inclusiva e popular. O que estamos vendo é exatamente o que diz a expressão “mais do mesmo”.

Enquanto não é criado e consolidado um diálogo direto com as periferias, de como veem e esperam um evento cultural que corresponda às suas identidades e realidades, a Virada Cultural sempre será um evento voltado a um público político que se beneficia dessa exclusão cultural.

 

(Danilo Cardoso, 30 anos, nasceu e vive no Jardim São Luiz, zona sul de São Paulo. É jornalista e editor pelo coletivo Revista Digital NNA, é o jornalista responsável pelo veículo impresso Jornal da Região – que abrange Campo Limpo, Jardim São Luiz, Capão Redondo, Jardim Ângela e arredores – e participa como colaborador nos Jornalistas Livres e na assessoria de comunicação do Espaço Comunidade. Este texto foi publicado originalmente na NNA, sob o título “As quebradas só valorizarão a Virada Cultural quando de fato ela ganhar uma identidade periférica“.)

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