Carta aberta a não sei quem

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O transe da tensão política é tamanho nestes dias que o Brasil parece virado do avesso, ou então se transformou em nau catarineta que navega à deriva por mares nunca antes navegados (mares novos, novíssimos, ainda que assustadores – será que o dragão marinho existe?)

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, abriu-se nesta quarta-feira, 4 de março, para uma roda paulistana de conversa com midialivristas brasileiros (se você que está lendo este texto é jornalista e não sabe o que são “midialivristas”, talvez seja a hora de você pedir aposentadoria) (se você não é jornalista e não sabe o que são “midialivristas”, tento explicar: são jornalistas e aparentados que atuam à deriva, sem vínculos com a velha mídia, a chamada ~grande~ mídia, a indústria multinacional da desinformação).

Os midialivristas comparecemos à convocatória do ministro (FAROFAFÁ é um veículo de mídia livre, embora guarde vínculos precários com a revista de mídia meio grande meio velha CartaCapital). Até alguns colegas de veículos de velha mídia compareceram.

E aí tudo pareceu virado do avesso.

Os jornalistas de velha mídia entraram mudos e saíram calados – até aí tudo bem, Inês nem parece muito morta.

Vários jornalistas de mídia livre (inclusive eu que aqui escrevo este texto) entramos mudos e saímos calados – até aí Neves já morreu e Inês aparenta sinais flagrantes de desatino.

Os midialivristas que se manifestaram não cumpriram um velho cacoete de reuniões públicas com autoridades governamentais: não falaram mal de tudo e todos, não fizeram exigências, não se queixaram da vida – embora talvez tivessem razões de sobra para abrir o rosário de lamúrias (afinal, o país está bem esquisito e talvez nem Neves esteja tão morto assim).

No lugar de a sociedade civil blogueira reclamar e resmungar, quem por diversos momentos ensaiou coalhar o ambiente de queixume e chorume foram algumas das… autoridades governamentais presentes, a começar pelo próprio ministro. Aí, Inês pirou de vez.

Examplo? Instado por uma pergunta de midialivrista que não versava sobre midialivrismo, Juca proferiu uma aula linda, profundamente jucaferreirista, sobre como a maldita Lei Rouanet pilha, neutraliza, aniquila e anula a cultura brasileira.

Bela, belíssima aula, mas nublada por duas notas dissonantes (estaríamos voltando à bossa nova?). Em primeiro lugar, não era para falar sobre Lei Rouanet que estávamos reunidos. Em segundo, já sabemos de trás para frente o que está errado com a Lei Rouanet – o que nós queremos, carecemos, precisamos saber é o que o ministro está efetivamente fazendo para DEMOLIR a maldita Lei Rouanet. De que ajuda nossa o ministro precisa para cometer este ato de amor apaixonado pelo Brasil com S. Como fazemos para, juntos, sair das belas palavras para as ações de resgate daquilo que já é nosso por direito, justiça e voto.

O que? Quem? Como? Quando? (Comunicação também é cultura?, ou estávamos hoje reunidos no ministério errado?)

Ainda no departamento do voo de Ismália rumo ao abismo verde, soou estranho ouvir mais uma vez o novo ministro da Cultura ensaiar rudimentos críticos ao governo que ele É, na presença física da mídia livre e da mídia presa.

Neste momento – e apenas NESTE momento -, estas vistas cansadas quase sentem ganas de desatinar de vez e concordar com a mídia decrépita embolorada que, por inveja, bala perdida ou espertíssima burrice, insiste em pintar o(s) movimento(s) Fora do Eixo como a reencarnação da besta das trevas marinhas.

Pois sinto-me no dever de lhe dizer, querido ministro, nesta delicada cartinha e com todo o imenso amor e admiração que lhe nutro: o oposicionismo juvenil até cabe (meio mal) no figurino fora-do-eixista, blackbloquista, MPLista, mas nem tanto assim na sua estatura de co-autor de um governo de paixão nacionalista em confronto feroz com uma oposição político-midiática servil, multinacional, corrupta, hipócrita, depredadora privada de patrimônio público.

Se o senhor for nessa, em vez de continuar a nos orientar e liderar com a sabedoria de quem consegue enxergar na frente, seu ministro Juca Ferreira (PT-BA), aí mesmo é que Aécio Neves viverá forever, tal qual os eternos diamantes cor-de-rosa da novela central aguinaldossilvista robertocarlista da maldita Rede Globo (PIG-USA).

Eta, eta, eta, que a cultura faz com que todos nos contaminamos uns aos outros – e eis-me aqui fazendo crítica fast-food no estilo da defunta Folha de S. Paulo, chorume, queixume, ilha de edições canalhas de algum programa dominical por nome Fantástico. (Crítica sem autocrítica não é crítica.) (Otimismo e pessimismo não existem, querido Pablo Capilé, senão dentro dos nossos cérebros, antes de se converterem em discursos que se converterão, pessimistas ou otimistas, em atos concretos e em novas – ou velhas – realidades.)

Pois terminarei este texto que não sei a quem endereçar (seria ao ministro?, à secretária midialivrista Ivana Bentes?, a quem?) eescrevendo o que gostaria de ter falado lá na reunião se meus neurônios não fosse lentos na hora de converter pensamentos em fala. Não me pronunciei por retraimento, é verdade, mas também porque sabia que o que saísse ia sair em forma de queixume e chorume – e eu estava tão feliz por ouvir meus colegas mais corajosos não se queixarem da má sorte nem falaram mal do governo que somos nós.

Eu diria então ao sr. ministro que sou jornalista, dissidente destrambelhado da ~grande~ mídia velha e padeço, tal qual meus colegas, de um mal que nos implantaram num chip (“Pedro, devolve meu chip!!!!!”) os patrões da mídia velha, fossem eles os mais reacionários (como os Frias da Folha) ou os mais progressistas (o Mino Carta da MinoCartaCapital). O que eles nos implantaram (e a gente deixou) foi o chip o da passividade, da subserviência, da passivo-agressividade, do servilismo, da completa ausência de proatividade diante das coisas da vida real (#ImpítimanÉMeuZOvo).

(Até me ocorreu, durante a bela aula sobre Lei Rouanet, que os jornalistas, como os artistas, também vivemos de uma espécie sorrateira e venenosa da tal Lei Rouanet de Abomináveis Espetáculos Culturais, que rouba, digo, privatiza dinheiro público e o transforma, às migalhas, em salários pagos a nós desde que nos comportemos como mercenários a serviço nunca de algum bem público, mas sim exclusivamente dos interesses privados deles – sabe o velhote lá do Fantástico, querido ministro?, pois então, ele mesmo.)

Nossa classe profissional, a dos jornalistas, colaborou para o lento suicídio coletivo da indústria informativa – representamos o papel fictício de valentes topetudos perante o mundo, à mesma medida que entre as quatro paredes da redação-campo de concentração agimos como servos servis apavorados, fiéis e leais única e exclusivamente aos interesses dos patrões.

Eis o queixume final: em geral, não temos nem sequer conseguido nos constituir como classe ou comunidade, que dirá ajudar os bravos proativos que se encontram no poder público a comprovar que um outro mundo seja possível.

Feito o chorume, o outro mundo tenta se tornar possível, e aí talvez eu encontre a quem queria endereçar desde o início esta cartinha: como, cara e caro jornalista, nós conseguiremos estar à altura de Juca e de Ricardo Berzoini, do querido Luiz Inácio Lula da Silva e da querida Dilma Rousseff para nos constituir numa comunidade de fato, comprometida com a sociedade e com o Brasil com S, e não mais com as empresas decadentes que nos esfolam o couro à base do chicote? Como faremos para substituir o chip da passividade pelo da (pro)atividade, o chip da competição pelo da cooperação, o da estupidez pelo da inteligência emotiva?

 

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