Jotabê Medeiros
Uma fogueira num canto do palco, um céu estrelado, violões, uma tenda no cenário, um velho gravador de rolo com o som do oceano gravado e muitas piadas e sarro com a plateia.
Em uma noite inspirada, o cantor do Pearl Jam, Eddie Vedder, fez um show de 140 minutos sozinho ontem à noite no palco do Citibank Hall, em São Paulo, e levantou o público com o clima intimista que criou, de luau na praia.
Vedder tocou diversas e bonitas covers. Como a bela canção de Neil Young, The Needle and the Damage Done (além de falar sobre o estilo de vida selvagem do ermitão Young); cortou corações com Good Woman, de Cat Power, cantando no estilo dela; e ainda canções dos Ramones, Everly Brothers e outras.
Ele abriu com quatro canções tocadas no ukulele, instrumento havaiano que parece um cavaquinho. Tocou inicialmente Can’t Keep e Without You, demonstrando que seria uma noite atípica, dominada apenas pela arte do intérprete. Após Sleeping by Myself, começaram as brincadeiras, com garotas pedindo “durma comigo, Eddie”. Ele tirou de letra, alegando que não escutava muito bem – quando os holofotes iam para a audiência e elas mostravam efetivamente o que queriam, ele alegou que também não enxergava muito bem.
Na quinta música, Sometimes, já com a guitarra em punho, Vedder iniciou um set vigoroso e que cadenciava de outra forma seu espetáculo. “Quando fazemos shows com a banda, há sempre uma bandeira do Brasil. Uma, duas, três, quatro. É bom ver em seu País”, ele disse, acrescentando que seu português era “uma merda”.
“Na próxima vez eu vou pra escola aprender o seu bonito idioma”, afirmou, em português. Choviam “case comigo”, inclusive de gajos. Eddie destilava uma fina ironia, parecendo se divertir um bocado com tudo aquilo. “Eu vim parar aqui, é muito longe. Agradeço a vocês por serem como a Lua iluminando meu amor e me levando alto”, ele disse em português, lendo uma folha de papel. “Eu não escrevi isso, alguém escreveu”,falou, antes de concluir: “Me puxando com a força da sua gravidade para tocar em São Paulo”.
Houve uns princípios de confrontos entre pessoas da plateia e os seguranças. Havia cartazes espalhados por toda parte avisando, antes do show, que era proibido filmar com celular ou câmera. Antes de Eddie Vedder entrar em cena, uma de suas assistentes (todos os seus roadies vestiam aventais de laboratório brancos) leu um texto que pedia para a plateia aproveitar a experiência “real” do show, e não por meio de imagens de um celular alheio. “Não seja cretino e curta o show”, disse a moça.
Mas é claro que, em plena era dos smartphones, seria difícil que o pacto fosse cumprido. Os seguranças berravam: “Desliga esse celular AGORA!”. Alguns minutos depois, as luzinhas se acendiam novamente.
Em cena, Eddie Vedder fez talvez o show solitário mais difícil (e bem-sucedido) desde que João Gilberto foi vaiado na abertura da casa de shows. Ele passava dos violões para as guitarras, do universo folk para o punk rock, de uma maneira que parecia que a própria natureza de toda a sua música é una, maciça, indissolúvel.
As canções mais “selvagens”, por assim dizer, do Pearl Jam (como Porch, Just Breathe, Better Man), faziam pendant perfeito com outras que lembravam um show de acampamento (como Thumbing my Way e More Than You Know). No início, as peças vintage que Eddie espalhou pelo palco pareciam não ter função, mas elas se moldavam àquela cenografia do meio do nada harmoniosamente. O cenário, de início, mostrava uma arquitetura industrial monótona, e ao passo que o show corria em direção ao profundo da natureza de Vedder, os símbolos se tornavam silvestres e aconchegantes. Um show magistral.
publicado no portal ESTADAO.COM
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