Macapá

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São Paulo-Macapá é uma viagem longa,  mesmo de avião. Do momento em que botei o pé fora de casa até o pouso na capital do Amapá foram-se cerca de 11 horas, gastas entre as conexões São Paulo-Brasília, Brasília-Belém, Belém-Macapá.

Embora as aeromoças da Gol permaneçam loiras do início ao fim da viagem, a paisagem humana nos aviões muda drasticamente de Brasília em diante – ou seja, conforme nos afastamos do eixão Rio-São Paulo-Brasília. Estou entrando na órbita fora-de-órbita do sistema Fora do Eixo, que me convidou para participar do festival Quebramar, no norte do Norte do Brasil.

A branquitude padrão Fifa ainda prevalece no trecho pós-eixo, Brasília-Belém, mas vejo no avião famílias inteiras de afrobrasileiros, senhoras negras idosas viajando em dupla, uma infinidade de matizes de brasileiros pardos, olhos indigena e orientalmente puxados. Se o Brasil fosse esse avião da Gol que vai parar em Macapá, Brasil seria uma quase-democracia racial – quase, porque todos os comissários de bordos são mais parecidos com Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert que com Camila Pitanga e Lázaro Ramos.

Minha primeira missão em Macapá é participar de um debate sobre Democratização da Mídia (com maiúsculas, como é maiúsculo o debate). No sofá, somos eu-paranaense, o mineiro Felipe Peçanha, do Fora do Eixo/Mídia Ninja, o cineasta paraense Luiz Arnaldo Campos e a jornalista-mediadora amapaense Ana Girlene. Na plateia, há amapaenses como Mateus, de 17 anos, filho de sociólogo, que faz bela, ávida e ansiosa pergunta sobre a liberdade de expressão de agora versus a liberdade de expressão sob ditadura civil-militar, prós versus contras.

Durante o debate, me pego elogiando espontaneamente os Fora do Eixo – será por convicção?, será porque eles me trouxeram até aqui?, será um misto das duas razões? Concordo entusiasmadamante com o espectador Wendel, de marcantes traços indígenas, que classifica o programa Roda Viva com dois representantes do Ninja/FdoE, no calor das manifestações do inverno brasileiro de 2013, como um divisor de águas (e como há águas por aqui!) na história das comunicações brasileiras.

Classifico aquele Roda Viva como um furo na matrix, roubando aqui uma expressão cunhada no contexto do caso Procure Saber pelo colega Alex Antunes, segundo me contou a colega Bia Abramo. Podemos discutir os erros e abusos do FdoE quanto quisermos, mas acho que Wendel está coberto de razão: no Roda Viva que antecedeu a tormenta, os ninjas falaram, dentro da mídia “pública” paulistotucana, aquilo que a mídia “pública” paulistotucana jamais aceitou ouvir sobre si própria. Um pequenino rombo na matrix – que só se intensificou de lá para cá, com casos de fraudes milionárias, sonegações fiscais globais monstras, crises MPB-Globo e tucanodutos tucanos em geral.

O Amapá é governado pelo PSB, recém-desgarrado da base aliada federal. Macapá é a única capital brasileira dirigida pelo Psol. Menciono durante o debate minha afinidade pessoal com as políticas petistas. Luiz Arnaldo se coloca como militante do Psol. Um espectador critica o Quebramar por só trazer debatedores de um lado do espectro ideológico. A mesa concorda com ele. Eu me pergunto e pergunto à plateia se um jornalista ou outra figura da mídia monolítica braZileira toparia vir ao Quebramar, ao Amapá, bancado (ou não) pelo controverso Fora do Eixo, para discutir esses temas todos que (aparentemente) fogem das centralidades globotucanas (e petistas?) do eixão Rio-Brasília-SP. Topariam, caros colegas?

O debate está em aberto, este foi apenas o primeiro dia. Seguirei por aqui até segunda-feira de manhã.

 

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