Fiquei estarrecido – e sei que não deveria – com a agressividade da resposta de grande parte da mídia e mesmo de alguns biógrafos às propostas apresentadas por artistas do Procure Saber no debate sobre as biografias sem autorização.
Embora me espante com o ataque, sou contra a bandeira levantada pelo grupo porque acredito que o direito à liberdade de expressão e o veto a qualquer forma de censura de natureza política, ideológica ou artística, como diz claramente o artigo 220 da Constituição, é um bem maior que se sobrepõe à interpretação de proteção à privacidade do cidadão comum estabelecida pela reforma do Código Civil, em 2001.
Sabemos que artistas e políticos, ao assumirem tais papeis de destaque em sociedades democráticas, abdicam de seu direito à privacidade absoluta.
A crítica à causa do Procure Saber deve, portanto, ficar restrita à saudável esfera do debate das ideias. O que se viu nos últimos dias foi uma reação de intolerância e, como se dizia antigamente, de muita patrulha ideológica, na imprensa e nas redes sociais.
Exemplo maior é a reportagem de capa da revista Veja sobre o tema na semana passada.
Fui vítima – isso mesmo, vítima – de uma das piores biografias recentemente publicadas. Mas nada me anima a ser favorável à atual proibição inscrita no nosso Código Civil que exige autorização do retratado e da família.
A “biografia” escrita sobre mim é um bom exemplo para o debate em questão. Não foi autorizada, porém o mais grave não é o fato de ter sido produzida à revelia, mas sim o de oferecer aos leitores um livro repleto de erros – graves e em dezenas -, inverdades, impropriedades e com trechos de pura ficção.
Do primeiro ao último capítulo, lê-se uma história que não condiz com a verdade. Jornalistas e críticos a debateram, alguns enaltecendo, outros criticando.
Em nenhum momento cogitei proibir sua publicação porque acredito e aposto na liberdade de expressão em regime democrático. Por ela lutei toda a minha vida e ainda luto. Acredito no debate de ideias e no contraditório. Acredito na lei e na justiça. Por ela luto e lutarei sempre.
Mas é preciso garantir tanto a liberdade de expressão quanto a reparação em caso de ofensa. Deve-se garantir plena isonomia entre o direito de publicar biografias e o direito de resposta e proteção à honra – o que em boa hora a Câmara dos Deputados parece fazer no debate do projeto do deputado do meu partido Newton Lima (SP) que libera biografias sem autorização.
No Brasil, a Justiça não é nada cega em se tratando de mídia e é raro se observar a garantia ao direito de resposta. O receio do Judiciário de colocar uma empresa de comunicação no banco dos réus se torna ainda mais latente em tempos de exibição pela TV dos julgamentos da suprema corte. Os processos de reparação não andam e raramente um jornal ou uma revista é condenado, assegurando o direito de resposta a quem teve sua honra ameaçada em reportagens tendenciosas.
Mais uma vez cito o meu próprio caso, na invasão de meu apartamento residencial em um hotel de Brasília por um jornalista de Veja. Ele não foi acusado formalmente, apesar de réu confesso, sob o argumento de que a camareira impediu que o crime se consumasse. Imagine se fosse o contrário: eu tentando invadir o apartamento de um jornalista?
No caso das biografias não autorizadas, é preciso deixar a patrulha ideológica de lado e privilegiar o debate com o objetivo de assegurar o pleno cumprimento do Estado democrático de Direito.
O veto às biografias é, antes da defesa da privacidade do biografado, uma censura velada à liberdade de expressão, conquista que a sociedade brasileira alcançou depois de anos de regime militar.
Esse é o debate que deve ser feito. É preciso entender que a crítica feroz ao Procure Saber se traduz, na prática, como o medo atávico de nossa mídia a qualquer proposta que signifique regulação, sob o argumento falso de que seria censura e controle da informação. Dessa forma, ela fica livre para atacar a honra alheira, sem direito de resposta e proteção da imagem, como manda a Constituição de 1988, no mesmo nível de proteção da liberdade de imprensa e de informação.
(*) FAROFAFÁ pirateou este texto de José Dirceu na edição de 30 de outubro de 2013 da Folha de São Paulo – um jornal que, de resto, processa sites que o parodiam. E fica uma pergunta a mais: se a Folha considera o político petista um “bandido” e publica o texto (sensatíssimo) de um “bandido” em espaço nobre, a Folha resta cúmplice de “bandagem”? (Os grifos são nossos.)
Não se iluda, PAS, a Folha de S.Paulo abomina José Dirceu. Ela só publica artigos de seus desafetos para passar a imagem de liberal e democrática, e ambos sabemos que este jornaleco está longe disso! Estas tentativas de vender a imagem de neutralidade e imparcialidade e de abertura ao diálogo de correntes políticas diversas não enganam mais ninguém.
Na edição do “Saia justa” de que participou a empresária Paula Lavigne, a Barbara Gancia estava mais para “mulheres alteradas” e “donas-de-casa desesperadas”…
Debate arrazoado, foi no “Metrópolis”, na mesma semana, embora não tenha contado com algum membro do Procure Saber.