Procuraremos saber?

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Esta semana foi especialmente quente no meio cultural brasileiro, por conta da conflagração aberta entre o primeiro pelotão da MPB, agrupado sob a associação Procure Saber, e os editores de livros e autores de biografias.

Num lance midiático algo nebuloso, a Folha de São Paulo lançou a semente da controvérsia no sábado, dia 5. Em tom crítico, a reportagem dava conta de que o Procure Saber, uma verdadeira tropa de elite emepebista capitaneada por Caetano Veloso, Chico Buarque, Djavan, Erasmo Carlos, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Roberto Carlos, decidira apoiar este último num lobby em favor da exigência de autorização prévia para a comercialização de livros biográficos no Brasil.

1060_Livro_roberto_carlos_em_detalhes(Foi Roberto, lembre-se, que conseguiu em 2006 a interdição da biografia Roberto Carlos em Detalhes, escrita pelo historiador Paulo Cesar de Araújo, usando o prejuízo financeiro como um dos motes principais da ação judicial proibitória.)

No mesmo sábado, a porta-voz do Procure Saber (e empresária de Caetano), Paula Lavigne, fez publicar um artigo defensivo (e jurídico) n’O Globo, num jogo ainda incompreensível para nós, cidadãos comuns, em que a notícia e a contranotícia saem no mesmo dia, uma na Folha e outra n’Globo. Casado ou não, o lance duplo deflagrou uma avalanche. Folha Globo redigiram editoriais opiniáticos desancando a suposta ganância dos MPB e exigindo, como de hábito (e ao menos da boca para fora), a preservação irrestrita da “liberdade de expressão” sobre chão nacional.

Tem-se apontado a ganância dos medalhões musicais, que estariam (segundo a própria Paula admitiu explicitamente) atrás de porcentagens dos lucros obtidos por obras dessa natureza. Uma série respeitável de biógrafos (Fernando Morais, Ruy Castro, Lira Neto, Mário Magalhães) se pronunciou apontando um desejo de censura prévia, não apenas econômica, nos propósitos do Procure Saber.

Nos bastidores da trama, há um detalhe (se podemos homenagear Roberto apelando para “detalhes tão pequenos”) que até o momento não veio à tona em nenhum veículo de comunicação que esteja cobrindo o assunto. É o batido e recorrente argumento de que “a Globo está por trás de tudo”.

Não sabemos se está ou não, mas fato é que, enquanto discutimos a liberdade que temos ou não temos para escrever livros sobre figuras (públicas) da história brasileira, há uma modalidade de literatura biográfica largamente praticada no Brasil (e no mundo), e absolutamente muda e ausente do debate até aqui: a audiovisual.

O filme sobre Lula é uma cinebiografia. A cinedramatização há anos anunciada (mas jamais lançada) sobre o magnata das comunicações Assis Chateaubriand também é. A Globo já telebiografou vultos históricos tão variados quanto Getúlio Vargas, Euclydes da Cunha, Juscelino Kubitschek, a bisavó da MPB Chiquinha Gonzaga e dezenas, centenas de outros. A Globo Filmes escala a monopolização do mercado cinematográfico brasileiro, inclusive na área das cinebiografias. Um único exemplo? Olga, a dramatização da história da revolucionária comunista Olga Benário, baseada, adivinhe só, num livro biográfico escrito por Fernando Morais.

É de supor que, se for destrancada a porteira que tem inviabilizado um sem-fim de publicações literárias no país, a barragem se abra também paras as cine e telebiografias. É de imaginar que figuras ilustras – a elite troglodita da MPB, por exemplo – estejam de olho em porcentagens de lucros não exatamente dos livros, mas dos filmes, telenovelas e minisséries, bem mais gordos que os outros. Não seria de estranhar se o setor audiovisual estivesse se utilizando do Procure Saber como bode expiatório para uma luta que não quer encampar à luz do dia.

O parágrafo acima é de mera especulação, mas certamente não foi à toa que o artigo de Paula Lavigne (também produtora de cinema e parceira eventual da Globo Filmes) n’O Globo se chamase “Agenda oculta”. A parte que nos é cabida vislumbrar nessa luta de UFC ainda é minúscula – agendas ocultas pululam tapando nossos olhos.

A volta do bumerangue é que o movimento que inspirou o ringue a céu aberto se chama Procure Saber. Os jornalistas culturais, sobretudo, estaremos dispostos a procurar entender, decrifrar e transmitir para VOCÊ o que é que está acontecendo nos andares de cima da nossa sociedade? E nós, como “meros” cidadãos, procuraremos saber?

 

(Texto publicado originalmente no blog Ultrapop, do Yahoo! Brasil, em 11 de outubro de 2013.)

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1 COMENTÁRIO

  1. Exija saber

    As propostas do movimento “Procure Saber” soariam razoáveis se ficassem restritas a uma porcentagem de remuneração para os biografados. Embora concorde com as reflexões de Luiz Fernando Vianna sobre o falso aspecto financeiro da polêmica, tendo a relativizar suas premissas. O usufruto comercial da imagem e da obra de uma pessoa, mesmo que o rendimento seja irrisório, não poderia ficar imune a contrapartidas justas.
    Mas as boas intenções da plataforma desmoronam quando ela defende o veto a biografias não-autorizadas. Isso é contraditório com a liberdade de expressão. Se preciso da autorização de alguém para publicar um trabalho, como essa atividade pode ser considerada livre? E desde quando a divulgação do conhecimento precisa agradar a valores e conveniências individuais?
    A idéia dos direitos limitados e relativos é deturpada, como sempre, para embasar os argumentos proibicionistas. Ela poderia igualmente servir para submeter a figura individualista da privacidade a uma cláusula constitucional que salvaguarda a essência do regime democrático, e tem, portanto, alcance coletivo e soberano. O mesmo acontece nos exemplos estrangeiros, que só servem quando convenientes às causas em disputa.
    Essa maleabilidade no uso da esfera privada já anuncia, ela própria, riscos inaceitáveis. Não há denúncia, análise, testemunho ou citação que escape a critérios coringas de blindagem contra o interesse público. Levada a extremos, ela terminaria impedindo a prática do jornalismo; condicionada por eventualidades diversas, como ocorre hoje, afronta o princípio da isonomia.
    Cabe ressaltar que inexiste qualquer respaldo legal à censura. Ela ocorre no Judiciário, por causa de leituras equivocadas de normas e doutrinas, num ambiente de insegurança jurídica provocado pela covardia do Supremo Tribunal Federal. O recurso às filigranas textuais que originam essa confusão e à retórica ambígua deixa o “Procure Saber” com um aspecto retrógrado e populista.
    É delicado tomar posições numa querela que envolve talentos artísticos de variáveis grandezas, intermediários pedantes e corporações de discurso bondoso. Como lembrou Caetano Veloso, a mesma Folha de São Paulo que esmagou um blog que a ironizava agora aparece como defensora das publicações impedidas pela Justiça.
    Mas precisamos refletir sobre o absurdo prejuízo cultural, denunciado com propriedade por Benjamin Moser, que impede o país de construir sua história. É esse direito que está em discussão.

    http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2011/01/o-modelo-folha-de-liberdade-de.html

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