BONAMASSA

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Havia anos um guitarrista não me impressionava. O último foi Jeff Beck, num show no Via Funchal, mas aí é covardia: era o Jeff Beck, entende?

Tenho amigos que entram em transe quando pronunciam-se perto deles nomes como Gary Moore ou Jeff Healey. Eles se alimentam de um tipo de demonstração de excelência no instrumento, de domínio técnico exacerbado. Not me.

Eu não compartilho dessa idolatria prévia. Adoro um guitarrista que toca em espaços mínimos – para mim é como um jogador de futebol que dribla no triângulo da bandeirinha de escanteio. Há muitos exemplos: Ron Asheton, dos Stooges. Nick Valensi, dos Strokes.

Mas ontem, empurrado por duas pessoas muito queridas da família, acabei indo ao show de Joe Bonamassa.

Eu tinha muita desconfiança de Bonamassa. Primeiro, era um guitarrista de blues de Nova York. Cara, guitarristas de blues têm de vir de Chicago, New Orleans, Texas. Não dá para sair um guitarrista respeitável de blues de um loft do Soho. Ainda por cima de sobrenome italiano.

(Preconceito, admito)

Segundo: Bonamassa era um guitarrista de blues branco e jovem, só agora chegou aos 36 anos. Na minha cabeça, só aos 50 anos é que o cara está adequadamente destilado para a façanha. Tem de ter as pontas dos dedos amareladas e neve acima das orelhas. Ele usa um gelzinho.

Rapaz, eu quase caí no conto do Jonny Lang, não pretendia entrar nessa de novo.

Então, ia passando.

Bonamassa veio no ano passado, não fui.

Este ano ofereceram entrevista, fiz corpo mole. Acabou não rolando.

Mas lá estava eu, ontem à noite, no show de Bonamassa.

Nerdy, ele usa um óculos escuros que parece de office-boy de cartório.

O show ele dividiu em dois blocos, fora o bis.

No primeiro set, fez uma abordagem semi-acústica do blues.

Tocou quatro músicas, entre elas Seagull, do Bad Company, e Jelly Roll, de Charles Mingus.

No segundo e no terceiro sets, elétricos, foi ao blues rock, às raízes e às influências.

Tocou clássicos, como Who’s been Talking, de Howlin’ Wolf, e Spanish Boots, de Jeff Beck.

Tocou também Song of Yesterday, uma música do supergrupo que integra, o Black Country Communion (além dele, é uma banda estrelada que conta como o vocalista Glenn Hughes, ex-Deep Purple e Black Sabbath; o tecladista Derek Sherinian, de Alice Cooper e Kiss; e Jason Bonhan, baterista filho do gigante John Bonhan, do Zeppelin).

O curioso é que todos os três sets, apesar de tão diferentes, são unidos por um amálgama comum, o hard rock. É curioso: isso fica ainda mais evidente quando Bonamassa esgrime as baladas.

Bonamassa é, ainda por cima, um grande compositor. Seus temas próprios, como Dislocated Boy, são envolventes, carregam o DNA de muitas guitarras, de muitas desintegrações.

Cara, viajei na maionese na hora de Slow Train, é uma massa sonora que leva você por um cânion para dentro de um abismo sonoro.

Nunca vi Stevie Ray Vaughan ao vivo, morreu antes de eu ter a chance. Mas arrisquei: Bonamassa é um guitarrista que está no mesmo nível de Vaughan.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter desde 1986 e escritor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019), Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021) e O Último Pau de Arara (Grafatório, 2021)

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