A menina volta a dançar

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Filho de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Pedro Baby dirige a mãe num show em que a cantora doma a veia gospel e retorna ao repertório pop-samba-blues-jazz-MPB dos anos 70 e 80.

 

Era hora do bis. O guitarrista Pedro Baby anunciou uma versão nua de “Mistério do Planeta” (1972), “já que estou vendo que vocês gostam de Novos Baianos”. “Cadê você, mãe?”, chamou no meio da canção, pedindo a volta da estrela da noite ao palco do HSBC Brasil, em São Paulo, nessa noite de domingo, 3 de fevereiro de 2013. Baby do Brasil, ex-Baby Consuelo, voltou, uma vez mais, e atacou de “Masculino e Feminino” (1983) e “Barrados na Disneylândia” (1984).

Baby ergue os braços ao céu no palco do HSBC Brasil - Foto Taiz Dering/Divulgação

Tudo nesse show indicava uma atmosfera de devoção aos Novos Baianos. “A Menina Dança” e “Tinindo Trincando” (1972) foram cantadas em coro pela plateia democraticamente dividida entre jovens e, digamos, coroas. Pedro e Baby agradeceram reiteradamente o impulso dado por Gal Costa (presente na plateia) para que mãe e filho retomassem, juntos, esse trecho de história da música brasileira que nunca mais parou de gerar frutos. “Mãe é mar”, cantou o filho para a mãe em “Sorrir e Cantar Como Bahia” (1973). “E o menino solto como o dia (deu certo!)/ e aí mãe pode ter e ser bebê (deu certo também!)/ e até pode ser Baby também”, divertiu-se a mãe, incluindo cacos surpresos à letra original. A conexão tropicália-Novos Baianos se refez diante de nossos olhos e ouvidos contentes.

Baby e Pedro Baby, diretor e guitarrista do show - Foto Taiz Dering/Divulgação

A devoção, no entanto, transcende o momento histórico de existência dos Novos Baianos. O próprio Pedro nasceu quando a banda estava se separando e seus pais, Baby Consuelo e Pepeu Gomes, encenavam carreiras solo paralelas e simultâneas (em Pra Enlouquecer (1979), segundo álbum solo de Baby, Pedro aparece bebê, no colo da mãe). A devoção presente no ar parte dos Novos Baianos, mas invade e arromba os desdobramentos pop-rock-samba-soul-blues-jazz da história de Baby e Pepeu nos anos 1980. Embevecido, o público embeveceu Baby ao cantar em coro “Menino do Rio” (1979), “Telúrica” (1981), “Cósmica” (1982), as românticas “Um Auê com Você” (1981) e “Sem Pecado e sem Juízo” (1985) e, do repertório original de Pepeu, “Planeta Vênus” (1982, transformada numa linda canção de amor entre mãe e filho) e “Masculino e Feminino”.

É a música de uma época, de um grupo, de um humor que transcende o culto aos Novos Baianos, encanta ouvidos do próximo século e encontra ápice na releitura do melhor momento musical de Baby (até aqui), o manifesto brasileiríssimo “Todo Dia Era Dia de Índio” (1981), composto por Jorge Ben (Jor), mas imortalizado na versão babyana, hoje apimentada pelo coral devoto. A reconquista do Brasil pelos brasileiros aparece expressa aí e em cada acorde, e até num rasgo talvez não-proposital, quando Baby verte para o inglês trechos de “Sem Pecado e sem Juízo” e revela o que há de blues e jazz na canção pop algo brega dos anos 80. Baby é uma de nossas grandes cantoras de jazz (ou MPB, ou algo que o valha), o que veríamos com facilidade se o fanatismo antibrasileiro norte-americanizado não obliterasse nossos ouvidos.

Atualmente músico de Gal e diretor do show de volta da mãe, Pedro Baby é filho do pós-Novos Baianos. Outro herdeiro da fase NB é o baixista Betão Aguiar, filho de Paulinho Boca de Cantor. O técnico de som, Antoine Midani, é filho do homem de gravadora André Midani, que fundou a filial brasileira da multinacional Warner em 1978 e a ergueu amparado inicialmente em duas subculturas cariocas de música brasileira: a cultura Black Rio e a cultura Novos Baianos. Midani pai lançou a Banda Black Rio (presente na banda montada por Pedro Baby na figura do ex-integrante Carlos Darci, nos metais) e trouxe à luz, dos escombros dos Novos Baianos, o grupo A Cor do Som e as carreiras solo de Baby e Pepeu. Todo esse imaginário está agrupado hoje no palco, e o resultado é devoção, inclusive por parte de quem nem tinha nascido naquela época.

Não à toa, o fervor se cruza em pontos inesperados do tempo e do espaço. Baby estava afastada da carreira pop, entre quantas razões possíveis, pelo fato de ter se tornado devota evangélica, cantora gospel bissexta e pastora fundadora da igreja Ministério do Espírito Santo em Nome do Senhor Jesus Cristo. À sua maneira, a sempre incontida Baby conta que teve muito de (se) debater para aceitar o retorno e conter, nele, o lado gospel. A certa altura, chama a igreja de “matrix”, num comentário talvez involuntário sobre o que o excesso de fervor pode causar em fiéis diversos, sejam eles de religião, de música pop ou do que for.

Ela narra em tom casual a relutância do filho em colocar algo da fase gospel no repertório e a entrada, afinal, de “Minha Oração” (1980), canção-devoção de quando ainda não era oficialmente evangélica. Todas as versões de Baby são uma só, ela pede, pedindo licença ao público pagão para ser respeitada em suas decisões. O clima é o de uma reconciliação.

As relações cruzadas se consumam, também, na presença maciça de espectadores gays, os mesmos que vivem às turras com as religiões que parecem querer impedi-los de existir. Dos dois lados do espelho, faz-se um trato tácito entre Baby e esses seus fiéis. Tudo acontece ao som cafuso de pop, samba, rock, gospel, samba-soul, blues, jazz etc. Espectadores gays aplaudem “Minha Oração”, e Baby devolve a generosidade adaptando para si “Masculino e Feminino”, “ser uma mulher masculina não FERE o meu lado feminino”. Entre vivos e felizes, ninguém sai ferido da reconciliação.

Não bastassem tantas camadas de emoção entre encontros e reencontros, Baby providencia mais uma, justamente ao cantar “Masculino e Feminino”. Fala individualmente a cada um de nós espectadores, ao entrar na seara difícil das relações rompidas do espólio novo-baianista: “Você, encontrando ele por aí, diga que dedicamos esta música a ele, Pepeu Gomes!”. Com voz e interpretação preservadas ou, mais que isso, melhoradas pelos anos em conserva e curtição religiosa, Baby Consuelo do Brasil diz-se presente feito uma missionária da arte do possível. Neste caso, a arte, refletida entre espelhos sacros e profanos, é com A maiúsculo, vestido de roxo, como as saias e os cabelos Disney-S&M de Baby.

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