Começo essa coluna longamente prometida para o Pedro Alexandre Sanches e tantas vezes adiada provocada por um post do Camilo Rocha. Pedro e Camilo são, assim, como irmãos mais novos – um tantinho que fazia diferença suficiente ali quando eles começaram para que eu ensinasse duas ou três manhas. Depois disso, ambos me superaram (e muito), mesmo porque, cada um no seu quadrado, se dedicaram mais à música do que eu, que tergiversei por outros assuntos.
Como a ideia aqui é voltar a falar exclusivamente de música, faz sentido que eu retome o assunto no colo do Pedro, vulgo FAROFAFÁ, e dialogando com um post do Camilo no Bate-Estaca. Em “Por que continuo bobo por música”, o Camilo conta um desses momentos em que a música te pega na curva e te bota de joelhos. E isso leva o Camilo a uma comentário sobre o estado de (des)ânimo de jornalistas e críticos da nossa geração, que ele bem caracteriza como uma espécie de “andropausa musical”, bem como serve para reafirmar seu amor pela música. O que me provocou foi este trecho em particular: “O arrebatamento com o novo se foi, o sonho acabou. Normal, passo por isso às vezes. Tempos atrás, postei um vídeo aqui no blog que me trouxe esse sentimento esquisito, me fazendo lembrar de uma euforia do novo que dificilmente será reprisada. (…) Mas não me entrego.”
Gosto dessa ideia de não se entregar, sobretudo depois de virada a esquina dos 40 anos.
Parece natural e talvez mais adequado à maturidade se encostar num certo spleen: já ouvi tudo, já pensei tudo, nada mais há de novo, no meu tempo era melhor etc. É quase como admitir como inevitável fazer uma guinada conservadora politicamente na idade adulta, como se o ímpeto contestador e subversivo fosse exclusividade dos mais jovens.
Bobagem.
Se há alguma coisa que o mundo moderno nos garantiu, para o bem e para o mal, é possibilidade de desviar dessas armadilhas. Podemos pensar ao contrário: depois de percorrida a metade do caminho da nossa vida, temos o privilégio de ter uma perspectiva histórica que não temos aos 20 anos. Podemos ser mais generosos, podemos rever nossos preconceitos, podemos ser menos dependentes da grande narrativa que vai dar sentido à vida e aproveitar as pequenas que nos dão alegria e beleza.
E, se a gente não se entrega à rabujice e ao desencanto, é capaz de voltar a escutar novos sentidos. Continuar gostando de e prestando atenção em música e, mais, querendo pensar sobre isso é uma forma de resistência. A que? A tudo que emburrece, a tudo que enfeia e que nos faz conformistas. O que cabe aí nesses vários tudos muda, no sentido histórico amplo e também no da sua história pessoal.
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Então, meses atrás, o Pedro disse que era para eu escrever. Uma coluna. E não o fiz, tomada de um certo banzo. Não acabou (o banzo), mas resolvi acatar a ordem do Pedro. Começa aqui, com esse minimanifesto contra a pausa musical. Vai seguir tentando pensar um pouco, aqui e ali, no que está acontecendo na música brasileira.
Uma advertência, no entanto: esta observadora aqui não é uma novidadeira, nem uma colecionadora obsessiva. Claro, tenta estar informada e tudo mais, mas não sente a necessidade obsessiva e talvez juvenil (e, talvez 2, masculina?, voltaremos a falar disso mais para a frente) de só prestar atenção no que “saiu” anteontem, de ser a bússola rumo aos territórios desconhecidos.
Além disso, acho que essa é só uma das formas de pensar sobre música – que, inclusive, me parece um tantinho datada. O crítico guia-genial-dos-povos, aquele que ia à frente com a lanterna separando o joio do trigo, talvez fizesse sentido no ambiente mais acanhado de circulação em que vivíamos pré-internet. Mudando radicalmente os modos de circulação, os tempos de reflexão também podem mudar. (Também mais sobre isso, depois.)
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A música no Brasil anda uma coisa esquisita, ainda que divertida. Vive ainda de (muita) nostalgia da tríade bossa nova-tropicalismo-MPB, ou seja, de uma tradição recente e inventada nos anos 50-70, ao mesmo tempo em que passa por um momento de uma intensíssima vitalidade. Não se trata apenas da emergência de vários novos nomes. Há mais do que isso, há uma inquietação.
Uma certa crítica a este cenário contemporâneo se divide em dois tipos de mau humor: aquele que, reverente ao passado, lamenta que esta geração não chegou e nunca chegará aos pés daquilo que aconteceu naquele momento mágico, e o outro que só vê agora uma pálida e derivativa continuidade daquilo que já era precário antes. Em ambos os casos, o passado é uma prisão tão cerrada que impede de ver o presente. Isso não é pensar historicamente e, sim, usar da história para paralisá-la.
Claro, tem gente como o Pedro, o Camilo, o Dafne Sampaio, o Eduardo Nunomura, o Marcus Preto, o Guilherme Werneck, o Alexandre Matias que prestam atenção nisso tudo de outro jeito. Com aquela fé, do qual falava o Camilo no texto-estopim, e (acho) partilhando dessa ideia de que música, ou pelo menos, a que vale a pena, é resistência.
Estou me juntando a eles.
Nota de FAROFAFÁ para nossa mais nova colunista, Bia Abramo: <3 <3 <3 !!!!!! Nota de FAROFAFÁ para Camilo Rocha: Camilo, cadê você aqui (a quantas anda a eletrônica brasileira?)?!? 😉