(De São Paulo, Goiânia e Brasília – menos de Porto Alegre)
A mais de três mil léguas submarinas, o telefone ringe: de Brasília, capital federal, a ligação soa em algum endereço incerto de Tapes, bucólico recanto irrigado pela Lagoa dos Patos. Peço por Marco Antônio Figueiredo, vulgo “Fughetti Luz”. Trata-se do pioneiro homem, que, pode-se pontificar, desferiu para o Brasil a “palhetada fundamental” de um cancioneiro pop sul-rio-grandense. Dos versos “Ouça menina, essa nova música/ Que será sucesso durante um mês”, “Por Favor, Sucesso” virou fenômeno entre a magrinhagem setentista gaúcha. Composto em 1969, o hino do Liverpool leva assinatura do poeta Carlinhos Hartlieb, jovem agitador das concorridas Rodas de Som daquele tempo. Presentemente, Luz – cuja idade é mistério maior do que ele próprio – faz outro tipo de súplica: “Por favor, me deixem em paz!”. Calejado, antes mesmo que eu me identifique como repórter, o cantor advinha o mote da prosa. Malfadado, o bate-papo deveria ser a respeito da profusão de bandas gaúchas que batem em retirada para tentar a sorte em São Paulo, centro econômico-cultural do país.
Tal como o Liverpool fez ao pôr o pé na estrada rumo ao Rio de Janeiro 40 anos atrás – quando a fuga tinha no eixo Rio-São Paulo o destino mais cobiçado. Majestade que, de certa forma, os cariocas perderam. A Meca do rock, hoje, é São Paulo. Em seu intratável, mas divertido, azedume, Fughetti Luz reina ao telefone: “Não quero mais falar sobre o Liverpool, não”. A negativa só faz mitificar a reputação de punk por natureza do autor de hits como “Olhai os Lírios do Campo”, “Bixo da Seda” e “Trem”.
Em 1964, ainda crooner do conjunto Flamboyant, Elis Regina também deu no pé. Do IAPI, em Porto Alegre, direto para o Rio de Janeiro. Atitude rock, sem dúvida. Ainda mais para uma mulher cuja arte estava recém começando a amadurecer naquele primeiro ano de chumbo. Bandas e artistas pop (Os Cleans, Os Brasas, Almôndegas, Hermes Aquino, Rosa Tatooada, Garotos da Rua – e muitos outros), em suas respectivas épocas, nem pestanejaram quando convidados a sair de Porto Alegre.
E, nesse segundo decênio, nossos artesões do pop, outra vez, estão na crista da onda. Na eleição dos melhores de 2010 feita pela revista Rolling Stone, três álbuns gaúchos estrelaram o top 25: Fresno, Superguidis e – ora, veja só – Vitor Ramil.
Afundado num sofá da casa da Pública, a conversa que levo com Pedro Metz, cantor e letrista, versa justamente sobre este ir ou não ir. Na capital paulista, o casarão no qual os guris da banda residem, ensaiam e compõem, fica em meio à boemia da Vila Madalena.
Cara, coragem e erva de chimarrão
Mas o papo, assim como o rock de agora, muito pouco tem de novo. No gaulês Rio Grande do Sul, historicamente afeito a pelejas de toda sorte, o debate existe desde o dia em que cunharam a alquebrada insígnia “rock gaúcho”. Nos áureos anos 1980/1990 (boom do rock brasileiro, como gostam de chamar), muitas bandas gaúchas dançaram embaladas pelo suingado esquemão bancado pelas grandes gravadoras. Como destino, as selváticas plagas cariocas e paulistas. Cara, coragem e, no alforje, a erva de chimarrão.
Grande parte dos retirantes, porém, como bons filhos à casa retornaram. Em 2001, confessa o frontmen da Bidê ou Balde, Carlinhos Carneiro, o conjunto passou por altos e baixos em sua estadia paulista. Dos mais aplaudidos da cena contemporânea de rock nacional, os guaibenses do Superguidis se apoderam da famosa frase de Dom Pedro II:
“Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que ficamos!”, diz o guitarrista Lucas Pocamacha, parafraseando a História para justificar permanência em terra pempeana. Ainda. Em solo bandeirante, Pedro Metz ajeita um carreteiro – “só para não perder o costume”. Conta que a escolha por São Paulo foi, acima de tudo, profissional. O perfil macro da cidade pareceu ideal para as ambições criativas da Pública.
Louros, inclusive, repousam na “estante de prêmios” dessa (Re)Pública , onde com alta rotatividade recebem visitas de congêneres paulistanos. Como os músicos das bandas Biônica e Rock Rocket. Entre os troféus, a estatueta arrebatada com o videoclipe de “Casa bandonada” na edição de 2007 do Video Music Brasil. “Nos sentimos desafiados a tentar”, ressalta Metz, que arremata: “Não curtimos a situação cômoda que ficar no Rio Grande do Sul representa”, e logo se reconcilia: “Amamos Porto Alegre”.
Parceiro de empreitada, o baixista Guilherme Almeida (filho do nativista Iraci Rocha) também discorre sobre o autoexílio. E fala por todos: “A escolha foi importantíssima em nossas vidas”. No caso dele, a brincadeira ainda tem rendido novos sons: além da Pública, Almeida anda enredado em projetos com Martin (guitarrista da banda de Pitty) e com Tita Lima – cantora paulistana que é acompanhada pelo guitarrista Guri Assis Brasil, outro integrante da Pública.
Agora façamos favor: o caso desfraldado pela banda porto-alegrense Fresno, estampado em todas as possíveis mídias, merece ser narrado. Em tempos onde a indústria fonográfica agoniza em mortal concordata, a façanha conseguida por esses nativos da capital é um admirável triunfo. Autodefinida como “powerpop-rock-shoegaze” (decerto para espantar a alcunha de “emo”), a Fresno soube elevar seu cartaz para muito além dos estertores do underground. Para “além das capitais”, como cantou Humberto Gessinger.
A partir do álbum Ciano, de 2006, foram incontáveis as aparições da Fresno no meio televisivo. Incalculável, também, é a miríade de downloads já realizados de suas músicas. Filho de Camaquã, o baixista Rodrigo Tavares revela que, no álbum seguinte, Redenção, abraçaram o pop propositalmente. A jogada arrebatou uma fervorosa turba de novos fãs, ainda mais ensandecidos. E, como sempre rezou a missa do rock-and-roll, groupies, muitas groupies.
Simbolicamente, é possível orçar o sucesso da Fresno pelas láureas que acabam empilhando a cada nova investida. Editado pela Universal Music, Redenção foi Disco de Ouro. Ou seja: vendeu, pelo menos, cem mil cópias. Para crescer o mito da fama, o dourado prêmio foi pessoalmente entregue pelo produtor Rick Bonadio – considerado uma espécie de Midas da manufatura de rock no Brasil. A notoriedade rendeu à Fresno frutos como, por exemplo, a participação no programa Estúdio Coca-Cola Zero, lado-a-lado com Chitãozinho e Xororó, astros oriundos da dimensão nem tão paralela assim do gênero “popnejo”. O que pode ser considerado, no mínimo, psicodélico.
A cartada, cabe lembrar, foi costurada pelo gaúcho Carlos Eduardo Miranda, o popular “Gordo Miranda”. Miranda é o outro mago do pop verde-amarelo. No pretérito do sucesso, não esqueçamos, o produtor também curtiu seus tempos de chinelagem. Em Porto Alegre, integrou formações do Taranatiriça e do Urubu Rei, dirigiu o selo Banguela (juntamente com os Titãs, e que revelou gente como Os Raimundos) e fez fama nacional como jurado do programa Ídolos, quando ainda era exibido pelo SBT. Tal como fazia em Ídolos, Gordo Miranda não é de poupar neófitos, como deixou bem claro no livro Gauleses Irredutíveis – Causos e Atitudes do Rock Gaúcho, publicado em 2001. “Quantas bandas tentaram vir para São Paulo e quebraram a cara? Na boa, o som da maioria serve apenas para tocar em seu próprio Estado. E olhe lá!”.
No caso da Fresno, nada mal para uma gurizada que, em 1999, se juntou para fazer suas versões de hits do hardcore californiano no esquema “só por diversão”. Há 12 anos, até o nome era outro: Democratas. Em verdade, o pulo-do-gato da Fresno começou, mesmo, com os amadores Democratas. Ou nem tão amadores assim, já que as canções gravadas caseiramente se espalhavam (como nunca antes havia acontecido na história do pop nacional) pelo infindável universo da internet. O recurso: enviar mensagem. O meio: e-mail.
Sobre cachorros e elefantes
A festa de lançamento de Gauleses…, em 2001, rolou no Café Uranus, em São Paulo. As atrações roqueiras foram Cachorro Grande e Bidê ou Balde. Maior que a curiosidade despertada pela obra jornalística, o esperado frisson da noite era o show da Cachorro Grande. A Bidê ou Balde, que não era marinheira de primeira viagem na cidade, lançava o disco Outubro ou Nada!. A performance da cachorrada assinalava o debute dos guris no grandioso – e, então desconhecido, “campinho” que São Paulo representava. “A Cachorro”, afiança o guitarrista Marcelo Gross, “sempre lutou para ser uma banda nacional”. Há dez anos, a jornalista paulistana Flavia Durante, editora do Blah Blah Blog, resenhou em seu blog: “Estou ouvindo o mp3 deles (Cachorro Grande ) há um mês, sem parar. O mundo está precisando de mais bandas assim”.
Editor do magazine eletrônico Urbanaque (www.urbanaque.com.br), também colunista da revista Rolling Stone, Leonardo Dias Pereira fala do cimo de sua experiência como produtor de shows. A marca Urbanaque divulga e promove bandas de todo o Brasil. Não há preconceito estético, muito menos territorial na proposta. Na ótica de Leo, São Paulo possui a grande conveniência de ser “o” polo cultural do Brasil. Que abarca nichos musicais com distintos alcances de público. Mas, de fato, São Paulo é mesmo a mãe do rock brasileiro? Se a banda atrai público fora de sua cidade ou região, a mudança não é necessária, aposta ele. Interessante é investir no que se pode chamar de temporadas paulistanas.
“Pode ser um fim de semana, uma semana, um mês: o legal é dar as caras pro público paulistano”, sustenta Leo. Dos destaques do pop 2010, ele menciona os também sulistas do Nevilton. Naturais da pequena Umuarama, no Paraná, o grupo ganhou recentemente exposição privilegiada em importantes veículos da cena musical, como Rolling Stone e MTV. “Rolam coisas muito legais ligadas à cultura rock na metrópole paulista: casas de shows, revistas, lojas de roupas. Um mundaréu de atrações. E a tendência é só crescer”, reforça o editor-produtor.
Em Porto Alegre, pelo menos, o jogo da banda Os Volantes está praticamente ganho. No ano passado, arremataram três importantes categorias do Prêmio Açorianos de Música: melhor disco, compositor (Arthur Teixeira) e revelação. Mas Arthur, que também é o vocalista, assume: a banda nasceu com pretensões nacionais. “Nossas canções podem fazer sentido para grandes públicos”, aposta. O teste em São Paulo tem se revelado, no mínimo, promissor. O single “Ouça!”, por exemplo, chegou à oitava colocação no Top 10 da tradicional rádio Brasil2000. A estadia rendeu, também, o clássico-e-obrigatório “rolê” de shows que as bandas cumprem pelos inferninhos da cidade, como Studio SP, Outs e Fun House. Gustavo “Prego” Telles, baterista do power trio Pata de Elefante, está morando em São Paulo desde 2004.
É lá que está montado o quartel-general de onde, além de gerir os negócios da Pata, Prego governa o destino de sua bem encaminhada carreira solo. Com o álbum Do seu Amor, Primeiro é Você Quem Precisa, rebento romântico no qual canta e compõe, Prego se anuncia como grata surpresa. Daniel Mossman e Gabriel Guedes, seus elefânticos comparsas na Pata de Elefante, por sua vez, estão constantemente no ir-e-vir dos aeroportos. Gustavo Prego define a mudança para São Paulo como imperativa. “Foi aqui que as coisas começaram a dar certo para nós. Fora o inegável: aqui é o centro econômico-cultural do país”.
Na estrada, muito além de São Paulo Salto para a capital goiana, centro-oeste do Brasil. Vou acompanhar a 16ª edição do Goiânia Noise Festival – o mais importante encontro de rock independente do Brasil, ao lado do Abril por Rock, de Recife. Para variar, a Superguidis é festejada atração deste evento, cuja tônica não é outra senão o som de guitarras em volume excruciante. Por aqui, na terra do sertanejo, os Guidis não são novatos. Já pisaram no chão vermelho-escarlate de Goiânia uma dúzia de vezes. Eu mesmo, em três ou quatro oportunidades, presenciei a catarse que é vê-los vazando suas agridoces microfonias para deleite da juventude goiana, sempre faminta por rock.
Entre uma cerveja e outra, interpelo o guitarrista Andrio Maquenzi no senegalês mormaço goiano. Com tamanho reconhecimento, por que insistir com a capital gaúcha? “Eu tenho uma vida plena em Porto Alegre, ainda que São Paulo seja uma cidade legal. Há tanta gente lá que, certamente, haverá nicho para a nossa música”. Maquenzi acredita que o fluxo do cenário independente está tão descentralizado que não vale à pena mudar de mala e cuia. Lucas Pocamacha, o outro guitarrista, se explica: “Eu tenho um assunto inacabado em Porto Alegre. Chama-se Engenharia Elétrica.
Falando em engenharia, “essa é uma questão bem gaúcha”, filosofa o ex, porém eterno, Engenheiro do Hawaii Carlos Maltz. Ao inverso de Pocamacha, Maltz abandonou a engenharia duas vezes: saiu da faculdade de Engenharia para formar… os Engenheiros. Tempos depois, largou a banda e se converteu em psicólogo junguiano e renomado astrólogo em Brasília. Abancado à sua frente – como fosse eu o entrevistado –, Maltz se sai com um sofisma pop-gaudério da maior legitimidade: “Será que os caras de Recife pensam nesse tipo de questão? Não dá pra fugir: está encilhado em nossa história”.
Os Engenheiros do Hawaii tiveram – ainda tem – grande protagonismo na concepção do modelo vigente. Nos anos 1990, é bom lembrar, eram, de fato, a maior banda brasileira. É irônico pensar que a estreia fonográfica da banda foi seu eterno e hour concour recalque: Longe Demais das Capitais. “Adorávamos dizer que ficaríamos em Porto Alegre… Quando nos demos conta, éramos uma banda do Brasil e nem sabíamos”. Mais insano ainda é o fato de que ninguém avisou para todo o Brasil que existia a tal questão gauchesca. “Eles nunca entenderiam, mesmo”, completa o baterista-astrólogo.
Carlinhos Carneiro conta que, na estrada de dez anos da Bidê ou Balde, morar em São Paulo representou “vários lances”. Em 2001, a banda rumou para o sudeste com tudo financiado pela gravadora (a extinta Abril) e pelo produtor, o faraó Manoel Poladian. Durante um ano, desfrutaram benesses que geralmente são concedidas às bandas que assinam com grandes gravadoras: casa, comida e assessoria de imprensa pagas, por exemplo. Mas nem tudo eram flores. Na época, discorre Carneiro, pintaram dificuldades para transpor o jeito como a Bidê “fazia as coisas”. Poladian até queria que os bidezes ficassem por mais tempo em São Paulo. “Mas temíamos a tal da geladeira. Voltamos praticamente fugidos”. Nesse aspecto, em especial, Carneiro sempre se encantou com o jeito mineiro de ser. Ou seja: “Entre estar ou não no eixo Rio-São Paulo, eles geralmente preferem ficar em Minas”, lembra.
Para o compositor Marcelo Birck (Graforréia, Prisão de Ventre), em qualquer lugar do planeta a matemática que rege o mercado musical é simples. Obrigatoriamente, quem quer trabalhar com música autoral deve saber: “O mercado carece ser criado a cada nova circunstância”. Não há regras, atalhos ou estratégias. Gestão, no entanto, é fundamental. Em relação ao centro do país, o Rio Grande do Sul, pondera Birck, ainda oferece oportunidades muito embrionárias: “Para vencer o amadorismo há muito que se trilhar”.
O valor de permanecer à margem
E São Paulo? Será que a megalópole deseja os artistas gaúchos tal como eles a cobiçam? Na crítica do diretor de redação da revista Época São Paulo, Ricardo Alexandre, o mercado gaúcho é autossustentável. Alexandre (também autor do hit literário Nem Vem Que Não Tem – A Vida e o Veneno de Wilson Simonal, Prêmio Jabuti de melhor biografia) não crê numa teoria de resistência paulista. O jornalista, que já editou a revista Bizz, elenca algumas bandas que se deram bem com o movimento vai-e-volta: Engenheiros, Nenhum de Nós, Cachorro Grande, Júpiter Maçã, Wander. Para ele, o “grande lance” é que, via de regra, os artistas gaúchos não se empenham suficientemente para avançar sobre o disparatado mercado nacional. “E nem deveriam”, apregoa, para depois completar: “O mercado do Rio Grande do Sul é grande o suficiente. Muito profissional e interessante. Falei isso para o Julio Porto [ex-Ultramen] num show deles no Bar Opinião: ‘Tá vendo essa gatinha que veio te pedir autógrafo? Se a gente estivesse em São Paulo, ela estaria num show do Daniel!’. Por que uma Ultramen deixaria de tocar num Opinião lotado para tocar num bar vazio em São Paulo? Por que deixaria de prestigiar a Rádio Atlântida para ter de pagar jabá para não (!) tocar na Mix FM? Sem chance”.
“Sem tirar nem pôr: é o que sempre pensei”, referenda Gustavo “Mini” Bitencourt, guitarrista dos Walverdes. Encontro Mini, Patrick e Marcos – a poderosa tríade que forma os Walverdes – no bar Outs, endereçado na Augusta, uma espécie de Barros Cassal em Porto Alegre, só que bem mais “trash”. A banda lança na casa o recente Breakdance. Mini e eu discorremos sobre a ponte, bem sólida, que musicalmente conecta Porto Alegre a São Paulo.
“Em Porto Alegre, o ‘mainstream local’ conta com uma rede de rádios fortes, a RBS, e um consistente circuito de shows no interior”. São equações assim que seguram as bandas na cidade natal: sem abandonar suas vidas, elas conseguem se estabelecer profissionalmente. “Parte do sucesso do manguebeat”, considera Mini, “calhou porque os caras precisavam vir para cá”, assinala. Caso contrário, a turma de Chico Science e Fred04 minguaria em Recife.
Fato é que o rock de hoje ainda carece de uma sonoridade brasileiro-tradicional-pop-contemporânea. “De certa forma, o Júpiter Maçã fez isso com os sixties. E, embora ele não tenha estourado, A Sétima Efervescência Intergalactica [primeiro lugar no ranking Melhores do Rock Gaúcho, feito por APLAUSO em 2007] é das peças fonográficas mais influentes registradas no final do milênio”, rememora Mini. No Outs, apenas meia dúzia de gatos pingados apareceram para prestigiar os Walverdes. Metade eram gaúchos. Mas não faz mal: como de costume, o desempenho do trio é perfeito ao que se propõe.
“Não adianta ser a banda certa na hora e no local errados”, filosofa o guitarrista, na friorenta madrugada paulistana, meio embriagado com apenas uma caipirinha. Outra vez, sente-se feliz por estar no seleto rol dos afortunados que, apesar de todas as intempéries e independentemente de lugares, mantém sua fé no imortal elixir da juventude: o rock-and-roll.
Gauleses de sucesso
Embora “invisível”, uma integração extremamente profissional afirma-se a cada temporada no panorama do rock independente sul-americano. Ou seja, São Paulo não é única ”estrada” para as bandas trilharem. A música latina, enfim, movimenta-se para transpor a fissura geocultural que aparta países da América do Sul. Cambiando experiências e sonoridades, roqueiros argentinos, uruguaios, brasileiros, colombianos e de outras plagas, também ganharam o trânsito das Américas. Essa é a aposta do produtor do festival El Mapa de Todos, o gaúcho Fernando Rosa.
A primeira edição do festival aconteceu em Brasília, em 2008. A próxima será em Porto Alegre, em abril (1). Rosa, que também edita o portal SenhorFm (senhorf.com.br) anuncia a presença de artistas oriundos de variadas correntes musicais: “Do Peru, por exemplo, estamos trazendo a banda Bareto. Na edição porto-alegrense, avançaremos até a Venezuela com o grupo de surf-rockabilly Los Mentas”, revela, em primeiríssima mão.
A “Urbanaque Apresenta”, encontros roqueiros promovidos pelo pessoal do site paulistano Urbanaque (urbanaque.com.br), sempre procurou em suas edições trazer bandas e artistas de fora de São Paulo – e também do próprio rock, como conta o produtor Leonardo Dias Pereira.
Antes de tudo isso, o “rock gaúcho” gozou, também, de seus momentos de “pré-sucessso”. Lançado em fita K-7, Último Verão, álbum de estreia de Julio Reny, apresentava o petit hit “Cine Marabá”. A canção tocou bem nos primórdios da Ipanema FM, em Porto Alegre, e, tanto quanto, na extinta Fluminense, a “maldita”, que irradiava os “venenos” de Niterói, Rio de Janeiro. “Cine Marabá”, aliás, é um dos fonogramas cedidos por Reny que estão reunidos na compilação Gauleses Irredutíveis merecem Aplauso, com a qual a revista presenteia seus leitores.
Editada em dois volumes, a coletânea traz surpresas de artistas e bandas como Rosa Tattooda, Almôndegas, Pupilas Dilatadas, Loomer, Júpiter, Os Replicantes, Irmãos Rocha e Lovecraft. “Me Deixa Desafinar”, novo single powerpop da Bidê ou Balde, é o hit certeiro da coletânea. Mimi Lessa, lendário guitarrista do Liverpool e do Bixo da Seda, hoje radicado no Rio, liberou duas gemas: uma delas é “Por Favor, Sucesso”, hino que dá nome a esta reportagem. A outra é uma faixa inédita da banda carioca de Mimi, Orquestra de Guitarras: “São quatro destruidoras guitarras”, avisa, de antemão.
O leitor poderá fazer o download gratuito de “Gauleses Irredutíveis merecem Aplauso” no site da revista (2). Os álbuns virtuais serão encartados com texto de apresentação e informações sobre os fonogramas, tais como ficha técnica e curiosidades que circundam as gravações. Os extras, que virão em anexo nos discos, serão uma floreada iconografia de
Mas, voltando ao eixo São Paulo-Porto Alegre/Porto Alegre- São Paulo, há muitas outras histórias de sucesso. Ou, pode-se dizer, quase sucesso. Algumas ficaram só na promessa. O caso mais misterioso é o do publicitário e músico Hermes Aquino. Hoje, ele vive em Porto Alegre, onde tem uma empresa especializada em fazer jingles. Hermes foge das entrevistas, bem ao “estilo João Gilberto”. Eu mesmo tentei falar com o homem umas tantas vezes – sem sucesso. Hermes Aquino, para quem não sabe, é autor do hit “Nuvem Passageira”. Em 1976, a canção bombou com a novela global “O Casarão”. “Você Gosta?”, parceria sua com Tom Zé, por exemplo, foi gravada pelo Liverpool, e “Planador”, pelos cariocas dos Os Brazões. Na Capitol, que lançou seu segundo LP, Santa Maria, Hermes desentendeu-se com a gravadora.
Editado em 1990, o primeiro álbum da Rosa Tattooada, homônimo, foi lançado pela gravadora Nova Idéia e a produção foi do nenhum de nós Thedy Corrêa. O disco emplacou nacionalmente a balada “O Inferno Vai Ter que Esperar”, que tocou como água nas rádios gaúchas e, por muito tempo, foi primeiro lugar em vários plalylists. O êxito rendeu à banda o “sonho” de abrir, em duas turnês diferentes, shows feitos pelo Guns N’ Roses no Brasil.
De todas essas histórias, uma das que mais renderam foi a do ex-Os Brasas Franco Cornovacca. Depois que a banda terminou, Franco, em São Paulo, virou produtor empresário musical – além de pai do conhecido trio de irmãos que atendem pela sigla KLB. Existe um que pouco – ou nada – é lembrado no Rio Grande do Sul. Ele atende pela alcunha de Luís Vagner, o “Guitarreiro. Também saído do Os Brasas, em 1971, o guitarrista tocou no álbum Vida e obra de Johnny McCartney, de Gileno Azevedo. Outra parceria de sucesso foi com samba-roqueiro Bebeto. Em 1973, Vagner escreveu “Camisa 10”, cantada pelo sambista santista Luiz Américo, que se tornou um hino futebolístico.
Mas voltemos ao rock. Em parceria com Tom Gomes, Luís Vagner fez uma das mais sublimes letras do gênero no Brasil: “Sílvia 20 Horas Domingo”, canção que o “príncipe” Ronnie Von imortalizou em seu cultuado álbum psicodélico Ronnie Von nº3. De poético primor pop, os versos cantam: “Que alegria!Você estará comigo/Domingo que vem/Ficaremos sorrindo/Eu darei com carinho uma flor pra você/Pra lembrar marquei na agenda/ Silvia, não esquecerei”. Mas a vinheta que antecede tais versos comprova o quanto Vagner tem (assim como todos os gaúchos?) de “sangue paulistano”.
O trecho, na verdade, é um reclame comercial: “Bar Pires, Bar Pires/Um bar pra frente/Um bar que é quente/A onda na Augusta é comer e beber/Só no bar Pires/Entre você também na onda do Bar Pires/Comes e bebes bem cafonas no coração da Augusta”.
Lá na Augusta, aliás, tais coisas, continuam quentes até hoje – ao menos para o rock.
* Esta reportagem foi publicada na Revista Aplauso em março de 2011. Para quem não leu, muita informação musical. Para quem já leu, um convite à releitura.
(1) a segunda edição do festival ocorreu em abril de 2011
(2) publicamos no fim de 2011 os textos que acompanham uma seleta coletânea de músicas do rock gaúcho
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