nessa terra em que todos parecem ter se especializado em dizer “sim, sim, sim”, ela fez o seu caminho dizendo “não, não, não”
foto: jatobá madeira
Jotabê Medeiros
Num mundo de ídolos feitos para consumo imediato, de artistas fabricados pelo marketing, dóceis e sem radicalidade, Amy estabeleceu a diferença. Nunca virou passarinho de gaiola. Resistiu à cartilha do show biz, com suas regras previsíveis, sua falsificação de comportamentos e de discursos. Esse é certamente o seu maior legado, o de ter se tornado um corpo estranho dentro de uma fábrica de corpos iguais, vozes iguais, comportamentos pré-estabelecidos.
Ao mesmo tempo em que exibia uma fragilidade embasbacante no palco, também afirmava uma vontade de ferro na negação dos mandamentos do sucesso. Sua voz parecia condensar diversas vozes radicais como a sua: a doce sujeira do canto de Billie Holiday, o discurso libertário de Nina Simone, o amor trágico de Etta James, a potência orgulhosa de Aretha Franklin.
Em vez de alistar-se entre os mortos famosos da Maldição dos 27 Anos, a tragédia de Amy Winehouse talvez se alinhe com mais conforto ao lado de um outro ídolo meteórico, Jeff Buckley, com seus discos-testamentos, suas vidas esquivas. Ambos encarnaram a voz do seu tempo, mas sem verniz geracional. O jeito de quem parecia que ia se desmanchar no palco, a caminhada trôpega, o olhar perdido no vazio enquanto empunhava os versos de convocação feminina, tudo isso dava a Amy Winehouse um lugar não-descartável na história do pop, no qual vai permanecer.
Fez a delícia dos tabloides com seus passeios amnésicos pela noite, os barracos nos bares e nas boates, os seios fartos escapando para a delícia dos paparazzi, a boca faltando dente, o jeito desavergonhado de cheirar em público. E nisso não havia grandeza, apenas falta de jeito e de limite. Curioso é que essa vontade de se espatifar em público, que ela transformou em letra e performance, era também seu trunfo. Ela parecia uma taça de cristal esquecida na beirada de um balcão de pub – um empurrãozinho e tudo viraria estilhaço, como de fato virou.
Suas tatuagens sugeriam grafites em muros demolidos. Desde que surgiu, com o coque e a maquiagem e os vestidinhos retrô, virou modelo feminino. Os arroubos de excesso amoroso pelo namorado, o fichado Blake, as canções que relatavam a própria via crúcis existencial (como Rehab, Addicted, Back to Black, Tears Run Dry e You Know I`m no Good) e a decisão de viver com intensidade a qualquer custo (“Nunca é seguro para nós, nem mesmo de noite, porque eu tenho andado bebendo”, dizia o verso da canção que habitualmente abria seus shows, Just Friends).
Tinha uma curiosa ascendência de band leader sobre seu grupo de branquelos ingleses e os vocalistas de apoio negros. Eles a admiravam com firmeza e aguardavam que tivesse os momentos sóbrios com paciência. A alternância de soul, funk, reggae e black music setentista só funcionava quando Amy, por ironia, se tornava o elemento de equilíbrio, o amálgama da coisa toda. No Brasil, em janeiro, na sua primeira e única apresentação aqui, em 1h12 de show ela não conseguiu estabelecer essa conversação, e fracassou. Mas até no fracasso ela era grande. E, quando esteve em forma, foi absurda. Estabeleceu sua própria noção de eternidade.
íntegra do artigo publicado hoje na edição do jornal O ESTADO DE S.PAULO
Caro JB
Fiquei muito triste com a morte dela. Não sei pq, mas sempre achei que no fundo ela era frágil e doce. Acho quase tudo que falam agora, bobagens moralistas e/ou fatalistas. Gostei do que tu e o Marcelo Rubens Paiva escreveram. Não sei ainda o que pensar sobre, mas o que fica para mim são as vezes em que a vi bem no palco, cantando muito. E é claro dois ótimos cds. O Back to black é sensacional! Grande cantora e ótima compositora. Isso para mim é a diferença. Da vida cada um deveria fazer o que bem entendesse. Até mesmo se destruir. Grande Amy!
Carlos Pereira
angul tempo atrás valéria colela (então diretora do canecão) me apresentou um dvd com o show da amy, presente do baterista jurinho.
foi amor e admiração à primeira vista.
não parei de gostar desde então.
a morte é uma consequência de estar vivo.
o que ela deixou vai me povoar por um tempão
Buen blog!!!
Tenho uma tendência a enjoar de tudo que aporrinha demais. Cheguei a enjoar dela, tanto que fui obrigada a repeti-la. Sinto que essa é mais uma perda irreparável. Eternizou-se. Se era essa a intensão, já quase como uma profecia do futuro fracasso, deu certo. Uma pequena grande voz, uma personalidade tumultuada, marca dos grandes. Ela era grande.
Great blog really enjoyed reading it. Have bookmarked you and will check back regular. Please feel free to take a look at my blog…
captown Holiday Packages
Cheap cap town Holidays