O norte-americano Christopher Dunn é professor da Tulane University, em New Orleans.
Especializou-se em cultura pop brasileira e já escreveu dois livros.
O mais recente, Brutalidade Jardim, saiu pela Editora da Unesp e examina a Tropicália.
Sagaz e rigoroso, Dunn fez um admirável estudo sobre o tropicalismo.
Estava em férias na Bahia, mas achou um tempinho para responder a essa entrevistinha para o blog:

Por que você resolveu revisar a história da Tropicália, um tema que foi bastante abordado por historiadores e ensaístas no Brasil (incluindo o próprio Caetano Veloso)? O que viu de lacuna na historiografia do movimento?

Escolhi a Tropicália como tema da minha tese de doutorado, defendida pela Brown University em 1996. Naquele tempo havia relativamente poucos estudos sobre o fenômeno, o melhor sendo o livro de Celso Favaretto de 1979, além dos artigos de Augusto de Campos nos anos 60 e o importante ensaio de Roberto Schwarz publicado na França em 1970 (e republicado no Brasil alguns anos depois). Havia algumas excelentes teses, como a de Liv Sovik, defendido em 1994 na USP, que procurou entender a Tropicália em relação à cultura pós-moderna. Entre a minha tese e meu livro, publicado nos EUA em 2001, apareceram mais livros como o de Caetano, a história excelente de Carlos Calado, o livro provocativo de Pedro Alexandre Sanches, além de muitos ensaios e artigos. Então meu livro foi escrito e publicado em relação a um campo denso, sem a pretensão explícita de preencher uma “lacuna” historiográfica. Eu queria sintetizar a discussão e ao mesmo tempo chamar atenção para aspectos pouco comentados da Tropicália, como sua relação à contracultura internacional e novos discursos identitários.

Você considera que o tropicalismo foi um “movimento”, no sentido clássico do termo?

Concordo com Flora Süssekind, que entendeu a Tropicália como um “momento” de encruzilhamentos e diálogos entre vários campos artísticos, sem organizar-se propriamente como “movimento.” Acho importante colocar em relevo estes diálogos interdisciplinares sem perder de vista as diferenças entre os vários campos (música popular, arte plástica, teatro, cinema, literatura). Acho que podemos falar de “movimento” só em relação à música popular porque havia uma intervenção muito explícita no campo, com um disco-conceitual, vários discos solos, muitas entrevistas, enfim– um “movimento,” apesar de ser efêmero.

Muitos artistas de novas gerações, como Beck, Tortoise, Sean Lennon, Beastie Boys, Ben Kweller (e mesmo Kurt Cobain, do Nirvana) tomaram contato com o tropicalismo e alguns mesmo deixaram que as práticas do tropicalismo permeassem seu trabalho. O tropicalismo (como a bossa nova) acabou se tornando mainstream musical, em sua opinião?

O tropicalismo musical nasceu ‘mainstream’ no Brasil, mesmo trazendo algumas novidades vanguardistas. Lembramos que as músicas que lançaram o movimento– “Alegria, alegria” de Caetano, “Domingo no Parque” do Gil, “São São Paulo de Tom Zé e outros— tiveram bastante sucesso nos festivais da TV, no rádio e na vendagem do disco. Sempre havia um forte aspecto “pop” na música tropicalista que passou a influenciar quase imediatamente o campo da MPB. Uns trinta anos depois, alguns músicos famosos dos EUA e Europa reconheceram tardiamente algumas sonoridades tropicalistas e pós-tropicalistas porque tinham a ver com seus próprios projetos musicais.

A prática “antropofágica” do tropicalismo fez com que a crítica acabasse considerando seriamente movimentos jovens populares, como a Jovem Guarda. Hoje em dia, diz-se que esse chamado à dialética pode também trazer consequências nocivas – como, por exemplo, a defesa intransigente de Caetano e Gil da axé music comercial, por exemplo. O que pensa disso?

A noção de antropofagia sofre de um desgaste conceitual porque passou a designar qualquer prática cultural híbrida, tipicamente envolvendo referências tidas como “locais” com uma roupagem “moderna”, “pop” ou “internacional,” esquecendo o imperativo de invenção e de experimentalismo da antropofagia oswaldiana. Não vejo como a defesa da axé music tem a ver com a antropofagia. No discurso de Caetano, a defesa do axé passa mais pela questão da “competência” (por exemplo, nas vocais e no talento performático de Ivete Sangalo) e pela defesa de uma indústria musical regional (neste caso, baiana), e não pela questão da antropofagia.

Você analisa as relações culturais do Tropicalismo com os movimentos de vanguarda do início do século. Mas o que dizer da tensão entre a tropicália e os movimentos imediatamente anteriores, como a bossa nova (Elis Regina e outros). O Tropicalismo também não preconizou, como disse Caetano da juventude, a morte do “velhote inimigo que morreu ontem” na música?

Se houvesse um “velhote inimigo” para os tropicalistas, certamente não seria a bossa nova. Todos eles adoravam João Gilberto e Tom Jobim e achavam que para chegar a altura da bossa nova, tinham que partir para o avesso, fazendo novas experiencias dentro da tradição da canção brasileira, esta vez deglutindo o rock internacional, recuperando estilos populares pre-bossa nova como o bolero e a samba-canção e incorporando mais sonoridades regionais, sobretudo nordestinas. Quando Caetano referiu-se ao “velhote inimigo” (no famoso discurso no TUCA em São Paulo durante as eliminatórias do Festival Internacional da Canção em 1968 quando cantava “É proibido proibir”), estava denunciando a plateia de jovens universitários que o vaiavam por considerar sua música entreguista ou alienada. Cito a frase completa: “São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem!” É uma defesa do novo contra aqueles que sempre vêem o fanstasma do passado. Foi como dizer, “o quadro mudou, precisamos inventar novas linguagens para interferir.”

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