pas – tinha jabá nessas negociações?
ja – tinha uma coisa, a música de abertura era de total responsabilidade do boni. ele resolvia sozinho, porque considerava que a abertura eé a hora que a música toca e chama a senhora que está na cozinha para ver a novela. então tinha que ser uma música marcante, e ele escolhia, o que já era uma coisa ótima…
pas – por quê?
ja – porque não tinha que ficar quebrando a cabeça, era uma coisa a menos para ter que convencer diretor, autor, co-autor… foi boni que escolheu, pronto, acabou.
pas – a mpb inteira devia estar doida para ter a música de abertura na novela…
ja – é… boni nesse ponto era muito independente, e era uma pessoa muito autoritária também. se dissesse “vai aí falar com boni”, talvez o cara não quisesse, deixasse por conta dele.
pas – te perguntei se tinha jabá, você respondeu com essa história do boni…
ja – se tinha jabá nas novelas?
pas – é, se tinha alguma negociação que envolvesse dinheiro, não sei se da gravadora para a globo ou da globo para a gravadora. quem pagava quem?
ja – não, o que eu fazia era o seguinte: eu precisava ter repertório internacional pra botar em andamento minha jogada do internacional. a som livre não tinha repertório internacional nenhum. havia uma má vontade das gravadoras em cederem repertório naturalmente, uma resistência normal que fomos quebrando com o tempo. quando chegou essa hora de fazer o internacional, me caiu na cabeça uma coisa que inventei: os presidentes das empresas multinacionais precisam muito de uma coisa que é ranking, que é ver o desempenho dele em comparação com os outros. então eu distribuía com eles, o que era pra ser da som livre eu passava para as gravadoras. por exemplo, o disco vendeu 1 milhão, esse milhão não ia ser computado pra som livre. porque não tinha ninguém a quem provar, e eles tinham que provar pros patrões deles lá fora. então pra eles valia a pena, durante certo ponto foi muito bom para elas. depois não, porque começou uma briga lá entre eles, porque uns tinham mais que os outros, e finalmente esse negócio foi suspenso. mas nos primeiros anos funcionou maravilhosamente bem esse tipo de contrapartida.
pas – deixa ver se eu entendi. a trilha da som livre vendia e era computada como se tivesse sido venda de outra gravadora, é isso?
ja – é, não, o disco de novela tem músicas de várias gravadoras. então não posso passar a venda totalmente pra outra gravadora. fazia uma espécie de, como vou explicar?, de mesa de compensação. e distribuía por eles as vendas, vamos dizer que vendeu 10 milhões de discos, pegava esses 10 milhões e dividia pra cada uma.
pas – isso não criou uma dependência das gravadoras em relação à som livre?
ja – não.
pas – ou talvez uma dependência mútua? vocês precisavam dos artistas, dos fonogramas, e eles tinham a divulgação na tela da globo.
ja – é, eles tinham a divulgação e mais a posição no ranking, que ajudava. o presidente de uma multinacional tem salário, deve ter participação nas vendas e tem um bônus por desempanho. então isso valia muito para a carreira de um presidente e até pra remuneração dele [uma das assessoras tosse agora não sei como está sendo feito isso, acho que não tem mais [olha para a assessora, ela diz que agora não tem mais isso].
ja – puxa, o nome do bar [risos], quase saiu. eu não vou sair daqui sem lembrar. [simula um diálogo] “você me encontra lá no…” na presidente wilson com calógeras. não tem jeito, eu vou lembrar, ou não saio daqui.
pas – eu fico com você [risos]
ja – era um lugar famosíssimo. era uma sala enorme, tinha uma mesa enorme também, cadeiras dos dois lados, ia chegando gente e sentando. e, poxa, pessoas interessantes, gente de música, cinema, teatro, que ia ficando por ali. tinha coisas sensacionais. não era um lugar frequentado assiduamente pelo mário reis, mas ele ia algumas vezes. e ele era uma das cabeças mais fulgurantes que conheci, porque tinha uma memória de… diz um bicho aí que tem memória.
pas – elefante.
ja – de elefante, e ele adorava futebol, e discutia futebol à exaustão. um dia estava saindo um pau entre ele e um sujeito que não sei quem era. e o mário, enfático, dizendo que o jogo andaraí e américa tinha sido no campo do andaraí, e dizia quem era o time, e o outro cara dizia que dizia que não, que tinha sido no américa e que não era aquele time, era outro. isso foi irritando o mário, ele começou a falar alto, a brigar com o cara. para terminar a discussão, o cara disse “não adianta ficar irritado, eu fui o juiz daquele jogo”. aí mário acalmou. ficou pensando, daqui a pouco voltou furibundo: “você não foi juiz de porra nenhuma, você foi o bandeirinha”. e o cara acabou confessando. vai ter memória assim, de elefante, é ou não é? villarinho [lembrou o nome!, sorri satisfeito]!!! que parto, hein? villarino, villarinho. não sei se era villarinho ou villarino, isso é bom você apurar. depois já não tinha mais isso não, eu não ia mais, mas no tempo da philips e da odeon eu ia pra lá quase toda noite. acabava de trabalhar e ia pra lá.
pas – joão, voltando ao assunto… você era um presidente uma de gravadora nacional no meio de várias mulinacionais. como era essa relação?
ja – era como eu dizia pra eles: “eu não posso votar do jeito que vocês votam porque meu patrão está aqui no brasil”. o patrão deles estava lá fora, era uma relação meio complicada. eu me esquivava às vezes. dizia: “eu faço questão de estar aqui porque o mercado é brasileiro, a firma que eu dirijo é brasileira e eu vou querer o melhor pro mercado brasileiro”. às vezes eles vinham com ideias já fechadas lá de fora.
pas – imagino que eles tinham muito que obedecer normas que vinham de fora, que não eram exatamente criadas aqui.
ja – exatamente, mas aí já era uma questão… eles virem com metas de vendas fixadas era uma coisa. mas não vir, por exemplo, com instruções do que fazer, do produto que vai vender. isso, não, é uma coisa que tiraria mérito de qualquer companhia. mas metas de vendas, comerciais e coisas assim eu acho que deviam realmente ter pré-determinadas através de estudos que as multinacionais sempre fizeram nos mercados para onde vão.
pas – foi bom ou ruim quase todo o mercado de disco no brasil ser dominado por multinacionais?
ja – não, hoje acho que o mercado está dominado pelos independentes. sabe quantos selos têm no brasil, sem contar todos? 270, sabia?
pas – e mais cinco gravadoras grandes, ilhadas.
ja – são 270 selos lançando disco no brasil. a gente não sabe pra onde vão esses discos, mas são 270. mas é evidente que as multinacionais representam no mercado convencional um peso maior dessa indústria.
pas – e, nesse sentido, elas não acabaram governando a música brasileira, os rumos da música brasileira?
ja – acho que isso pode ter passado pela cabeça deles, mas nunca houve quem tivesse coragem de proclamar essa heresia. acho que seria uma heresia, e até uma falta de cuidado, porque seria uma responsabilidade imensa saber qual é o talento, qual é a comida que se tem que comer num país tão distante.
pas – você está respondendo então que os executivos daqui, brasileiros, eram os que governavam?
ja – não, veja bem, os presidentes de todas as empresas daqui prestam contas aos seus chefes no exterior. um sujeito que não compreendesse direito esse mercado, ia pensar que o presidente lá de fora mandaria o daqui gravar a música tal. não é isso que quero dizer. quero dizer que manda na vida dele, sim, se não tiver bom desempenho, manda embora e bota outro no lugar. e dão metas de venda, dão. mas não chegam ao detalhe de escolher o que é melhor para a empresa. nisso os daqui têm toda autonomia. e os de fora não fazem isso porque seria temerário, os daqui iam dizer “não cumpri a meta porque o senhor mandou eu gravar não sei quem”. ficaria ruim.
pas – pergunto isso porque na questão do download as gravadoras se atrasaram muito, não conseguem entrar nesse circuito. conversando com um diretor ou outro, tenho a impressão de que estão amarrados, porque a matriz lá de fora definiu que não pode, e o brasil não tem autonomia para colocar seu repertório na rede.
ja – essa é uma questão de direitos, que está sendo discutida através da nossa associação junto às editoras, aos detentores dos direitos. está caminhando, lentamente, porque é lento o processo de negociação.
pas – por ser lento, as coisas vão acontecendo fora dos domínios das gravadoras.
ja – exatamente. é uma negociação penosa. eles não querem que aconteça o que aconteceu muitos anos atrás, quando legislação vigente foi questionada pelos novos que vieram. era mais ou menos a mesma coisa.
pas – de que contestação você está falando?
ja – os artistas antes eram remunerados pelo royalty de 6%, 7%, 8%. até que chegasse a 10%, 15%, 20% ou o que for, foi uma luta de 30 anos, na qual estavam embutidos os interesses das gravadoras de não terem prejuízo e dos artistas de ganharem muito justamente o seu dinheiro. por exemplo, ajudei a polygram a resolver um problema que ela tinha com chico buarque. ele tinha contrato e não queria entrar no estúdio. e chico não era de conversar muito, era muito tímido. eu vim a saber que chico não tinha nada, era uma questão só de royalties – queriam remunerá-lo pelo royalty que ele tinha feito quando gravou o primeiro disco, sei lá quantos anos atrás. vamos dizer que ele queria lutar por uma diferença de 7% para 15%, sei lá. eu disse isso para o presidente da polygram, marcos maynard, ele disse: “não é possível”. “pode chamar que ele vai gravar.” e foi gravar.
pas – como se resolveu a situação?
ja – eu conhecia o chico, vim almoçar com ele no antiquarius. ele não queria nada mais que não ser remunerado pelo royalty de 15 ou 20 anos atrás. no que falei para o cara da polygram, ele disse que não tinha nada contra pagar, se soubesse que era isso tinha resolvido há mais tempo. mas as pessoas têm dificuldade de se comunicar, né?
pas – se diz muito que chico era brigado com a globo…
ja – aí era uma briga boba dele com boni. parecia negócio do Getúlio, tira o retrato do velho, depois bota no mesmo lugar. chico entrava no antonio’s, jogava o retrato do boni no chão. sinceramente não sei por que tinham essa briga.
pas – costuma-se ligar a questões políticas.
ja – não faz muito sentido, porque boni não é uma pessoa politicamente existente. se fosse, eu podia até imaginar. talvez festival, não sei, sei que tinha lá uma bronca entre os dois. tenho quase certeza de que não existe mais. mas a globo, quando fez sucesso, eu notava que as pessoas de um modo geral tinham certa bronca. notava isso quando entrava num restaurante com walter clark. notava que havia uma certa pinimba, provocação, entende? foi coisa de uma época que depois também passou. mas que tinha, tinha.
pas – e você atribui a quê?
ja – olha [ri], tudo que faz sucesso tem isso… o sucesso da globo foi muito rápido e muito grande. um homem como walter, que era muito jovem, 39 anos, e muito elegante, se apresentava muito bem, despertava certa inveja.
pas – o que passa historicamente é a ligação da globo com a ditadura, que causaria uma birra em caras mais combativos.
ja – isso não deu para fazer notar, porque as vezes que lidei com política na tv globo posso dizer a você que fui muito bem-sucedido. eu tive que fazer… não tinha que fazer, mas fui eu que fiz a aproximação do [leonel] brizola com o doutor roberto [marinho]. brizola não conhecia ninguém no rio, não me conhecia, eu jogava no clube dos 30 por 30, que tinha uma pessoa muito ligada ao brizola, que jogava pelada comigo. brizola ia ser eleito governador, eu não sabia como eles tinham tanta confiança assim, porque as pesquisas diziam que tinha dois candidatos, um com 48%, outro com 52%, miro [teixeira] e sandra [cavalcanti], e brizola com 3%. e o cara dizia que ia ser barbada.
pas – e estava certo, no final das contas.
ja – estava certo. teve até aquele negócio da proconsult, que a bem da verdade, a globo não tinha nada a ver. mas teve também esse troço, que depois… política e religião são duas coisas que complicam sempre a vida do cidadão.
pas – você dizer isso me inibe, mas eu ia perguntar onde você se situa politicamente.
[continua…]