vamos a ela, agora (“carta capital” 521, 12 de novembro de 2008):

Tem gato e rato na tuba
Auditoria contra Wilson Sandoli provoca troca de acusações na OMB

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

TEM GATO E RATO NA TUBA

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Menos de uma semana após Wilson Sandoli ter sido afastado da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), o presidente interino da seção paulista da instituição se adianta a uma auditoria interna e vem a público expor uma série de acusações contra o homem que foi instalado na instituição pela ditadura militar e lá permaneceu nos últimos 42 anos. Documentos exibidos por Roberto Bueno, que até setembro era vice-presidente de Sandoli, dão conta da compra de carros blindados e armas, empréstimos pessoais e até despesas de velório. Tudo com recursos da OMB, ou seja, dos contribuintes músicos.

Há dois anos, o ex-desembargador Sandoli acumulava as presidências do Conselho Federal, da sucursal paulista da Ordem e do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado de São Paulo. Em 2006, foi obrigado a renunciar à duplicidade de cargos na OMB e abdicou da presidência nacional em favor do vice à época, o ex-militar João Batista Vianna, da seção carioca da instituição. Foi Vianna que conduziu agora o afastamento de Sandoli da regional paulista por 90 dias, enquanto a auditoria esquadrinha o sexto andar do edifício da avenida Ipiranga onde está instalada a OMB, no centro da cidade.

As fechaduras foram trocadas para bloquear o acesso de Sandoli, porque ele não estaria cumprindo o acordo extrajudicial que levou ao afastamento. O repórter entra na sede em atmosfera de filme policial, escoltado por integrantes da equipe de seguranças que monitora o local em tempo integral. Na sala de reuniões ornada com um grande retrato de Sandoli, auditores analisam pilhas e pilhas de documentos. Um dos advogados da OMB explica que uma auditoria realizada há alguns anos na seção paranaense culminou com o incêndio da documentação, daí a vigília redobrada.

Mais tarde, na mesma quarta-feira 5, o repórter voltará ao prédio, agora para entrevistar o próprio Sandoli. Sem acesso ao sexto andar, ele subiu ao sétimo, onde ficam instalações do Sindicato dos Músicos. Antecipa-se e responde sem ser perguntado sobre as insinuações de que os colegas do andar abaixo estariam sob ameaças, até de morte.

“Disseram que eu mandei matar, o que é isso? Eu vou fazer uma coisa dessas? Tenho um nome a zelar”, protesta Sandoli, de 80 anos. “Estão fazendo terrorismo”, diz o advogado que o acompanha, Nelson Altieri. “Precisa colocar cinco seguranças? Aqui ninguém é bandido”, prossegue o ex-presidente. “Isso tudo é uma armação do Vianna, o presidente que eu mesmo coloquei lá no Conselho Federal, com o Roberto Bueno, que quer tomar o meu lugar aqui.”

Ele gesticula, cruza os braços em torno dos próprios ombros e os abraça, para explicar: “Até outro dia, Bueno me abraçava, me beijava e dizia que ‘desta cadeira ninguém tira o senhor'”.

“Eu era vice e não sabia”, diz e repete Vianna, de 83 anos, por telefone, do Rio de Janeiro. “Não peguei o relatório ainda, mas sei que são coisas absurdas. Ele parece um ditador, eu não aceito isso”, afirma o homem que foi alçado pela primeira vez à presidência da regional carioca em 1979.

Em São Paulo, Bueno demonstra nervosismo, parece prensado entre os ambos os lados. “Vivo de música, não me chamo Wilson Sandoli”, diz o maestro e dono de uma escola de música no Tatuapé. “Por que ele não fala comigo, se só me abraçava e beijava?”, pergunta Sandoli, abraçando os próprios braços outra vez. “Então ele é um laranja?”, dispara.

Vice até outro dia, Bueno é outro que se diz “surpreso” com o teor dos documentos. E enumera acusações, algumas delas amplamente conhecidas nos bastidores da música brasileira.

Mostra, por exemplo, comprovantes de que em 11 de janeiro de 2005 a OMB de São Paulo pagou 195 mil reais à Minasmáquinas Automóveis, por uma Grand Caravan da Chrysler. Numa outra nota fiscal, de 26 de fevereiro, a Ordem gasta mais 80 mil reais, para blindar o automóvel.

“O que tem ter carro importado?”, devolve Sandoli. “O carro é da Ordem, os seguranças me buscam em casa, me levam. Eu tenho carro particular, este é para serviços da Ordem, festas dos músicos à noite.”

A seção paulista se revela cliente assídua da Massaropi Artigos de Caça e Pesca. Em 12 de abril de 1999, Sandoli comprou em nome dele próprio uma pistola Glock calibre 380, no valor de 2.150 reais. No mesmo dia, foram emitidas notas fiscais em nome de três outras pessoas físicas, pela aquisição de três pistolas Taurus calibre 380, por 1.300 reais cada. A compra total, de 6.050 reais, foi efetivada com um cheque da OMB paulista. Segundo Bueno, ninguém sabe do paradeiro de tais armas.

“As armas são para os seguranças, estão aí, não tem problema nenhum”, contesta Sandoli. E a que foi comprada em seu nome? “Essa era para mim mesmo, eu ainda tenho. Era tempo de assallto, comprei para sair à noite, de madrugada, nos shows. Eu quase nunca usava. Nunca usei.”

Sandoli rebate a história notória dos meios musicais, de que anda sempre armado. Levanta, apalpa os bolsos, mostra que estão vazios. “Nunca vim para a Ordem de revólver.” Por fim, mostra o porte de armas que carrega na carteira. “Posso usar na hora que quiser. Mas não uso.”

Outros documentos evidenciam que Sandoli adotou o hábito de fazer empréstimos a ele mesmo. Em 6 de outubro de 1999, por exemplo, o Conselho Federal emprestou 700 mil reais à regional paulista. “Não sei disso, para mim é novidade”, diz o diretor afastado. No dia seguinte, o advogado liga para dizer que foi um “adiantamento pessoal”. Em 23 de julho de 2003, a OMB emitiu um cheque nominal a Sandoli, no valor de 200 mil reais. Segundo o advogado, foi uma operação interna já contabilizada.

Os ex-aliados hoje sustentam que tal duplicidade de cargos nas duas casas foi a porta aberta para um sem-número de irregularidades praticadas de lá e de cá. Afirmam que a dívida da OMB paulista junto ao Conselho Federal é de 1,4 milhão de reais. Sandoli diz que já devolveu 300 mil reais.

Um documento de 18 de maio de 2006 dá conhecimento da venda da sede da OMB no largo do Paissandu, por 300 mil reais. A Ordem fez publicar edital de convocação de assembléia geral do conselho, para autorizar a venda do imóvel. Mas isso aconteceu em 22 de junho, mais de um mês após a transação. “Não sei, preciso ver a documentação”, diz.

Segundo Bueno, em abril de 2005 a OMB paulista arcou com as despesas de funeral e enterro de Izabel, esposa de Sandoli, inclusive 69.714 reais gastos em anúncios fúnebres em jornais da capital. “Como era minha esposa, o secretário mandou publicar nos jornais, para os músicos ficarem sabendo. Eu fiquei uma semana sem vir à Ordem, eles mandaram publicar”, diz. O advogado completa: “Foi o próprio Bueno que autorizou. É um absurdo, vão responder por danos morais”.

Outras denúncias são cruzadas, de parte a parte, como no caso da interrupção de repasses de verbas entre regionais. Cada lado acusa o outro de pressionar integrantes dos conselhos e forçá-los a assinar documentos de apoio ou repúdio a este ou aquele presidente. De dois conselheiros procurados por telefone por CartaCapital, um não respondeu e outro disse preferir se “eximir”.

Antes de sair do edifício já vazio, noite fechada, o repórter pergunta se o ex-presidente pretende voltar quando esgotarem os 90 dias de afastamento temporário. “Quero que façam auditoria, quero ver se provam alguma coisa contra mim.” Mas e se depender dele, volta? “Preciso voltar, para mostrar que o trabalho aqui foi…”, interrompe-se. “Fui eleito. Se fui eleito…”, decreta, por cima das acusações correntes sobre fraudes em sucessivos processos re-eleitorais.

E como as estrelas da música nacional reagem diante de tais acontecimentos? Ao menos em público, o desinteresse parece geral. Uma frase recente do músico George Israel, do grupo Kid Abelha, durante um debate na Feira Nacional da Música, em Canela (RS), sustenta a impressão. “Eu não quero saber. Sou de um clube e quero usar a piscina, só”, disse Israel, referindo-se ao escritório de arrecadação de direitos autorais.

Mas não é de hoje que a água tem escoado pelo ralo da piscina.

PUBLICIDADE
AnteriorMINAS
PróximoBOBBY
Editor de FAROFAFÁ, jornalista e crítico musical desde 1995, autor de "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba" (Boitempo, 2000) e "Como Dois e Dois São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa)" (Boitempo, 2004)

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome