aí eu tava lendo a capa da “caros amigos”, uma entrevista com o professor e lingüista marcos bagno, autor de livros chamados “preconceito lingüístico” e “a norma oculta”.

e olha só que maravilhosas, que supimpas, que do balacobaco, as posições que ele defende sobre esta nossa língua brasileira.

ai, há quanto tempo eu pensava essas coisas e não sabia traduzir em palavras, não sabia explicar, não sabia nem mesmo entender!

seguem trechins, com grifos e itálicos sempre meus, de maringaense contente com o que tô escutando:

“Do ponto de vista científico, a gente nunca fala que existe uma forma mais nobre ou inferior ou mais rebaixada de usar a língua. (…) Do ponto de vista da lingüística científica não existe nenhuma diferença entre ‘nós vai’ e ‘nós vamos’. As duas têm razão de ser, têm uma lógica interna, respondem ao processo de transforamação da própria língua.”

“Como indivíduo, o Lula representa uma história muito interessante, porque ele foi se apropriando das normas lingüísticas de prestígio sem abandonar a sua variedade lingüística de origem. É um ator lingüístico de muito boa qualidade, até brincou com isso uma vez: ‘Lembram-se quando eu falava ‘menas’? Agora falo ‘concomitantemente”. Ele não trocou uma coisa pela outra, continua usando esses dois conjuntos de falares quando lhe interessa usar esse ou aquele.”

“A discriminação pela linguagem é uma das pouquíssimas coisas que unem o espectro político de ponta a ponta. Numa pessoa de extrema esquerda ou de extrema direita, você vai encontrar as mesmas declarações a respeito da língua: que o brasileiro fala mal o português, que é preciso melhorar a maneira como a gente fala, que estamos estropiando a gramática.” [ele não concorda com isso, cê entendeu, né? eu também não concordo.]

“[comandos paragramaticais] É uma expressão que eu criei, tem uma função irônica mesmo, são essas iniciativas que hoje a gente percebe nos grandes meios de comunicação, de defesa, entre aspas, do português correto. Esses comandos paragramaticais são representados principalmente nas colunas de grandes jornais e revistas, têm seus consultórios gramaticais. Programas de televisão, programas de rádio, sites na Internet, livros do tipo Três Milhões de Erros que Você Deve Evitar, coisas assim. Eles vêm na contramão de tudo o que se faz em termos de pesquisa científica e também em termos de políticas oficiais de educação E temos aí um confronto muito grande, porque as diretrizes oficiais de ensino no Brasil já há mais de dez anos vêm trabalhando com concepções muito mais avançadas de linguagem, com o conceito de variação lingüística, com a discussão do preconceito lingüístico. (…) Então temos um discurso educacional, científico, acadêmico, muito mais avançado e, infelizmente, na grande mídia essa tentativa de perpetuar o português falado em Portugal no século 19.”

[êita, que dona mídia só toma cacetada mesmo, de tudo quanto é lado, hum? também. quem mandou merecer?]

“(…) o que é variante, o que é estranho, o que é exótico é sempre o outro, o que não está aqui. Então quando vão falar de variação lingüística, vão mostrar o Nordeste, o caipira, sempre uma coisa meio estereotipada. Mas as coisas vão avançando, pelo menos já se fala desse tema nas escolas.”

“É que muitas crianças que supostamente têm dificuldades de aprendizagem, na verdade têm dificuldade de compreender a linguagem empregada pelos professores, porque eles são falantes de uma variante lingüística diferente, principalmente quando se trata de zona rural ou de periferias de grandes cidades. São problemas de comunicação dialetal que precisam ser conhecidos pelos professores e, em seguida, enfrentados com um instrumental teórico e pedagógico adequado.”

“Agora, as diferentes realidades provocam diferentes desafios para implementar essa idéia. A partir mesmo da formação dos professores, dos seus próprios preconceitos, de sua tradição de achar que é importante saber o que é uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de particípio, que tem que saber disso para ser alguém na vida, quando a gente sabe que isso não serve para nada.”

“Quando estudamos a história da língua portuguesa percebemos que muitas palavras que hoje têm um encontro consonantal com r, como por exemplo branco, escravo, igreja, prata, praia, na língua de origem, principalmente no latim, aparecia ali um l, então prata em espanhol é plata. Escravo era esclavo, então os habitantes da Lusitânia, onde está Portugal hoje, ao passarem a falar latim, introduziram no latim hábitos fonéticos das suas línguas originais e um desses foi justamente o que a gente chama de rotacismo, que é a passagem do le para re. Então o brasileiro que fala Cráudia, chicrete, Rede Grobo está simplesmente seguindo uma tendência milenar da língua portuguesa.” [ah, que bonito, que bonito, que bonito!!!]

“(…) a separação entre essas duas formas é nitidamente social, é uma clivagem social de quem fala ‘broco’ e quem fala bloco.” {opa, que a própria ‘caros amigos’ (se) clivou, né?, botou aspas no broco e deixou o blocão desaspado…]

“As pessoas chamam de norma culta um padrão lingüístico instituído pelas gramáticas normativas, e também a maneira de falar das pessoas privilegiadas, e existe um abismo entre essas duas coisas porque, se a gente for seguir o padrão das gramáticas normativas, temos que continuar usando vós, mesóclise, coisa que nenhum brasileiro de mente sadia usa, ‘esse livro dar-vo-lo-ei amanhã‘, isso não é português brasileiro, nem português de Portugal, mas é a norma padrão, é o que está lá prescrito.”

“O aluno chega na escola já perfeitamente conhecedor da sua língua materna, da sua variedade lingüística, tem toda a gramática da língua na cabeça, então o trabalho da escola vai ser não negar o que ele já sabe, mas partir do que ele já sabe e apresentar a ele outras maneiras, outras formas. (…) Ele já sabe disso intuitivamente, uma criança sabe que não pode falar com outra criança da sua idade da mesma maneira como fala com um adulto, com uma pessoa de quem tem medo ou por quem ela tem respeito.”

“É recorrente esse discurso de que a língua de hoje representa um estado deteriorado de uma suposta época de ouro no passado. A gente encontra isso em qualquer língua, em toda a história, desde pelo menos o século 3 a.C., e para o lingüista isso não faz o menor sentido. As línguas se transformam, mudam nem pra melhor, nem pra pior, simplesmente mudam para atender às necessidades cognitivas e interacionais de seus falantes. Porque, se quiséssemos manter a pureza do português, teríamos que falar latim, mas o latim já é uma língua derivada de outra, então, se a gente quisesse manter a pureza do latim, a gente teria que falar indo-europeu, que é uma língua falada 5.000 antos antes de Cristo.”

“[a norma padrão no brasil] é fruto de nosso processo colonial, a tentativa das nossas elites desde sempre de se afastar do vulgo, do populacho, da negraiada, da indiada e criar uma casta branca superior, europeizada. E essas bendidas formas brasileiras continuam sendo consideradas erros a ser evitados, e vai o Pasquale Cipro Neto vociferar na televisão e na Folha de S.Paulo que aquilo ali não pode, que é língua de índio, de pobre, de burro.”

[ai, putzgrila, eu confesso: eu sou uma pessoa que sofreu a lavagem cerebral do prof. pardale!! me ensinou umas várias coisas úteis e bacanas lá naquelas imersões de doutrinação nas entranhas da “folha”, confesso também. mas, ói, em parte por conta dos campinhos de concentração do prof. pasquale, carrego até hoje uma culpa arraigada dentro de mim, toda vez que sinto vontade de falar “esposa”, “falecer”, “este ano”, mil etceteras quetais. arre.]

“A escola é um agente de reprodução dessas formas ‘legítimas’ de falar, então, principalmente para as camadas populares, ela não permite o acesso às formas privilegiadas e também não reconhece a forma de falar original do estudante; tem aí um problema social muito grave.”

“Infelizmente, figuras como Adoniran Barbosa, Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga [ops! entrou na nossa playa!, esses artistas mais criativos que souberam trabalhar com a linguagem popular, são sempre apresentados, principalmente nos livros didáticos, como coisas pitorescas, que fizeram um trabalho diferente, divertido, mas estão aí no seu lugar; é para manter a distância, mostrar o que não fazer. [porque joão guimarães rosa, esse pode, né? ãhã, tá bão.] O que existe é um medo das elites, dos que detêm o poder cultural, político, econômico etc., de se deixar contaminar pela cultura, pelo modo de ser, de viver do populacho, do vulgo, como se dizia no século 19. É uma perpetuação, digamos, de uma ideologia que vem desde o período colonial, e da Independência [e, somo eu, do escravagismo, né mesmo?]. A tentativa de preservar esse português puro, correto, é querer impedir que a nossa imensa periferia, que está chegando cada vez mais para o centro, tome conta de todos os aspectos da vida social, inclusive da linguagem [ulalá!!!!]”

“Assim como nós hoje não falamos o português de quinhentos anos atrás, daqui a quinhentos anos ninguém vai falar como a gente. O combate entre a norma que vem de cima e a norma que vem de baixo sempre acaba com a vitória da norma que vem de baixo.” [ai, nem sei se é mesmo sempre assim, mas… que bonito, que bonito, que bonito!]

“O que acontece com o fenômeno da crase é que a preposição a caiu em desuso no português brasileiro, na maioria das variedades: ‘eu telefono para você’, ‘eu dei um livro para você’, ‘eu fui para a Bahia’, ‘eu cheguei em São Paulo’. ‘Eu estou no computador, não ‘eu estou ao computador’; ‘nós estamos na sombra de uma árvore’, não ‘nós estamos à sombra de uma árvore’. Se a criatura não tem o hábito de usar essa preposição, dificilmente vai conseguir entender esse processo de que o a craseado significa a preposição a mais o artigo. Porque ‘ninguém vai à Bahia’, ‘vamos na Bahia’ ou ‘para a Bahia’. O brasileiro não vai ‘à’, ele vai ‘em’ ou ele vai ‘para’, por mais que as gramáticas insistam em dizer que é errado. Esse é o português brasileiro contemporâneo que eu defendo, ‘eu cheguei em São Paulo’, isso de dizer ‘cheguei a São Paulo’ é lá em Portugal. A dificuldade que a gente tem para saber onde colocar o acento do indicador de crase é por isso, porque a preposição a caiu em desuso.” [ai, que lindo, que lindo, que lindo!]

“O morador do Sudeste, principalmente os paulistas, tem uma idéia do Nordeste e do Norte como o americano tem do Brasil. Daquela coisa exótica. Tem paulista que acha que vai chegar em Salvador e todo mundo vai estar vestido de baiana no meio da rua…”

sensacional, não?!

p.s., trazendo o assunto de volta pra música: cê já reparou que o funk carioca (entre vários outros gêneros musicais “pobres”) é a igreja evangélica da igreja católica rica e decadente que é mpb?

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