hello, crazy people! o que segue abaixo é uma extensa entrevista concedida pelo músico lobão a este humilde blog, por concordância mútua entre ambas as partes (e até mesmo, acredite, com o aval da sony bmg, a multinacional que doravante abriga os uivos do grande lobo).
trocamos uma saraivada de e-mails de perguntas e de respostas, uma por uma, uma de cada vez, que se prolongou pelo longo intervalo entre os dias 30 de abril e 17 de maio passados. vários ditames, regras e costumes do jornalismo musical foram quebrados durante o bate-papo (ou tiroteio, vai do freguês determinar), como não será difícil perceber.
a edição posterior que fiz, por exemplo, consistiu em padronizar grafias, acentos etc., mas não mudou nem condensou nem resumiu nada do que foi respondido ou perguntado [no máximo, acrescentei umas pequenas intervenções e comentários necessários, assim, desse jeitinho, em itálico.]. isso jamais aconteceria numa entrevista convencional para jornal, revista ou tevê, e por aí você pode ter uma idéia da trabalheira que é “editar” uma entrevista (e, nesse processo de edição, selecionar de um catatau de informações só as, hum, “melhores” partes).
o que segue, então, é a fala solta do entrevistado, com o lobisômetro (esse termo saiu da própria boca dele) ligado à toda e sem freios. o entrevistador, por certo, também não anda meio desligado. ficou comprido? ficou, mas é pedregulho bruto, nada de papinha na boquinha do nenê. ficou intrincado? ficou, também, mas, ah, cansei de fazer esse mastigatório sozinho no escuro do meu quarto, sabe? (me ajuda?);
e, se posso fazer um pedido depois de tanta ralação, então eu peço: por favor, leia você mesmo/a e tire suas próprias conclusões sobre isso tudo aí, sim? porque eu mesmo ainda não entendi direito para que colinas o lobisômetro está apontado, nem qual será o papel da matilha diante de tanta (ou tão pouca) novidade. e vamos nós!
pedro alexandre sanches – lobão, você é um cara de direita?!??
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lobão – eu, na verdade, não consigo me encaixar nessas definições pré-fabricadas, e, por que não dizer, anacrônicas. não sou de esquerda porque eu acho supercafona neguinho se dizer de esquerda (geralmente as pessoas se acham superiores), e não sou de direita porque aí as pessoas acham os outros inferiores, e é supervilão ser de direita, cê me compreende?
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pas – compreendo mais ou menos… quando você recentemente disse “sou um cara de direita”, na “folha”, estava então querendo fazer uma provocação?, uma gozação?, o quê?
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l – aquilo ali foi mal editado. eu falei que, mesmo quando adolescente, eu já tentava espantar a esquerda festiva do grêmio do meu colégio, dizendo que era fã do delfim netto, que era de direita etc. e tal… saiu na “folha” que eu era de direita, fã do delfim netto. só que essa declaração não faria sentido sendo colocada para os dias de hoje. uma vez o nosso querido delfim sendo uma eminência parda do palácio do planalto, não espantaria nem provocaria ninguém com uma piada tão desavisada como essa… o que eu estou querendo dizer com esse discurso é que ficam no meu pé, me cobrando uma fidelidade que eu nunca me propus a ter. estão me chamando de traidor quando eu sempre me coloquei como tal!!! você deve se lembrar do meu manifesto de “a vida é doce”. lá, numa determinada página, eu falo: “ser traidor do seu próprio reino, ser traidor do seu próprio sexo, de sua classe, de sua maioria”… ora bolas… querer ficar me cobrando alguma coisa depois de tudo que aconteceu, pra mim é uma piada!
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pas – é meio um “quem está na chuva é pra se queimar”, não é, lobão?, de quem se sentiu muito cobrado por você mais tarde querer te cobrar também. mas, só para encerrar esse assunto “político”, em quem você votou nas últimas eleições presidenciais? no candidato da esquerda ou no candidato da direita? aliás, quem era o candidato da esquerda, quem era o candidato da direita, quem era a heloísa helena? você sabe, hoje em dia, “quem são os ditadores do partido colorado, o que é a ditadura ao sul do equador” [faço aqui uma citação a “sob o sol de parador”, que lobão lançou em 1989]?
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l – o maior problema aí, pedro, é que a questão colocada é burra e inconsistente. coisa que não aconteceu quando EU cobrei. nessas eleições eu votei em branco. pedro, eu acho os nossos quadros disponiveis muito fracos. eu acho essa história de esquerda uma boa merda que deixa a nossa culturinha ao relento da miséria do pensamento. acho também que estou na hora de empreender as coisas sem as tais alianças que andei entabulando no transcorrer desse tempo. nessa minha experiência só vi falcatrua, troca de favores, mensalão e muito obscurantismo. o país não tem nenhuma cara, nenhuma direção, nenhuma estrutura.
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pas – há uma certa desolação nessa sua afirmação sobre falcatruas e obscurantismos? você está falando especificamente sobre política, ou dá para estender essa mesma lógica para o meio musical, fonográfico, radiofônico, televisivo etc.?
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l – tem logo de cara o gil [berto gil] no ministério [da cultura], tem a distribuição de cargos, tem o mensalão, tem os intelectuais protegendo o zé dirceu, tem as cotas raciais e uma política racial de merda, tem a igreja despejando culpa com sua teologia da libertação, tem a bolsa-família gerando profissionais do parto, tem um patriotismo canhestro e obtuso que oscila desde a nova onda de música de protesto até os rastafáris gaúchos… é duro!! tudo é regido por um determinado paradigma, nunca a mpb histórica foi tão cultivada como a “tradição a se seguir” como nos dias de hoje… para mim, o grande cancro está aí. o meio fonográfico mudou (encolheu), o radiofônico também (agora a onda é ringtone na cabeca)… sai jabá, os alvos mudaram e tem um monte de bundão cobrando “coerência”, todos ignorando suas posturas pré-fabricadas… é mole?
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pas – você não acha que em linhas gerais “mensalão” e “jabaculê”, seja lá quais forem suas respectivas especificidades (que nunca conseguimos entender muito bem), obedecem às mesmas lógicas e metodologias e atendem às mesmas necessidades?
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l – claro! daí minha pinta de otário! é a cultura do jeitinho brasileiro de que tanto se tem orgulho e xodó. seria também ligado ao culto da preguiça e da ausência específica de mérito ou merecimento para se relacionar com qualquer coisa. é o pistolão para o emprego público, é a compra de carteira de habilitação, é compra pra anistiar multa, compram-se diplomas, indultos, votos, execuções em rádio… tudo isso com total ausência do tal merecimento. aqui no brasil, se você paga você existe, se você não paga você não existe.
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pas – eu queria falar então sobre a sua participação individual nessa engrenagem. ao se associar à sony bmg depois de uma fase bastante produtiva e combativa fora da “grande” indústria, você volta a integrar esse sistema, ou seja, você volta a “existir” perante o pensamento vigente. aí teríamos de concluir que você (ou melhor, a sua gravadora) está pagando para você existir? quais são, para você, os ganhos e as perdas de optar por trilhar esse novo caminho?
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l – essa estranha forma de existir infelizmente não é um privilégio meu, mas de todo o cancioneiro popular brasileiro. pagando pra existir tem o roberto carlos, o caetano, a bethânia, a gal, o gil e qualquer outro que você pensar. é assim que os ídolos se configuram. agora eu te pergunto: por que você acha que eles não merecem? você pode me explicar essa diferença de pesos e medidas? não há perdas, eh, eh, e essa é a maior frustração dos meus inimigos. não há perda alguma. só o incômodo de alguns em me ver em primeiro lugar nas paradas, eh, eh… fora o fato de que, de repente, alguém me pince para formar um digníssimo “quadro histórico da mpb”, coisa que ninguém fez ou se lembrou de fazer enquanto agi de forma unilateral. agora vai ter neguinho até questionando minha qualidade musical. não agüento mais ganhar prêmio de personalidade do ano. eu grito porque sei que sou um músico importante (o que é patetico declarar aqui, mas…)! sei que prevalecerá a verdade. isso é uma questão de tempo. mas, de qualquer forna, o meu subtexto é tipo chega, meu bem, já deu, agora me dá isso aqui, vai, eh, eh!!! não tenho mais paciência em [posar? faltou o verbo… de excluído da história.
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pas – uma coisa que me ocorreu desde o início, ao saber do seu “acústico mtv”, foi que, mesmo que agora pelo avesso do avesso, você não deixa de estar na posição que tem ocupado há muito tempo, da contracorrente: está entrando de volta na grande indústria fonográfica no mesmo momento em que figurões como chico buarque, maria bethânia, gal costa, rita lee e dezenas de outros estão saindo dela, no momento em que a antiga mega-estrutura das grandes gravadoras parece estar em pleno desmonte. isso é coincidência, ou dá para estabelecermos alguma relação entre esses dados todos?
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l – bom, pensando dessa maneira, até que comeca a fazer sentido a tal da frase “eu sou a contramão da contradição”, frasezinha explorada de maneira tão infeliz até então pelos nossos colegas jornalistas. você deve ter lido alguns deles tentando aludir uma suposta minha contradição em “me vender para o sistema”, percebendo nessa frase um ato subliminar de confissão!!!!!! [quais jornalistas falaram isso, que eu não vi?] é claro, né? “eu sou a contramão da contradição” é igual a “olha como eu sou contraditório!!!!!”. porra, pedro… é de lascar o cano essa rapeize!
agora, que eu estou concebendo uma nova era (não se espante com a minha grandiloqüência) de criatividade, de prosperidade no setor, ah, disso eu tenho plena certeza. fora o fato que esses caras que você mencionou estão “independentes” sem nenhum atrito mais sério. eles simplesmente seguiram uma tendência. e simplesmente cumpriram o rito de assinar os seu contratos da mesma forma de sempre. não transformaram nada (como sempre lhes é peculiar, eh,eh). afinal de contas, você já conhece o que eu acho dessas criaturas. e o meu papo é radicalmente outro. eu acho que você já deve ter percebido que eu joguei uma bomba atômica (essa é a precisa intensidade) nas expectativas dos mais desavisados, nos sem imaginação, nos seguidores, nos rebanheiros, nos dogmas escrotos de demonização dos objetivos, com o intuito de mudar a cara desse marasmo em que estamos vivendo. vou lhe fazer uma confissão sem rodeios: eu quero mudar agora o mainstream e sei que talvez seja o único cara que pode ter essa pretensão… e é por isso que estou aqui, fazendo desse jeitinho bacana de ser, eh, eh, eh. também tenho certeza que só posso efetuar essa aventura tendo total excelência artística. por isso é que cometi um acústico como nenhum outro. e, pra concluir jocosamente, eu merecia essa doce coincidência, eheheheheheheh.
p.s.: a música, o show bizz, nunca vai viver sem astronômicos investimentos. as gravadoras têm que existir, mas existir de outra forma, e cabe a nós repensá-las, e transformá-las.
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pas – de um modo geral, você está de volta à gravadora a que sempre pertenceu nos anos 80 e 90, que era rca, depois virou bmg e hoje é sony bmg. em que você os sente iguais ao que eram quando lobão tinha 20 e poucos anos? em que eles mudaram? eles ficam mais “malditos” ao lançar agora discos de lobão e tim maia? eles estão sendo contraditórios, está havendo algum tipo de pacificação, o que é que acontece afinal?
p.s.: você gostaria de comentar mais a fundo essa aparente queixa em relação à “rapeize” dos jornalistas?
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l – o que acontece, pedro, é que eu percebi a oportunidade de fazer um puta disco, e o fiz. pensa bem… como e por que surgiram essas questões? porque as gravadoras cometeram excessos, excessos fatais, e tiveram que pagar caro por isso. agora, ficar querendo exterminar a indústria fonográfica, bem, se não bastasse ser cafonérrimo, é além de tudo muito imbecil!!!!!, você não acha? pois bem, pedro, você deve estar bem atento ao meu timing nesta sua entrevista… pode calcular o quanto isso deve me estar incomodando profundamente. pô! por que você não abre seu coração e sua cabeça, espera chegar uma cópia do dvd inteiro, 5.1, superbem gravado (faço questão de te mandar!). relaxa… ouça atentamente e depois vamos falar sobre o que interessa que são as músicas as letras e a performance. é isso aí, meu amigo, sem mais (nem menos), um forte abraço, lobão.
p.s.: pedro, o que me preocupa é o mico que essa rapeize vai sofrer no fim da história, morou? vai rolar um vexaminho, tipo, olha o que esse babaca escreveu… é isso. de alguma forma, quem perde é a inteligência, o bom raciocinio, a clarividência, e a pricipal vítima é o publico que lê esse monte de merda!!!!
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pas – ei, cê já cansou da entrevista?… eu nem comecei a parte “musical” ainda…
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l – não, pedro, definitivamente não me cansei. o que eu quero dizer com isso é que, desta vez, o disco fale por mim. pra mim, a resposta pra todas essas especulações e tudo o mais estão dentro da história musical do disco. pra você ter uma idéia, pra mim é até divertido testemunhar esse zum-zum-zum de pré-julgamentos histéricos e precipitados. toda essa vibe me excita e me faz rir, mesmo que seja de escárnio. mas, pessoalmente, acho que você não merece essa lengalenga. mas, se você quiser continuar, saiba que essa minha interrupção é de fundo epistemológico. é, de certa forma, um… cuidado com a sua pessoa. portanto, se for assim, manda ver. agora eu estou em porto alegre, cidade onde levei a tal porrada na orelha!!! [hein?, essa não deu “tempo” de perguntar?].
você pode imaginar o quanto estou me divertindo, né? neste exato momento vou para um jantar com 20 fãs da promoção da rádio pop rock. de tarde participei de uma promoção na atlântida fm, depois na ipanema. estouramos o ibope num programa ao vivo na tv rbs. e você pode estar imaginando as coisas que eu estou ouvindo. eu acho que essa minha nova aventura será um case de sociologia!!! o fato de me assumir absolutamente contra a corrente da esquerda brasileira será meu novo e favorito prato no cardápio. caiu uma ficha enorme quanto a isso, tipo uma revelação (apesar de ser o óbvio ululusantos!!!!). sendo assim, continuemos, pedro, tô na escuta…
p.s.: não vai me perguntar sobre o faustão?
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pas – ih, a cada nova resposta a entrevista muda de rumo, hahaha. desta última, não posso deixar de perguntar duas coisas imediatamente, antes que as esqueça. a) nem imagino as coisas que você está ouvindo nas promoções dos programas de rádio, conta aí… b) o que aconteceu com (você e) o faustão?
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l – ué, pelo que me consta, o cara que tem as informações maneiras é você!!!! quanto às promoções, elas são muito criativas, e eu estou incrementando sempre novas modalidades. nesse sentido, o que você quer realmente saber??? se já teve um misterioso pacto de cumplicidade? se há uma conspiração no ar? pô, isso até daria um roteiro de novela das seis!!! pô, o que aconteceu no faustão foi o que sempre acontece quendo eu vou lá: a gente arrebenta a boca da matilde, e, por sinal, desde o “perdidos na noite”, pois a gente é amigo e parceiro desde sempre. afinal de contas, pedro, se eu fosse me prender aos pré-julgamentos que cercam tudo isso, não haveria “a vida é doce”, não haveria numeração dos discos, nao haveria a revista
[“outracoisa”, revista que lobão edita e lança nas bancas, sempre acompanhada do
disco inédito de uma banda nova]. e por falar em revista, pô, pedro, eu cheguei a pensar que você poderia torcer para eu trabalhar, por exemplo, num programa como o “saca-rolha” [hein?!], tipo em prol da causa!!! mas você não acha mais prático, correto e inteligente lançar simplesmente um bom disco, um ótimo trabalho, ao invés de ficar enchendo lingüiça na frente das câmeras?? será que isso faz sentido???
sinceramente, pedro… isso tudo desafia brutalmente a minha já combalida inteligência. pois, afinal de contas, eu sou um artista e a minha expressão maior é a canção!!!, e não esse tremendo papo furado. você não acha que eu mereço ser ouvido por aquilo que realmente eu faço?? será que eu vou viver o bastante para testemunhar esse singelo e fundamental reconhecimento? te confesso que eu adoraria!!
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pas – ô, lobão! você despertou a minha curiosidade, dizendo “você pode imaginar o quanto estou me divertindo”, e eu perguntei, nada mais que isso… a pergunta seguinte também não estava nos planos, mas vá lá: você tá desconfiado à beça, ou é impressão minha?
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l – desconfiado de quê???? ô, pedro… se eu tivesse algum grilo, eu já tinha pulado fora. eu simplesmente gosto de você, e de certa maneira estou tentando te provocar mais do que você está tentando me provocar!!! pô, esporte é saúde, rede globo de televisão!!! mas, voltando à vaca fria, por exemplo, estou agora em curitiba fazendo rádio. fiz transamérica e toquei um pocket show na jovem pan. eu tenho realmente muita novidade (falando sério agora) pra te contar, como é do meu feitio. tenho feito muitas parcerias com os divulgadores regionais, e isso tem resultado em muitas parcerias muito criativas. fora a total receptividade em aceitar meus métodos heterodoxos de autopromoção, eh, eh. por exemplo: fechei com a gianinni uma promoção de 30 violões para eu sortear, e eles ainda vendem o cd e o dvd em todos os pontos de venda da gianinni por todo o país… legal, né? tô a fim de fazer um festival de música independente com parceria das gravadoras. e tenho um plano para desvilanizar a industria fonográfica: restaurar o “disco é cultura” e deduzir os 25% do preco final do cd. não é só isso: destributalizar toda a cadeia de produção, desde o papel, a matéria plástica do cd, etc. e tal. pedi ao [alexandre] schiavo [atual presidente da sony bmg] para escrutinar todo o metabolismo tributário, para depois formarmos uma comissão para um périplo pelo planalto… creio que a gente tem muita chance de vitória, afinal de contas, se [o livro] “marimbondos de fogo” [de josé sarney] é cultura… kelly key tambem é!!!, e xeque-mate, eh, eh!! há outra coisa que estava me deixando muito preocupado e hoje tive uma notícia espetacular: a revista continua e já vai estar nas bancas na semana que vem [a esta altura, já está]!!! pegamos o [grupo carioca] canastra, que a sony moscou, eh, eh!! bem, já é bem de madrugada, tá frio pra caralho por aqui e amanhã a gente se fala.
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pas – lobão está desconfiado de quê?, sei lá eu!, hahaha. também gosto de você (embora ache que esse é outro assunto), mas tive um pouco essa impressão de desconfiança, ao te sentir (posso estar enganado) tentando conduzir e direcionar as minhas perguntas, algo que não lembro de ter sentido antes entrevistando você…
mas, então, é sobre esses troca-trocas às vezes vertiginosos das peças desse nosso grande tabuleiro que eu gostaria de conversar um pouco contigo. se, há cinco anos, o marcos maynard dissesse que estava fazendo “promoção” ou “parceria” com rádios e divulgadores, certamente o lobão responderia com muita veemência: “é jabá!”. sem querer fazer aqui num blog o mesmo papel de patrulha moralista que é tão freqüente na mídia tradicional e muitas vezes
se esparrama uniformemente por entrevistados e entrevistadores (ói nós aqui, né?), o que fico me perguntando é: como podemos falar dessas coisas, sejam elas o que forem, do modo mais transparente possível?, como podemos simplesmente dar a elas os nomes que elas têm? e aí, essas coisas todas, promoção e parceria e jabá e entrevista e crítica musical e reportagem e publicidade etc. etc. etc., será que no final das contas elas são todas mais ou menos a mesma coisa?
mudando o ponto, sobre seus planos de política musical (posso chamar assim?): à primeira vista parecem bem bacanas – se quiser explicá-los com mais detalhes, fique à vontade, por favor! só fiquei meio ressabiado com esse tópico de resgatar o lema “disco é cultura”, que, afinal, foi um entre inúmeros slogans da ditadura brasileira, não foi? você acha mesmo que disco ainda é cultura, nestes tempos em que não se sabe mais ao certo nem sequer se disco ainda é disco?
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l – é, pedro, realmente você tem razão… se certos caras gritassem qualquer tipo de promoção eu gritaria cada vez mais alto: JABÁ!!! afinal, estamos falando de alguns dos maiores parasitas da história do disco. mas isso não significa que a promoção em si seja algo reprovável. senão a gente vai parar num convento de carmelitas, não é verdade? quanto a essa desconfiança, eu repito: eu estou muito à vontade, como sempre estive. aliás, eu acho que realmente estou te provocando como nunca fiz, mas não estou tentando direcionar nada. pedro, pensa bem, tem um monte de gente sendo expelida das gravadoras e das rádios, maynard, cláudio condé… as majors lá fora estão de olho como nunca estiveram nessas figuras. pra mim as coisas estão muito claras, claras como nunca. eu estou num período em que vislumbro uma radical mudança de rumo nas coisas. quanto ao processo de enxugamento tributário, é algo que sempre quis empreender na cena independente.
pô, pedro, sem traumas… “disco é cultura” é útil, pode ajudar toda a cena musical. e, vamos e venhamos, disco é cultura, sim… pode ser até cultura da merda pura, mas isso agora não tem muita importância. o que é importante é que muita gente boa vai se beneficiar com isso (eu sei o quanto levo vantagem na “outracoisa” por ter essa isenção). ora, não tem cabimento a gente perpetuar esse gatilho improvisado, para sobreviver nas bancas de jornal, enquanto neguinho se fode na vida real. então usemos o próprio exemplo da revista e vamos facilitar a vida da galera. não tenho a menor dúvida de que qualquer disco é cultura (pode até ser má cultura, mas isso não vem ao caso). mas pra que empatar a foda de um processo que vai proporcionar um desafogo na indústria e um automático crescimento no investimento de coisas novas (e velhas tambem!!!)? se o lula importa o delfim e outras coisas mais da ditadura, por que não repescar o “disco é cultura” sem frescura? por que tanta rejeição? se é legal, funciona e vai fazer um monte de gente feliz, não vejo motivo nenhum para encanar com a paradinha. quanto aos discos continuarem existindo, pedro, eu te garanto: eles continuarão, sim, e por muito, muito tempo ainda.
[como minhas perguntas começaram a ficar maiores desse ponto em diante, lobão passou a fatiá-las em pedaços na hora de responder, respondendo-as trecho por trecho. para não manter essa mistureba de identidades entre entrevistado e entrevistador, opto aqui por desfatiar as respostas, inserindo na pergunta um número identificador correspondente para cada trecho de resposta. parece complicado, mas tenho certeza que você vai entender.]
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pas – e na sony bmg, você não vê resquícios daquela cultura representada por nomes como maynard e condé? afinal, o mercado até hoje chama eles de “muñoz boys”, em referência ao padrinho ideológico de todos, tomás muñoz, que nos anos 80 foi o mentor do sucesso mercadológico avassalador da cbs, depois sony, agora sony bmg. abaixo os conventos de carmelitas!, mas… em que terreno exatamente estamos pisando agora? (1)
tudo bem quanto ao “disco é cultura”, cada um com sua opinião e nada que machuque o outro tanto assim, né? mas aí eu queria então sair dos slogans e logomarcas da ditadura e passar para um outro, esse tal “acústico mtv”… fico pensando em como a entrada com tudo do brasil nos modelos neoliberais (com ápice na era fhc) teve, nas indústrias musical e televisiva, um correspondente à risca, que foi o formato “acústico mtv”. não é da própria essência neoliberal, tirar o máximo proveito possível da mercadoria (no caso os nacos mais atrativos, ou “comerciais”, da obra de vocês, artistas), até o esgotamento total, em busca do lucro monetário maior e mais imediato possível?
estou me lembrando, a propósito disso, de um mea culpa interessante do atual presidente da universal, josé antonio eboli, numa entrevista recente que fiz com ele. vou transcrever para você essa parte da entrevista, que não havia sido publicada até agora, e fazendo a ressalva de que o eboli fez essas afirmações em tom autocrítico, ciente de que está falando de dentro, do núcleo, na posição de quem acabou de lançar mais um acústico do zeca pagodinho e se prepara para produzir o acústico-canto-de-cisne de sandy & junior. (2)
eboli diz o seguinte: “aqui, infelizmente, comenta-se que a geração de executivos que está na faixa dos 55 anos não preparou seus substitutos. as gravadoras foram coniventes com essa situação”. e então ele segue, mostrando que uma lógica parecida foi aplicada aos elencos artísticos: “se for trabalhar apenas em cima dos medalhões, fica uma situação que não avança. concordo com quem nos critica pelo excesso de lançamentos acústicos e ao vivo. isso fez o mercado ficar viciado. isso veio desde o lançamento do real, e criou muitos problemas. era mais fácil fazer um ‘unplugged’ [acústico] para ter resultado imediato. mas isso cria dois problemas: vicia o consumidor a comprar os ‘best of’ [coletâneas de ‘grandes sucessos’] e impede que novos artistas apareçam. o brasil é o único país do mundo com essa proporção
de discos ao vivo. a indústria foi em busca do imediatismo. se em 1999 e 2000, quando começou a se impor uma nova realidade, tivéssemos falado ‘agora o mercado é outro, acabou a farra’, é provável que hoje tivéssemos mais talentos do que temos hoje. tivemos medidas típicas de brasil, ‘isso vai passar’. esta sempre foi uma indústria que gastou muito, com executivos e com projetos, e hoje pagamos o preço”. (3)
só mais um trecho da fala do eboli, quando ele fala da “síndrome do pós-acústico”: “quando o artista lança um disco inédito, depois do disco ao vivo de ‘best of’, o público e o rádio rejeitam. aconteceu conosco, com kid abelha, ivete sangalo, zeca pagodinho. quando sai um disco de estúdio, a vendagem baixa de 1 milhão de cópias para 150 mil, 50 mil. lá fora, um artista faz ‘best of’ quando está encerrando a carreira, aqui virou uma solução de imediatismo”.
eu queria entender onde você se coloca nesse tiroteio todo, à parte o seu discurso entre provocador e falastrão, de dizer que seu acústico é melhor que os outros e que a chegada do lobão ao “acústico mtv” significa que o formato melhorou. porque tenho certeza que você tem plena consciência dos argumentos do eboli, e nesse sentido imagino que, além de uma festa, uma retomada e uma volta por cima, o “acústico” também deve representar para você uma causa de angústia e preocupação. por exemplo, neste momento o lobão do “acústico mtv” que gera lucro na sony bmg não está brigando com o lobão do universo paralelo [nome do selo independente de lobão] que lança o canastra (que, concordo com você, é um grupo novo fenomenal)? como você se sente dentro desse tiroteio não mais com a indústria, mas, talvez, consigo mesmo?
(ufa, desta vez a pergunta ficou looooooonga… peculiaridades dos novos formatos…) (4)
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l – (1) estamos pisando no terreno das possibilidades reais de transformação. eu estou acreditando que vou me relacionar de forma criativa e parceira com eles. vou pagar pra ver, né?
(2) é o seguinte: olha só a diferença de direção, enquanto eles estão pretendendo lançar não somente um disco canto-do-cisne, mas também economicamente um suicídio, no meu caso eu conto com o ineditismo da maioria do meu projeto. sou um ilustre desconhecido musical para 90% da população que me conhece e me tem por muito familiar (o que é verdade). eu acho que essa mistura de reencontro com meu lado puramente artístico está dando um grande alívio na minha pessoa, assim como na grande maioria das pessoas. sei que fiz um trabalho de pesquisa de linguagem, sério, de texturas novas, desterritorializações de instrumentos que contam uma nova história de antigas estruturas, como o choro, por exemplo. fora o antifolk, que estou amando, com grandes novos artistas explorando novas sonoridades para os instrumentos acústicos. isso a gente pode fazer graças a um grande esforço e a descoberta de novíssimas tecnologias de captação de violão. pedro, a gente parecia que estava num colégio interno de tanto que a gente ensaiou, arranjou, pesquisou, e se divertiu também… mas eu encaro pra mim esse projeto como uma reorganização de uma carreira que me fazia me sentir como um fantasma sem história nem passado, com minha obra toda trancada há mais de 17 anos, meus discos novos de carreira caminhando inexoráveis para o total oblívio e eu vendo tudo isso acontecer e, pior, sentindo isso tudo não só na pele como também na alma. por tudo isso, eu não poderia estar mais satisfeito e convicto da excelência do trabalho cometido por uma equipe
sencacional. então, vamos ver para onde as coisas se direcionarão. agora as cartas estão lançadas.
(3) que bom que NÃO deixou substitutos!!! era tudo o que eu queria: lobão in wasted land, ah,ah! o problema deles é que sempre surfaram na merda da consciência infeliz. quem pratica essas coisas atrai essas coisas e transforma tudo a seu redor nessas coisas horrorosas!!! é o famoso toque de “mirdas”! além do que o que se fala em necessidade de bandas novas através da minha exposição na mídia por ocasião desse lançamento é uma beleza. além de a “outracoisa” continuar firme e forte, forjando no inconsciente da nação a necessidade imperiosa do novo, começando inclusive comigo mesmo e todos esses anos de pesquisa musical. se eles se foderam, fui eu um dos seus
primeiros vaticinadores dos infortúnios que estavam por vir, não é verdade? agora pretendo me inserir no contexto com fortíssima penetração, para tentarmos modificar esse estúpido corolário, para algo assim como… a nova era de ouro da música popular brasileira! gostou? ah, ah!, mas eu te confesso que acredito nisso mesmo.
(4) quando as pessoas prestarem mais atenção ao que venho fazendo, com toda certeza acharão tudo muito claro aquilo que falo e digo. quanto a mim mesmo, creio que dá para sentir fisicamente o meu entusiasmo diante da empreitada. e minha posição? é claro que minha posição é esta: se tem terror, o fantasma aqui sou eu. e mandar bala, arriscar novos caminhos movido pela satisfação de usufruir a potência necessária para conseguir os objetivos que se planeja, a liberdade para se habituar a desvios perigosos sempre na concentração máxima, e ter em mente que o princípio do drible é, e sempre será, o suave movimento do acenar com o falso óbvio, falei? (ufa também!)
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pas – lobão, você tocou num ponto em que eu queria chegar, e que aqui de fora me parece o principal elemento dessa sua aventura pelo “terreno das possibilidades reais de transformação”: especulou-se muito sobre se você “está mordendo a própria língua”, se virou “cordeirão” etc., mas não tenho visto muito interesse pelo ponto de que seu contrato com a sony bmg prevê o relançamento, após décadas, da sua obra desde 1982 em diante. eu queria saber em que medida esse é um elemento central deste atual momento e como é que isso vai funcionar. sei muito por cima que havia uma disputa judicial antiga entre você e a sony bmg, e todos sabemos que nesse período todo sua discografia ficou banida da cdteca brasileira. várias perguntas numa só: o que vai acontecer agora? eles vão relançar meio em troca do projeto “neoliberal” (ops, juízo de valor meu) do “acústico mtv”? a disputa judicial terminou? há alguma previsão de que você possa recuperar no futuro o direito de propriedade sobre sua própria obra? (aliás, você poderia explicar para nós, leigos, como é essa questão de propriedade da sua própria obra junto a uma grande gravadora?) por que esse silêncio geral da nação a respeito de certos artistas (como você por exemplo) “rebeldes” que ficam banidos (ou que se banem eles próprios, será?) do sistemão? esse silenciamento é uma espécie de castigo? (1)
e, mudando de assunto, enfim: o que é o anti-folk? (2)
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l – (1) ok. é claro que a primeira coisa que se ventilou nessa negociação foi a pendenga judicial que já vigora desde 2002. meus advogados me informaram das minhas reais chances em reaver os masters: se tudo der certo, em dez anos. e isso é um prognóstico muito otimista. nessa negociação com a sony bmg, a gente vira sócio na empreitada de lançamento. o meu intento é lançar tudo o que eu já gravei na minha vida, e sair tudo em parceria, universo paralelo/sony bmg.a meta será lançar toda a coleção, incluindo os álbuns da emi (“nostalgia da modernidade”) e da universal (“noite”), fora os independentes, além dos “out takes” perdidos por aí. além de todos esses trabalhos entrarem automaticamente em cartaz, será realizada uma caixa de luxo comemorativa destes meus primeiros 50 anos, mais uma tiragem de mil cópias em vinil de todo o trabalho, tudo isso previsto para este natal. nem precisa dizer que estou me sentindo novamente um cara com uma história pra contar e, por isso tudo, muito feliz.
(2) anti-folk é uma espécie de movimento que assola o mundo, com violões, canções e muita linguagem nova em termos de música acústica e poesia. tem caras como ben kweller, matthew hebert, cat power, juana molina e uma porrada de outros caras fazendo uma nova cena de compositores-cantores (fora o bob dylan, com seus últimos discos, arrebentando). isso nos ajudou muito na concepção do “acústico”, uma vez que tinhamos algo super-hypado acontecendo no mundo, ao invés de encarar um processo burocrático característico do formato. ou seja, o mundo está mais acústico. a gente acabou de fazer o primeiro show da turnê em curitiba, e dá pra notar que no show as pessoas têm mais chances de entender qual é a paradinha. quando começou “el desdichado” [canção de abertura do “acústico mtv”], foi um clima fortíssimo de statetament, um clima de que aquilo tudo que eu estou dizendo tá valendo. e deu pra notar que as coisas tendem ir para um lugar que ainda não foi habitado. é um clima de prestações de contas, daqueles de caubóis de filme de bangue-bangue! é uma vibe tão densa que eu nunca senti numa apresentação, nem mesmo quando saí da cadeia, em 87. afinal de contas, sou um exilado, e, tanto para o mal quanto para o bem, estou sendo recebido como tal. a partir de agora eu senti que vou poder ser respeitado por aquilo que eu faço (música e poesia), não somente por aquilo que venho teorizando (falastrão, encrenqueiro, quixote, traidor etc.). provavelmente não se poderá dizer agora, por exemplo, que sou invejoso, ressentido, né? agora eu sou uum… rebelde (no sentido chique da coisa)!!! agora sou uma espécie de medida da rebeldia, algo diferente do que as pessoas queriam se esquivar da raia como há tão pouco tempo (se lembra na numeração?). exemplo: segundo nosso querido caetano, ele anda mais rebelde que o lobão!!!! e viva o lobisômetro!!!
p.s.: isso ainda vai dar muita história engraçada, eh, eh eh… e nem sequer começamos!!!
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pas – bem, feitas essas contas, parece bacana (e inesperada) essa parceria entre o “universo paralelo” e o “sistema”, não? e essa de o lobão ser relançado em vinil e em caixa, já é definido e definitivo? o “desterrado” está de volta à terra? e o que você acha que propiciou essa “reconciliação”, tanto da sua parte quanto da deles? (1)
ah, sobre o antifolk, acho que me expliquei pela metade: eu queria saber o que seria o antifolk traduzido para a “língua brasileira”, e traduzido para o lobão e o seu “acústico mtv”. aproveito a ocasião para confessar que ouvi o seu “acústico” sob o efeito da sua provocação (bravata?) de que ele seria um sinal de que o nível do projeto melhorou – mas, sinceramente, achei um disco legal, mas não melhor, nem pior que tantos e tantos acústicos que temos ouvido em série há já 15 anos. quero dizer, consigo assimilar muito mais o seu acústico no sentido tático e estratégico (de ser, por exemplo, a isca que vai fisgar o resgate da sua obra toda) do que no sentido propriamente artístico e criativo, você entende? o que pensa dessa minha (mera) opinião? (2)
será que você e o caetano estão prestes a entrar numa disputa juvenil de “eu sou o mais rebelde!” e “não, eu é que sou!”? o seu “acústico mtv” é o seu “cê”? (3)
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l – (1) sim, isso acontece. e, avaliando direito, era tudo pelo que eu vinha lutando. acho que o mercado precisa da minha presença. e eu precisava de mais combustível para continuar realizando minhas coisas.
(2) não é que o projeto melhorou com a minha presença. eu tenho certeza que fiz um disco que quem se interessar verá sua beleza e força. pedro, me entenda, a gente sabe quando faz uma coisa relevante ou não… e eu sei que fiz um disco histórico. quanto a tentar te sensibilizar, aí são outros 500. mas eu tenho como certo que você nunca se emocionou muito com o meu trabalho, portanto, nesse caso, a coisa fica na mesma.
(3) ah, pedro, você tem que entender que, apesar da minha rigorosa autocrítica, com toda a certeza eu me tenho num patamar em que você não concorda, ou sei lá o quê… respeito suas preferências e convicções… mas às vezes dá uma comichão de te dizer que o buraco é tao mais embaixo… para as favas com estratégia, pedro, às vezes um charuto é apenas um charuto, e ainda bem que a maioria das pessoas pensa assim, pois se eu dependesse do seu julgamento da minha obra, não haveria auto-estima que desse jeito… eu estaria mortinho, eh, eh…
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pas – ô, lobão… você atribuiu a mim o título de “juiz”, mas também faz aí uns julgamentos de valor, meio à moda que algum antigo “crítico” “ranzinza” da “folha” faria com desenvoltura exemplar, não?… eu até diria que não me surpreendo em saber que você tem como certo que eu nunca me emocionei com o seu trabalho, mas… é uma convicção que você formou sozinho e por conta própria, sem nunca ouvir isso da minha boca e sem saber que quando moleque eu era fã ardoroso de “vida bandida” e de “cuidado!”, e que já mais crescido me empolguei outras tantas vezes, especialmente com “nostalgia da modernidade” e “a vida é doce”, não é mesmo? (1)
mas, poxa, não vá me dizer que eu precisaria me converter em fiel fervoroso do ideário “acústico mtv” para fazê-lo acreditar no meu apreço pela sua obra! não, né? gosto da sua obra, ô, meu!, e tô em paz com ela… (2)
quanto às cambalhotas que o ideário tem dado na gente e que a gente tem dado no ideário, confesso, aí é mais complicado de acompanhar e compreender – e acredito que não estou sozinho nesse sentimento (saudável, acho eu) de confusão… é mais penoso entender aquelas letras genéricas do tipo “político é tudo igual” que bandas como ira!, titãs e capital inicial de repente voltaram a fazer como se simplesmente ainda morássemos nos anos 80. seu caso é diferente, porque você saiu de onde estava e virou seus próprios argumentos do avesso: de repente pulou da conversa de que “executivo de gravadora é tudo igual”, “emissora de TV é tudo igual” e “artista ‘teletubbie’ é tudo igual” para bem dentro do epicentro do furacão. (3)
ainda assim, nos outros casos como no seu, volta e meia eu me pergunto se toda a indignação que circulou e circula das bocas dos artistas mais rebedes para os cadernos de cultura idem, e vice-versa, não virou meio um jogo marcado em que, nalgumas instâncias, estamos todos sempre trombeteando discursos da boca para fora para consumidores que, do outro lado da parede invisível, também são criadores e portadores e disseminadores desse mesmíssimo discurso boca-pra-fora. (4)
testando uma síntese depois dessa digressão toda: não seria mais simples e transformador a gente meramente falar de modo mais aberto e transparente sobre todos esses significados e contradições (mas, ai, que jornal ou revista ia querer-e/ou-poder publicar?)? aliás, isso não é exatamente o que estamos tentando agora, nesta entrevista que tomou um jeitão que eu, pelo menos, nunca antes tinha sequer imaginado fazer na vida? (5)
poxa, sensacional a gente estar peitando esse teste!, você concorda? (6)
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l – (1) me perdoa, pedro, eu me precipitei.
(2) na verdade, o que me afligiu foi você não ter percebido a diferença de som (principalmente dos violões) da gravação, os cuidados dos arranjos, as levadas, as cordas, o 5.1, a película tape to tape. isso tudo, além da execução, traz uma diferença brutal em relação aos outros projetos. mas, de certa forma, eu teria feito uma mixagem com mais contrastes do que a que ficou… será que foi isso que deixou o disco tão normal?
(3) pois é… a gente sabe os limites que nós temos e que a rapaziada das gravadoras têm. cabe a nós tentarmos repensar o próprio show bizz como um todo. ontem falei novamente com o schiavo e ele é um cara que realmente quer modernizar a cena. propus a ele a criação da universo Paralelo virtual (o [carlos eduardo] miranda [produtor do “acústico” de lobão e jurado do programa “ídolos”, do sbt] está dentro) com um evento grande até o final do ano, um festival. está na hora de verificar as condições de negociação com as gravadoras. elas já não são mais donas da verdade, e seus atuais executivos estão bem mais flexíveis e receptivos a novos métodos e idéias. às vezes me sinto um glauber rocha protopunk, anunciando que o
executivo de gravadora é o novo gênio da raça, eh, eh…
(4) pra mim, pedro, as coisas entre os artistas foram muito simples: quem ficou até o final e quem amarelou. quem ficou foram o frejat, a beth carvalho e o ivan lins, sendo que o frejat foi realmente o único artista com contrato assinado com uma gravadora [ele pega outra rota que não a da pergunta, e passa a se referir à campanha da classe musical em favor da numeração obrigatória dos discos, em 2002, e não ao “marketing da rebeldia” (posso chamar assim?) dos artistas e bandas]. o resto se em borrou todo, se bandeou para um discurso de despotencialização. mas agora, do meu lado, a única coisa que tirei dessa história foi muita vergonha por aqueles que se prestaram a esse papel tao pulsilânime. quanto a fazer marketing interagindo com esses nomes… tô fora mesmo!
(5) eu não posso estar sendo mais claro e sincero com você. posso estar meio pressionado, mas isso já era de se esperar, né? afinal de contas, me encontro num corredor polonês onde nem sempre os fatos correspondem às nossas idéias. por exemplo: sou um cara que todo mundo diz que fala mais do que faz. esse disco, pra mim, é muito importante por trazer à baila minha maneira de fazer música com um repertório que considero bastante representativo. espero que essa ficha caia.
(6) claro! de repente, só uma catarse para nossos pensamentos começarem a aparecer, né?
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pas – legal, vamos para a reta final, então (isso já está graaaaande…).
nem sei se o seu “acústico mtv” parece tão “normal” assim (a parte mais técnica desses processos nunca foi minha especialidade, longe disso), quando enveredo por aí é só no sentido de (hahaha) “todo acústico é (ideologicamente) igual”, mesmo… mas, quanto à pressão, admito que estou fazendo (com certo constrangimento), e sabendo que deve ser o momento em que ela vem de todos os lados – o papo de “lobão mordeu a língua”, enfim, que entendo que seja sentido por você como um corredor polonês (aliás, interessantíssima essa imagem, hein?), mas posso apostar também que você está enfrentando conscientemente e sem ingenuidades. por toda parte, até mesmo [aqui!] no meu blog, surgiram manifestações entre incrédulas, decepcionadas, ressentidas, até agressivas – enfim, aquela indignação passiva de que eu estava falando, que me soa meio parecida com essa música nova do ira! (outra banda que adoro), “o candidato”, naquela linha “todo candidato pede o teu voto, e depois te engana”… (1)
vou lhe fazer então uma última pressão/provocação, voltando desta vez eu a outro slogan da ditadura: a sua descrença na política e nos políticos (ou nos compositores, cantores, jornalistas, críticos de música) não é assim tão ampla, geral e irrestrita, é? digo isso porque estava de manhã escutando o disco novo do canastra, lançado na sua revista “outracoisa”, e vejo lá o patrocínio da petrobras e do ministério da cultura, ao lado do slogan “brasil – um país de todos”, do atual governo federal. no fundo, a nossa santa indignação de classe média sempre posta na sala tropicalista de jantar não é mesmo um pouco da boca para fora, para consumo das massas (ou massinhas), lobão? (2)
e, por fim, acho que já é hora de ir encerrando (da minha parte, me sinto satisfeito e esclarecido, embora ainda mais ou menos confuso). algo mais que você gostaria de acrescentar? Algum balanço a fazer desta nossa entrevista?, foi um corredor polonês?… (3)
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l – (1) bacana, pedro! o que eu estou testemunhando é uma defenestração emocional e burra, do tipo “vai no rock’n’rio”, eh, eh… quando eu te falo esses detalhes técnicos, eles com certeza influenciam no resultado final, como interpretação (você pode imaginar a emoção de um cara como eu cantando “a vida é doce” com aquelas cordas e aquele puta som? a diferenca é da vida para a morte!). você, pedro, pode imaginar o quanto eu estive envolvido emocional e artisticamente nesse projeto? pensar que a gente cultua os nossos melhores momentos ao vivo (até “carcará”…). eu sei que estou passando por um corredor polonês (emocional e
ideológico), e é por isso que não tenho paciência de ouvir essas mumunhas, pois tenho a memória do que foi “performar” esse repertório. quantas vezes eu chorei por pura intensidade. e a alegria dos músicos?… são coisas subjetivas, mas que interferem imediatamente no resultado final. e a perversão do afro-samba de baden powell no “el desdichado”? e o barítono em lugar do sete cordas, e as linhas celtas nos bandolins nos “choros”, e a guarânia paraguaia com viola caipira ao invés de um violão flamenco? quantas histórias ficarão soterradas porque os cânones da crítica musical do país teimam em reverberar trocadilhos infames, piadas patéticas, especulações sinistras? e nossa realidade retumbante de alegria, criatividade e desafio desanda pelas linhas tortas do amanhã… pô, pedro, já que estamos literalmente arreganhados, eu quero que você saiba que, na minha parca concepção, eu fiz um disco emocional, que a maioria das pessoas jamais pensariam em viver, quando muito poder comprar uma cópia dessa aventura. tem músicas nesse disco que superam as versões originais, e é isso que eu sinto em relação ao que eu fiz: algo que tenho carinho e orgulho de ter feito.
(2) não, pedro, é algo bem mais complexo que isso… é quase suicida da minha parte!! eu tenho que levar ferro e cobrança todas as horas que vou negociar. é bem humilhante. e eu te confesso que não tô com muita paciência pra continuar aturando isso, não. pensa bem, eu nunca lucrei nada com isso e neguinho fica tirando onda da minha cara… dá vontade de ligar o foda-se!! afinal, se neguinho tá órfão… eu nunca fui pai de ninguém!!!!!!
(3) a gente está prestes a viver uma nova era de prosperidade e paudurescência. eu ponho o meu na reta como em todas as vezes anteriores. vamos fazer mais história, vamos mudar tudo!!! e tenho dito!
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pas – então tá bom então, lobão! muito, muito, muito obrigado pela generosidade, pela entrevista e pela dedicação em responder as perguntas ao longo dos últimos muitos dias. agora devo demorar um tempinho dando uma penteada nos formatos e padronizações de texto, mas te aviso assim que for ao ar, ok? viva a prosperidade!
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l – valeu, pedro, só queria te dar umas notícias que estão me deixando muito alegre: o pessoal da sony bmg está realmente a fim de realizar um projeto como a trama virtual. eu e o miranda estamos bolando um formato e vamos às primeiras reuniões com a gravadora. está sendo lançado um tal de “cd zero”, que custa r$ 9,99. no meu caso, pedi ao schiavo para testar (o cd tem cinco músicas, tipo um ep) e colocar as canções que não entraram no cd, mais as duas próximas de trabalho. é isso aí, pedro… eu gostei muito dessa conversa, estou muito entusiasmado (como sempre, né?), e vamos ver no que isso vai dar. um forte abraço, fico no aguardo. e… bem,
eu gostaria de que você fosse no show, pô…