mas, já que o assunto encardido da hora é a mediação de conflitos, testemos algumas notas avulsas sobre o show “cê”, de caetano veloso, a que eu assisti ontem, no sesc pinheiros, ali pertinho de um dos rios mais vilipendiados do brasil (o pinheiros, irmão-em-desgraças do rio tietê):

* caetano cantou “nine out of ten”, do disco “transa” (72), e a dedicou à equipe de criação original daquele disco, citando em primeiro lugar o nome de jards macalé; eis aí uma briga histórica aparentemente arrefecida, um conflito aparentemente mediado – e com direta participação da mana maria bethânia, pelo que se sabe. (em tempo: dedicou a mesma música, também, ao maestro jaques morelenbaum, parceiro em tempos bem mais recentes.)

* caetano cantou uma canção inédita, chamada (se consegui apurar direito) “amor mais que discreto”, que (se entendi bem), que legal!, é uma balada triste e abertamente homossexual. bonita, linda, emocionante.

* caetano retomou “o homem velho”, do disco “velô” (84), o que na minha modesta opinião comprova a filiação (ainda que enviesada) de “cê” a “velô”. velocê, mora?

* caetano cantou num teatro, como já havia feito poucos meses atrás, ao conceber um show especial ao lado do filho moreno. tudo bem que melou a idéia-aramaçan de chegar a são paulo por santo andré, pelo grande abc, pela periferia. mas que legal o cara vir voltando a fazer shows em teatros, em vez dos canecões lotados de biritas, tábuas de frios & pessoas acondicionadas feito em latas de sardinha.

* “não me arrependo” começa sampleando lou reed (“take a walk on the wild side”) e prossegue sampleando raul seixas (“cachorro urubu”), não? noviorque É salvador?

* os rocks ásperos de inveja, raiva, soberba, gula (& outros “pecados” capitais) de “cê” soam a estes modestos ouvidos como se oscilassem entre o agradável (às vezes) e o desagradável (muitas vezes). quando raspam no ouvido, o show fica lento, se arrastando que nem cobra pelo chão. (mas isto não é uma crítica, afinal, o que é que a gente quereria, no lugar deles? “tigresa”, “o leãozinho”?).

* “odeio você”, o mais lou-reediano e david-bowieano dos rocks de “cê”, é bem agressivo, do pisca-pisca de luzes às texturas. mas é também o momento mais divertido: não é pouca porcaria ver o cara induzindo a platéia a repetir em coro o verso-refrão “odeio você”, “odeio você”, “odeeeeeeeeio vocêêêêê”. porque, ah, vamos falar francamente, né?, até que enfim ele canta explicitamente esse negócio que alguém já disse, de que “o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões”… é aí que se cristaliza de uma vez por todas o espelho (in)exato entre o c(ê)aetano e a sua platéia, a mais “ame-&-odeie” do brasil… afinal, tipo assim um roberto carlos, quem é que não ama odiar caetano?, quem é que não odeia amar caetano?…

* caetano cantou “como dois e dois” (71), criada para roberto carlos gravar (e também cantada e gravada no ato por gal costa, no show-disco “fatal”) e que nunca antes eu havia ouvido na voz do dono. áspera, dramática, tensa, bonita (só faltaram os “tcharará” da versão de rc, assim como sempre faltam os “blrrrrrrrr” das versões pós-mutantes de “balada do louco”, conforme denunciou outro dia o mutante sérgio dias). e a concluiu de braços abertos sobre a guanabara (do rio pinheiros), feito jesus cristo rendentor.

* o show de caetano tem uma geografia curiosa, especialmente em seu miolo central [“central”, de centro? não foi o lula que disse outro dia que um homem velho, se muito esquerdista, “tem problemas” (suponho que também tem, se muito direitista, ou estou errado?) caetano também É lula?]. tal geografia fixa-se sempre no sexo, mas passeia pelo “chão da praça” baiana, pelo (des)amor homossexual, pelos blogs, pelo samba, por roberto carlos, pelo (des)amor heterossexual, por são paulo, por noviorque, pela triste bahia de londres, por “odeeeeeeio vocêêêê”…

* lá na apca (associação paulista dos críticos de arte), votei contra a idéia de o “cê” ganhar o prêmio de melhor disco do ano, o que pessoalmente acho que chega bem perto da avacalhação [a propósito, meu voto é para “transfiguração”, do cordel do fogo encantado; meu segundo voto é para “falcão – o bagulho é doido”, de mv bill; meu terceiro voto é para “danç-êh-sá”, de tom zé, esse densíssimo lado-b-do-cê]. mas, no fim das contas, feitas as contas, como dois e dois são (…quanto, mesmo?…), nem soa tão (auto)agressivo assim que os críticos da biliosa são paulo tenham escolhido o bilioso “cê” como, er, “disco do ano”… não chego a concordar, mas que faz bastante sentido, ah, isso faz…

[* obs. mais ou menos à parte, na incrível definição que apareceu outro dia na revista “bravo” e com a qual creio que concordo: “caetano veloso é uma neurose da imprensa”. é?… e a imprensa, seria também uma neurose do caetano?…]

* no sambalanço geral, a estes modestos ouvidos & olhos, “cê”, o show do “c”, cansa & emociona. se formos somar em termos qualitativos, mais do que quantitativos, acho até que emociona mais do que cansa. e isso, veja só, mesmo com o cara lá gritando que “odeeeeeeeeeeio vocêêêêêê(s?)”… vai entender…

[* (só mais uma) obs.: a-ha!, ocê vai pular a discussão do tópico anterior, é?!]

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