“carta capital” 395, 31 de maio de 2006. você gosta de cedê?

O CD DESCE A LADEIRA
Pressionada pela decadência do formato, a indústria cede e baixa os preços

Por Pedro Alexandre Sanches

Já vai tarde o tempo em que executivos de grandes gravadoras declaravam em alto e bom som que era impossível reduzir o preço de seus produtos – isso mataria a indústria fonográfica e a própria música, chegavam a ameaçar. Hoje, nas gôndolas das lojas, já é fácil encontrar novidades de Marcelo D2 ou Sandy e Junior por 25 reais, ou um álbum duplo novinho em folha dos Red Hot Chili Peppers por 48 reais (até outro dia, esse seria o preço de praxe de um CD internacional simples).

A tendência é importada do Primeiro Mundo, em que as reduções de preços se mostram ainda mais impressionantes: favoritos de mídia como Morrissey e o grupo Arctic Monkeys já chegam às lojas por 9,99 dólares, no dia do lançamento. O presidente da multinacional Universal Music, José Antonio Eboli, admite com algum constrangimento a mudança geral de discurso: “Tudo é uma questão de adaptação. O mercado é que fala mais alto”.

Parece boa notícia, mas não é tão simples assim: a desvalorização do CD toma ares de canto de cisne. “O CD não morre tão cedo”, afirma Gustavo Horta, presidente da Som Livre (a gravadora da Rede Globo), que logo em seguida afirma: “Se não controlar, a tendência é acabar mesmo”.

Até o DVD, tido como “salvador” da indústria musical em 2004, já é largamente pirateado e ostenta reduções de preço ainda mais velozes que as do CD. A versão especial de Sandy e Junior com CD mais DVD, por exemplo, já chegou aos grandes magazines com etiquetas do tipo “de R$ 49 por R$ 39”. “O drama da gente é que, da classe A para a E, temos a pirataria digital, e da E para a A, a pirataria física. Estamos espremidos entre essas duas pontas”, define o presidente da Som Livre.

Números recém-divulgados pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) atestam essa avaliação. O faturamento do mercado fonográfico brasileiro encolheu 12,9% em 2005. No mundo como um todo, a queda foi de 3%.

Contradição difícil de compreender esconde-se atrás da diferença de queda de arrecadação (12,9%) e de cópias vendidas (20%), o que parece indicar que na temporada 2005 o desinteresse dos consumidores pelo CD possa ter sido “compensado” por preços mais elevados. A ABPD afirma que não e cita que o preço médio de um CD em loja, em 2005, foi de módicos 9,96 reais.

A avalanche de coletâneas “baratas”, tanto em preço como em qualidade, ajuda a entender a média tão baixa, mas confunde o raciocínio de quem vá à loja adquirir os novos CDs de Marisa Monte e Chico Buarque e não os encontre por menos que 37 reais.

“Marisa Monte não é ‘pirateável’, Chico Buarque também não. Eles têm um consumidor de nível educacional maior, que sabe que comprar pirata prejudica o artista”, ajuda a explicar Horta, da Som Livre. Trocando em miúdos: o consumidor que ajuda a combater a pirataria leva como “prêmio” um acréscimo de preço, enquanto sucessos de pirataria como Chitãozinho & Xororó e Pearl Jam saem por 27 reais na venda “oficial”.

Para complicar ainda mais, os critérios que apartam “classe A” e “classe E”, ou “popular” e “sofisticado”, ficam insuficientes para explicar certos resultados, como demonstra Eboli: “Entre as duas versões de Sandy e Junior, é a mais cara que está vendendo mais”. Essa edição de formatos alternativos mais chamativos (e caros) é o que se costuma chamar de “valor agregado”, e é aí mesmo que reside a crítica do dissidente João Marcello Bôscoli, da Trama.

“Em vez de encontrar alternativas para ficar mais criativa, a indústria foi cortando despesas com capa, encarte etc. Seria como se a Disney economizasse nas cores dos desenhos animados”, diz Bôscoli.

Eboli menciona o comportamento de repulsa crescente do consumidor pelo formato CD: “A percepção do consumidor é de que o CD é um produto caro. Mas por 30 segundos de música em truetone de celular ele paga 4 reais, não dá para explicar”.

Bôscoli arrisca uma explicação: “Meus amigos que fazem hip-hop pagam 40 reais num boné, mas não num CD. O CD foi tão mal administrado pela grande indústria que foi perdendo valor, foi se desmoralizando. A lição que o pirata trouxe é de que música tem que ser como água, tem que estar em todo lugar, o preço pode ser menor. O pirata jogou esse vetor para baixo”.

Se o CD só faz perder valor, a indústria busca estratégias alternativas de gerar receitas – até mesmo aquelas mais duvidosas. Uma é bater de frente com o avanço da circulação virtual de música, que na estatística global já gera de 7% a 8% da receita das gravadoras (no Brasil, a conta ainda nem é feita).

Uma das táticas é a da EMI, que a partir do lançamento duplo de Marisa Monte instalou um dispositivo anticópias que impede seu consumidor até mesmo de copiar em seu próprio computador o disco que comprou.

“A proteção anticópia, na minha visão, é inconstitucional”, protesta Bôscoli. “E, pior, ela não adianta nada. Qualquer moleque que tenha entrado duas vezes no computador sabe como contornar. Isso desgasta o artista, o moleque pensa: ‘Pô, o cara tem grana, precisa disso?'”

Outra “inovação” polêmica que a indústria tenta emplacar para estancar a sangria de receitas é a de se tornar “parceira” nos lucros que o artista tem com shows. “A cláusula de direitos pelos shows vale para artistas novos, com os consagrados não temos nem como discutir. Mas ela não é exercida em 99% dos casos, porque são artistas que ainda nem fazem muitos shows. Existe taticamente, para o futuro”, defende Eboli.

Em qualquer caso, é evidente a retração geral, como descreve o presidente da Som Livre: “O aperto é enorme, de 250 funcionários, estamos com 90. De três prédios, passamos para um. Tudo isso acaba tirando dinheiro do bolso de todo mundo, inclusive do artista”. Chega-se aqui, enfim, à ponta dos artistas que se fizeram dentro da grande indústria.

Até há artistas que há tempos já não se ancoram no CD, como é o caso de Paulinho da Viola, que não lança um disco inédito desde 1997. Diz João Bosco Rabello, assessor do artista: “Paulinho tem sua receita em direitos autorais e de shows que nunca deixou de fazer mensalmente, país afora. Como ele diz, ainda tem que trabalhar bastante, aos 60 e poucos anos”.

Caso-exemplo dos novos tempos é o do músico Leandro Lehart, que nos anos 90 foi o maior arrecadador brasileiro de direitos autorais, por conta da explosão de seu grupo Art Popular e de toda uma nova geração do samba (ou do “pagode mauricinho”, segundo rotularam os detratores).

Leandro hoje tem gravadora própria, a Against All Music, pela qual acaba de lançar o inspirado álbum-solo Deixe Eu Ir à Luta, que procura equacionar sofisticação musical que não exibia no Art Popular e o apelo popular que não quer deixar de portar. “Comecei a perceber que não preciso ficar falando de amor o tempo inteiro, como o rádio exige, quando a minha realidade não é assim. O rap é irmão de sangue do samba, muito mais do que se imagina”, diz, falando da linguagem musical e do discurso social hoje presentes em sua obra ao lado das baladas de amor.

“Este é o primeiro disco em que estou arregaçando as mangas, fazendo por mim mesmo o que a gravadora fazia. O investimento é complicado. Se comparar o que gasto hoje e o que a gravadora colocava de dinheiro em rádio, não consigo entender, a conta não fecha. Em São Paulo custa o dobro do que para o resto do País”, afirma, roçando no tema espinhoso do jabaculê.

Lehart reavalia sua trajetória junto à grande indústria: “A EMI fazia contratos milionários com artistas de MPB, e tirava o dinheiro para isso dos grupos de samba. Nós pagamos o contrato de muita gente. Aí, quando o Art Popular passou a não vender tanto mais, não interessava mais a eles, tchau”.

Ele admite que é mais penoso ser ao mesmo tempo artista e empresário, mas diz encontrar soluções tanto na periferia como no centro, ou melhor, em improváveis fusões entre os dois pólos. “Canto no Recife e em Belém para 6 mil pessoas, com ingressos a 5 reais, e ali sou tratado como um deus. É melhor que fazer uma temporadinha para dizer que estou por cima da carne-seca.” Ironicamente, o espaço recifense a que se refere se chama Pagode da Mídia.

Por outro lado, ele foi uma das estrelas da segunda edição do novo programa global de Regina Casé, Central da Periferia, gravado ao vivo em Heliópolis, na periferia paulistana. “Aquelas pessoas ali são 100% das que compram pirata, têm emprego informal, integram um mercado paralelo, que não faz parte de lugar nenhum”, avalia. No entanto, passou na tela mais que central da Globo.

Falando sobre outro assunto (o PCC e a violência em São Paulo), Lehart condensa sem querer contradições como essas e aquelas que fazem a indústria fonográfica baixar os preços de seus antes intocáveis produtos: “O céu e o inferno muito em breve vão ser muito mais próximos do que a gente imagina”.

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Editor de FAROFAFÁ, jornalista e crítico musical desde 1995, autor de "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba" (Boitempo, 2000) e "Como Dois e Dois São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa)" (Boitempo, 2004)

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