série jabá, volume ii, “carta capital” 366, 2 de novembro de 2005. você consome mtv, você é moderno? você está atento para as marcas que a mtv divulga por trás de música e cultura para a nossa linda juventude, ou você às vezes leva gato por lebre ao consumir mtv? você acha que a mtv, mesmo sendo legal e cool e antenada e “do bem” como é, talvez aja às vezes movida por interesses muito mais industriais e monetários que musicais e artísticos?

[ao final do texto, copio do site da “carta capital” as 14 perguntas feitas ao presidente da mtv, andré mantovani. que mandou avisar que não ia respondê-las. a resposta a todas elas, portanto, é a mesma: nonononononononononono nonononononononononono nonononononononononono nonononononononononono]

NOS DOMÍNIOS DA MTV

Por Pedro Alexandre Sanches

No ambiente quase sempre conservador da televisão brasileira, a MTV forma um nicho de resistência para a música jovem alternativa, independente, rebelde, certo? Mais ou menos, se se levarem em conta os argumentos levantados pela comunicadora gaúcha Ana Paola de Oliveira, no estudo MTV Brasil: O Mercado Comercial da Música Jovem, resultado de seu mestrado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS).

A linha condutora do trabalho é a demonstração de como, por detrás da imagem de contemporaneidade e apoio aos novos da rede musical de tevê, se esconde um alicerce que segue à risca os ditames da indústria cultural não só brasileira, mas transnacional.

Ela utiliza uma amostragem de programação musical coletada no ano passado nos programas de videoclipes e/ou paradas de sucessos Disk MTV, Central MTV e Top 20 Brasil. E verifica um predomínio da ordem de 90% de músicas de artistas pertencentes a BMG, EMI, Sony, Universal e Warner, as cinco grandes gravadoras multinacionais instaladas no Brasil (e hoje reduzidas a quatro, pela fusão entre Sony e BMG).

Sem apresentar provas de que exista entre a MTV e as grandes corporações que sustentam sua programação musical uma contaminação promíscua, ela se arrisca ainda assim a utilizar o termo “jabá” para descrever traços viciados da indústria musical e da MTV em particular. “Vi que jabá não é só uma questão pessoal, de presentes e agrados, mas que mudou para uma questão mais corporativista, que chamam de marketing promocional. Na MTV, é uma coisa mais interna, dentro de suas próprias alianças empresariais”, afirma.

“Hoje, a tática das empresas é juntar diversas áreas e dividir custos, benefícios, lucros, assessorias que acabam desaguando para dentro de suas próprias estruturas”, ela continua, usando como exemplo o projeto Acústico MTV, quase sempre uma sociedade entre a MTV e gravadoras multinacionais, para relançar em CD, DVD e programa televisivo versões ultracomerciais, desplugadas e ao vivo, de sucessos de artistas tão variados quanto Gilberto Gil, Rita Lee, Roberto Carlos, Gal Costa, Titãs, Cássia Eller, Marcelo D2, Engenheiros do Hawaii…

No texto, Ana Paola se empenha em caracterizar uma estrutura de oligopólios que interligam em redes de interesses convergentes vários representantes da indústria cultural global. Lembra que a MTV Brasil é resultante da associação entre o Grupo Abril e o grupo norte-americano Viacom, que em www.viacom.com se auto-intitula “companhia global de mídia” e incorpora redes de tevê (CBS, MTV, Nickelodeon), cinema (Paramount), rádio, editoras e parques de diversão. E menciona alianças entre a Viacom e os grupos Warner, EMI, Sony…

A MTV afirma que 70% da filial local pertencem ao brasileiro Grupo Abril e 30% são da estrangeira Viacom, “como nossa legislação pede”. No mais, a rede musical recebeu de CartaCapital uma cópia do trabalho acadêmico e declarou que não se pronunciará sobre ele. Tampouco respondeu a uma lista de 14 perguntas enviadas como tentativa adicional de diálogo, entre elas questões como as que se seguem:

“Na MTV, a programação e o departamento artístico ficam subordinados a acordos feitos pelo departamento comercial, como afirma a autora?”; “o que a emissora diria sobre a conclusão de Ana Paola, de que ‘o discurso democrático da MTV é uma abstração, pois se trata de um canal comercial, e naquilo que é sua essência determina padrões, limitando a difusão e o acesso à diversidade cultural’? Essa crítica de cunho sócio-cultural seria disparatada, ou teria algum fundamento?” (leia a íntegra das perguntas em www.cartacapital.com.br).

Já que as perguntas restam sem ser respondidas, volta Ana Paola, justificando o campo de abrangência da questão: “É um processo pesado, que está limitando a liberdade de expressão dos artistas. Apesar de os gêneros musicais apresentados na MTV serem um pouco diferentes um do outro, o Charlie Brown Jr. cai e vêm os Detonautas, Cássia Eller morre e aparece Pitty, e assim por diante. Não se muda, não se pratica o que chamo de trans-estética, quebrar o que já está pronto”.

O estudo demonstra que, com raras exceções, quem não pertence a uma grande gravadora não consegue entrar nas programações de “sucessos”, nem das rádios comerciais nem tampouco da MTV, aparentemente segmentada, elitizada e menos focada nas medições de audiência.

Também produtora de bandas no Rio Grande do Sul, Ana Paola ainda aborda na dissertação o tema do jabá em rádio, reunindo depoimentos de profissionais como Fábio Massari, que já foi radialista e VJ da MTV, o radialista local Mauro Borba e diretores de gravadoras e músicos gaúchos que falaram desde que protegidos pelo anonimato.

Segundo Massari, “o que é sabido são as gravadoras comprarem equipamentos ou carros para uma rádio, em troca da veiculação dos seus artistas” e “tem uma sutil diferença entre você oferecer uma grana ou trocar favores”.

O diretor artístico anônimo de gravadora diz que “o brabo é quando se chega numa rádio em São Paulo e eles pedem 20 mil reais para tocar duas vezes por dia música”.
Para Borba, “as gravadoras acenam com presentes caros como passagens aéreas, mas nunca me condicionei a tocar uma determinada música” e “já fui a Londres ver o Oasis por conta da gravadora, mas não me comprometi em fazer nada”.

De volta à MTV, Ana Paola também disserta sobre outro hábito arraigado na emissora (e na tevê de modo geral), de implantar diversas modalidades de publicidade dentro da programação editorial e musical, como inserções de marcas de telefone celular na “brincadeira” em certos programas ou distribuição de prêmios aos espectadores, por exemplo.

Sobre essa última, diz Massari na dissertação: “É uma troca de favores editorial. Quem tem mais banca o presente mais legal. Isso faz parte do capitalismo e é inevitável. A idéia é pensar quem consome música e esse tipo de prêmio está valendo no grande jogo”.

Assim, critica a autora, uma imensa legião de artistas descolados da indústria fonográfica multinacional simplesmente fica de fora, ou então é marginalizada dentro de nichos bastante específicos e restritos dentro da MTV.

Um caso desses é o atípico Acústico MTV Bandas Gaúchas, que foi ao ar neste ano, reunindo num só programa Wander Wildner, Ultramen, Bidê ou Balde e Cachorro Grande, de alcance popular ainda limitado e/ou pertencentes ao universo alternativo. O Cachorro Grande é da gravadora independente Deckdisc, que tem tido presença crescente na programação da MTV, inclusive emplacando prêmios importantes à jovem roqueira Pitty nas duas últimas edições do prêmio Video Music Brasil.

O produtor da Deck (e filho do dono da gravadora) Rafael Ramos também dirige projeto recentíssimo, que ostenta importante vulto histórico e documental, o MTV Especial em que os músicos do grupo Capital Inicial voltam às próprias origens na banda punk Aborto Elétrico, que era liderada por Renato Russo (1960-1996).

“Tem sempre essa coisa das amizades. É gente ganhando muito lá dentro e do outro lado uma miséria”, avalia Ana Paola, que, no entanto, não evita visão também autocrítica: “Os alternativos são as pessoas que estão fora. Acredito que muitos deles estão fora e gostariam de estar dentro, assim como há gente bacana no lado de dentro, mesmo que faça esquema”.

Paira no ar o convite feito à MTV pela autora, para que a emissora também adentre os territórios da autocrítica, das ponderações equilibradas entre retrocessos artísticos e êxitos comerciais (ou vice-versa), da reflexão sobre as grandes desigualdades brasileiras, do debate democrático.

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Abaixo, as perguntas que a MTV não quis responder:

1. A MTV reconhece como válidos os resultados da pesquisa da dissertação de Ana Paola de Oliveira, que verifica por amostragem a forte predominância das multinacionais em sua programação? A estimativa dela é de que “90% dos artistas exibidos com maior destaque estão vinculados às empresas transnacionais do disco”. A MTV reconhece a pesquisa e a estimativa da autora? Se reconhece, por que é assim? Se não, como é efetivamente distribuído o cenário musical total do Brasil pela programação da TV?

2. A autora erra ao afirmar que 50% das açõees da MTV Brasil pertencem ao Grupo Abril e que os 50% restantes são do grupo norte-americano Viacom? Como é, de fato, essa divisão?

3. Seja por intermédio da Viacom ou de outras ligações institucionais, a MTV participa de relações interligadas com multinacionais do disco, que justifiquem a posição da autora, de que políticas de alianças entre grandes empresas trariam, no limite, questões da música brasileira para o território de “ações entre amigos”?

4. Mesmo sendo crescente até mesmo em eventos centrais como o VMB, a MTV não considera procedente essa avaliação crítica de que o universo independente tem na rede que supostamente o representa uma participação muito menor do que sua participação efetiva na sociedade brasileira?

5. O que a emissora diria sobre a conclusão de Ana Paola, de que “o discurso democrático da MTV é uma abstração, pois se trata de um canal comercial, e naquilo que é sua essência determina padrões, limitando a difusão e o acesso à diversidade cultural”? Essa crítica de cunho sócio-cultural seria disparatada, ou teria algum fundamento?

6. Sobre a avaliação da autora de que “o público, a produção artística musical, a indústria e os meios de comunicação criaram um vínculo, um grande nó, que se configura numa dependência histórica, social e econômica”, o que a MTV teria a dizer? A interdependência entre MTV, gravadoras, artistas consagrados e grande imprensa musical/televisiva é algo saudável, ou geraria também em seu bojo efeitos negativos?

7. Com a prática de se comprometer mais com o mercadão fonográfico multinacional, a MTV Brasil colabora simbolicamente para que sejamos um dos países líderes em desigualdade social no mundo? Esse dado não contrasta com a imagem de modernidade da MTV?

8. A que se deve a predominância de Sony & BMG, Universal, Warner e EMI na programação e nas premiações da MTV?

9. Na MTV, a programação e o departamento artístico ficam subordinados a acordos feitos pelo departamento comercial, como afirma a autora?

10. Por que, entre as independentes, a Deckdisc vem galgando posições rápidas e mais pronunciadas que as de outras gravadoras independentes junto à MTV? Apóio essa pergunta/afirmação na constatação da presença constante e premiada da Deck no VMB, da presença de Rafael Ramos como produtor de um “MTV Especial” (o “Aborto Elétrico” do Capital Inicial) e assim por diante.

11. O “Acústico MTV” dedicado às bandas gaúchas (conterrâneas, pois, da autora da tese) rompeu uma tradição do formato, unindo num mesmo especial quatro grupos que não são veteranos, extremamente populares e/ou consolidados, e que tampouco possuem contrato com multinacionais. A que se deve essa postura diferenciada nesse caso? É uma exceção, ou indica possíveis novos rumos para a MTV?

12. O texto usa por vezes o termo “jabá”, embora não ofereça evidências ou provas de que a MTV recorra a esse expediente. Por outro lado, trata o “jabá” como “uma prática institucionalizada no início do século XXI, dentro da lógica capitalista, impondo conteúdos midiáticos, relacionando esse processo aos oligopólios mundiais e à circulação de produtos culturais”. Como a MTV se posiciona diante dessas classes de conceito, tanto o “jabá” quanto as “promoções institucionalizadas de marketing”? A MTV as pratica?

13. Tornando mais específica a pergunta anterior: na MTV há contaminação de espaço editorial por conteúdo publicitário? Em caso de resposta negativa, como a rede faz para evitar relações promíscuas entre os dois setores?

14. Por fim, seria possível uma avaliação geral da MTV sobre o trabalho acadêmico que ela motivou? É positivo ou negativo, para a instituição, que sua existência e sua atuação motivem a reflexão e o estudo da academia?

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Editor de FAROFAFÁ, jornalista e crítico musical desde 1995, autor de "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba" (Boitempo, 2000) e "Como Dois e Dois São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa)" (Boitempo, 2004)

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