na “carta capital” 358, de 7 de setembro, dia da pátria, o tema era um dilema que deve ter, assim, uns 505 anos de idade: ser ou não ser… brasileiros?

o motivador central do movimento foi seu jorge, músico brasileiro e ator mundial pós-mundano, ator nativo de “cidade de deus” e tradutor da glitter music de david bowie para o português em farofa gringo-carioca, esse mesmo que olha triste na foto aqui abaixo, extraída do ultra-sarcástico filme transglobal, hollywoodiano do b, “life aquatic with steve zissou”, “a vida marinha com steve zissou”, de wes anderson.


[(quase) nada a ver, mas mark mothersbaugh, da banda new wave devo, é, ao lado de seu jorge, o outro confeiteiro maluco da trilha ultrapop do filme emocionadamente pop de wes anderson. sensacional.]

está aberto o debate, quer meter a colher?

[no setor de bônus, ponto d’ônibus, ao final do texto, depoimentos a mais dos personagens que participaram da reportagem. fala, brasil!]

BRASILEIROS, ESTRANGEIROS
Seu Jorge lidera o bloco dos artistas mais admirados lá fora que na terra natal

Por Pedro Alexandre Sanches

Já vai longe o tempo em que um artista brasileiro precisava se esconder por trás de uma falsa identidade estrangeira para conseguir fama e sucesso, como aconteceu em 1973 com um sujeito chamado Morris Albert, tornado ídolo multinacional com uma triste canção batizada Feelings, mas lançada a partir do então longínquo Brasil. Seu Jorge, um dos artistas pop brasileiros que hoje gozam de maior visibilidade lá fora, é o oposto simétrico: soma conquistas sucessivas justamente por parecer muito, muito brasileiro.

Após a estréia local com o grupo Farofa Carioca e impulsionado pelo estouro no cinema como ator de Cidade de Deus, Seu Jorge pôs o pé na estrada e coleciona, entre seus feitos, um filme em Hollywood (A Vida Marinha com Steve Zissou) e um CD poliglota pelo logotipo francês Favela Chic (Cru, editado agora no Brasil, com um ano de atraso).

Hoje, a frase “o Brasil está na moda” se tornou corrente e faz do músico carioca o ponta-de-lança de uma legião crescente de brasileiros que se espalham pelo planeta sob a tarja orgulhosa de “artistas do mundo” que cantam em português e preservam farto sotaque musical brasileiro. Mas a boa aceitação, centralizada no triângulo EUA-Europa-Japão, não raro implica uma relação conflituosa entre os artistas e suas origens e raízes.

Seu Jorge, por exemplo, resistiu em permitir o lançamento nacional de Cru, porque temia não ser compreendido na terra natal. Não estava de todo errado: o disco divide opiniões e causa reações mal-humoradas de críticos conterrâneos de Seu Jorge.

As versões misturadas de português, inglês, francês, espanhol e italiano que ele tem divulgado, homenageando e subvertendo ícones como Elvis Presley, Serge Gainsbourg e David Bowie, afastam-no do caso Morris Albert, que desde 1987 se viu obrigado a dividir os direitos autorais de seu único sucesso ultramarino com o compositor francês Louis Gaste, que obteve da Justiça o atestado de que Feelings era um plágio.

Mas isso não impede que Seu Jorge se veja às voltas com outro mito, que remete ao caso pioneiro de Carmen Miranda, portuguesa criada no Rio de Janeiro que “perdeu” votos de simpatia na pátria de adoção ao ir cantar louvores e à Bahia nas telas de Hollywood.

Ele discorre sobre as delícias e dúvidas de ancorar sua carreira lá fora e virar, como se define, “um brasileiro no mundo inteiro”: “Isso me traz diversas vantagens, como poder estar situado melhor com o mundo e a música do mundo, me sentir mais universal que territorial. A maior vantagem é ver que, no começo da minha carreira, tenho a oportunidade de lidar com um mundo mais aberto para o que faço hoje. Mas ainda é um começo, não estou certo sobre onde isso tudo vai dar”.

Fica implícita a dualidade entre “um mundo mais aberto” e um Brasil presumivelmente mais fechado que não assimilou sua virada do marginalizado que chegou a morar na rua para o habilidoso cantor e compositor do CD solo de samba e funk e soul Samba Esporte Fino (2001).

Se Carmen Miranda inaugurou o nomadismo musical brasileiro, a identidade original cindida se consolidou com o advento da bossa nova, que fez de Tom Jobim e João Gilberto os mais respeitados músicos mundiais nascidos no Brasil. A bossa produziu verdadeira diáspora de seus integrantes, construída na encruzilhada entre o fascínio estrangeiro pela invenção do “jazz brasileiro” e o estrangulamento patrocinado, aqui dentro, pela ditadura militar.

Sergio Mendes, Astrud Gilberto, Eumir Deodato, Walter Wanderley, Airto Moreira e Flora Purim verteram a bossa nova para o idioma inglês e se foram para nunca mais voltar. Entre bossanovistas que preferiram continuar aqui, como Marcos Valle e Joyce, um novo surto de reconhecimento não-brasileiro cresceu nos anos 90, quando foram redescobertos por jovens músicos e DJs ingleses. Ambos têm gravado seus discos lá fora e distribuído aqui, com atraso, por selos independentes.

“Em 1993, me vi num clube com 2 mil ingleses de 18 a 25 anos dançando minha música acústica. Descobri fãs no rock independente americano, em bandas como Superchunk e Stereolab, que dizem que se identificam comigo porque sou crua, gravo de modo artesanal, sem ranços de produção”, estranha Joyce.

Valle, prestigiado nesses mesmos circuitos, parece atribuir a revalorização também ao flerte constante, em sua música, da bossa branca com a negritude de soul e funk. “A música brasileira tem um frescor, uma sensualidade que não vejo muito lá fora, a não ser entre os negros americanos, que gostam muito da nossa música”, diz, estabelecendo talvez um laço entre marginalizados pela cor da pele e pela nacionalidade.

Outro cruzamento de referências levou Bebel Gilberto ao estrelato forasteiro após duas décadas de tentativas vãs, quando a filha de João Gilberto resolveu imiscuir referenciais eletrônicos na velha bossa nova.

No terreno da música eletrônica contemporânea propriamente dita, o chamado drum’n’bass foi a primeiro plano na cena européia portando identidade em parte brasileira, graças aos paulistanos da periferia Marky e Patife, que embaralharam mais fichas ao incorporar o calor de sambas de Jorge Ben, por exemplo, a suas batidas secas e quebradas.

Marky se refere de passagem a um problema de fundo, que não costuma habitar a fala dos brasileiros do mundo: a necessidade de recibo primeiro-mundista que nos legitime diante de nós mesmos, possivelmente a bordo de algum conflito de inferioridade. “A partir do momento que passei a ser reconhecido na Europa, a crítica brasileira passou a encarar o drum’n’bass de outra forma”, alfineta.

Um exemplo recém-ocorrido é o da anárquica banda punk/new wave paulistana Cansei de Ser Sexy, que alvoroçou formadores locais de opinião após merecer elogios rasgados no semanário inglês Observer. “Eles podem ser a maior banda de todos os tempos a emergir da América do Sul”, exagerou o crítico Peter Culshaw, depois de viajar para cá a convite da gravadora da banda, a Trama. Mas ele não elegeu apenas a garotada paulistana para celebrar o Brasil – seu artigo também extravasou paixão por cenas geralmente ignoradas pela mídia daqui, como o tecnobrega do Pará, o “samba satânico” de Brasília e o funk dos morros cariocas.

Esse último gênero é outro foco profícuo de conflitos. Tido aqui como música de qualidade duvidosa, o funk carioca já foi sampleado por músicos norte-americanos e goza de prestígio crescente nos circuitos modernos europeus – novamente, em parte por causa de brasileiros radicados lá fora. O duo experimental Tetine foi reencontrar em Londres um vínculo com a música brasileira em português, por intermédio da identificação estética e ideológica com o funk carioca.

Eliete Mejorado, uma das metades do Tetine, explora as dualidades: “Sempre me senti estrangeira em vários lugares. Aqui no Brasil me sentia também, e confesso que ainda me sinto em várias situações. Acho que somos brasileiros atípicos na Inglaterra, no sentido de não jogarmos o jogo comercial que querem dos brasileiros, com samba, bossa, violãozinho. Não correspondemos a essa imagem, mesmo estando ligados ao funk carioca. Fico um pouco de saco cheio de ver brasileiro fazendo esse jogo que o gringo quer para ganhar um pouco da raspa da panela, tipo ‘olhem para a gente, estamos prontos para representar o país’. Acho tudo pura subserviência, misturada com falta de personalidade”.

Para Joyce, que considera “sofrida” a vida de brasileiros que optam por viver estrangeiros, o cisma entre o Brasil que o Brasil vê e o que é captado pelo resto do mundo tem raízes mais fundas: “O país todo poderia ser diferente. Olha o que se ouve no Brasil nos últimos 20 anos e o que minha geração ouviu. Se não se dá informação às pessoas, não se formam novos músicos, nem ouvintes. É igualzinho aos caras do futebol. Quando aparece um Robinho, é logo empurrado para fora”.

Mas, se há o descaso do Brasil com seus valores, a recíproca há de ser verdadeira, não? Quem dá testemunho nesse sentido é o jovem DJ Patife, que admite que só foi conhecer o som de Marcos Valle e Joyce em Londres e, sem querer, acaba fazendo um nexo com a armadilha que espreita jovens como os Cansei de Ser Sexy.

“Faltou até certo ponto eu ir atrás, me interessar pela música brasileira. Fui ensinado que o que existe no Brasil não presta, que só presta o que vem de fora. Um dia, estava vendo tevê e vi Wanessa Camargo falando exatamente isso. Quase caí do sofá, pensei ‘caraca, é o mesmo pensamento, ela é igual a mim!'”, surpreende-se e nos surpreende esse Morris Albert às avessas que é herói mundial do drum’n’Brasil.

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seu jorge *

vantagens de ser “estrangeiro”
“ainda é um começo, eu não estou certo onde isso tudo vai dar. o que é certo é que foi a melhor maneira que eu encontrei de me comunicar de um modo saudável com o maior número de pessoas. é sempre uma surpresa para mim e para o público, e tudo tem corrido bem.”

desvantagens de ser “estrangeiro”
“nada, não perdi nada, só ganhei.”

hesitou em lançar “cru” no brasil?
“sim, é verdade, pois o público brasileiro, após ‘samba esporte fino’, tinha uma outra expectativa em relação ao novo trabalho do seu jorge, talvez esperando um ‘samba esporte fino 2’.”

* dá pra perceber que ele respondeu por e-mail, rapidão, meio sem tempo? desvantagens de ser “cidadão do mundo”?…
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marky

âncoras
“discordo que minha carreira seja ancorada lá fora. acho que ela foi fundada por lá. até porque sempre dividi meu tempo entre lá e aqui. a grande vantagem é que existe uma sinergia muito grande entre o que toco e escuto por lá e o que eu toco e escuto por aqui. são opostos que se complementam.”

desvantagens do nomadismo?
“perco festas fantátiscas lá e um pouco do cotidiano com a familia aqui. a maior parte da minha carreira é administrada por aqui mesmo, e perco um pouco a oportunidade de conduzir tudo da minha forma (o que às vezes é até melhor). não sei se há uma perda. há uma troca. uma coisa que eu perco normalente e lamento muito são as festas de aniversários dos amigos e da familia. isso é bem chato.”

brasileiro, estrangeiro?
“sou um brasileiro no exterior que se sente absolutamente em casa por causa dos
amigos, do trabalho e por causa da freqüência quase que homogênea com que fico por lá e por aqui.”
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patife

brasil versus exterior
“desde que tudo isso começou, fico fora do início de março ao fim de abril, do fim de maio ao meio de agosto e do final de outubro ao início de janeiro. lá, minha base é londres, tenho casa em que alugo um quarto, onde tenho roupa, toca-disco. mas, estando lá, é comum eu tocar quinta na alemanha, sexta na iugoslávia, sábado em portugal. já me acostumei com esse ritmo, quando fica tudo calmo vejo um avião passando e já fico com saudade. sou bem sem rumo, desde pequeno estou sempre caminhando, sempre andando. sinto saudade é do sol, da comida.”

vantagens de ser “nômade”
“o sabor do reconhecimento é muito bom. a vida financeira melhorou, comprei uma casa que estou pagando à prestação. mas sou o famoso mão-aberta, hoje mesmo minha conta está negativa.”

desvantagens de não ser “sedentário”
“sinto falta de ter uma rotina, uma agenda montada. não tenho namorada, não me apaixono por ninguém. sinto falta de visitar minha avó, bater perna nas grandes galerias. também há um certo preconceito por eu ser da américa do sul. nos aeroportos, principalmente da frança, itália e alemanha, sou sempre parado, revistado, perguntam direto se estou levando cocaína. perguntam sobre marijuana, não sei se é porque já chego pensando naquilo. fico quieto, deixo o cara me revistar dos pés à cabeça. tenho visto de residente, em londres me sinto em são paulo. me sinto estrangeiro mesmo é em países a que nunca fui. a primeira vez nos eua, nossa, foi esquisita.”

brasil versus mundo
“acho que aqui ainda existe muita resistência ao que é novo. aqui neguinho sempre vê tudo pelo lado negativo. os alemães são incríveis para o experimentalismo, para nossas coisas. lá tudo é muito misturado, as pessoas estão abertas para a novidade.”

música brasileira, música do mundo
“fui conhecer música brasileira lá fora, aqui eu só ouvia música internacional. faltou até certo ponto eu ir atrás, me interessar. o leque se abriu quando fui produzir. essa maior valorização de agora começou muito com lula, ele nos influenciou a dar maior valor para o que é feito aqui.”

rejeição doméstica
“vi zezé di camargo dando uma entrevista na tevê cultura e dizendo: ‘o negócio é o seguinte, os críticos, jornalistas e apresentadores recebem meu disco de graça, vão ao meu show de graça, não gostam da minha música e falam mal dela. o que eu posso fazer se eles falarem mal?’. existe isso também, mas eu não posso reclamar, em geral sou bem tratado pela imprensa.”

extra! bônus do bônus: o novo disco
“será o primeiro todo idealizado, arranjado e produzido por mim. tem participações de trio mocotó, max viana, laura finocchiaro, um grupo afro da bahia. vai mostrar ainda mais minha mistura. fiz uma versão de ‘overjoyed’, de stevie wonder, uma de ‘que pena’ (de jorge ben) com wilson simoninha cantando. o trio mocotó canta ‘que é isso, menina’, uma música de um grupo dos anos 60 chamado the pop’s.”
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bruno verner (tetine)

vantagens da “ciganidade”
bruno verner: “a maior vantagem foi expandir o nosso universo de maneira mais eficaz como grupo, digo, fazendo o que a gente tava a fim… foi um pouco como tirar o próprio tapete… queríamos tocar em outros paises, nos envolver com outra culturas, mostrar o tetine do jeito que fazíamos aqui sem necessariamente ter que corresponder as expectativas que as pessoas têm do brasil, ver e sentir as diferenças em outros contextos, testar um monte de coisas novas, quebrar a cara e nos misturar mesmo. e foi isso que a gente fez quando decidimos permanecer na inglaterra depois dos primeiros 9 meses que passamos lá pra fazer residência na queen mary. achávamos que se voltássemos naquele momento, talvez o tetine se perdesse, digo, não tivesse para onde ir… artisticamente, a mudança de país foi muito importante. como artistas, continuamos a trabalhar de modo independente, mas de maneira mais profissional. pela primeira vez entendíamos que era possível ter espaço para um grupo como o tetine, que existia a possibilidade de continuarmos tendo independência em relação a nossa música sem ter que entrar no esquemão e ainda existir dignamente como grupo. essa noção a gente só teve mesmo quando fizemos o ‘samba de monalisa’ com sophie calle, que foi uma experiência incrível. para a gente ficava claro que dava pra se envolver mais com as artes do jeito que sempre imaginava e ainda ter como viabilizar discos mais experimentais e conceituais. eu me lembro em 98, essas coisas pra gente eram muito complicadas de fazer aqui. apesar de eu achar que de alguma maneira a gente já fazia, principalmente a conexão toda com as artes e com o lado mais experimental do tetine. só não tínhamos era boa distribuição, vários lugares pra tocar ou galerias que estivessem interessadas nas paradas entre som e imagem etc. ainda não rolava nada disso, não existiam os festivais de hoje. mas a gente agia como se fosse tudo muito normal… o que era legal por um lado porque tinha muita ingenuidade e vontade de fazer mesmo, mas também era muito frustrante porque chegava uma hora que você não tinha mais pra onde ir. talvez ficássemos para o resto da vida dando murro em ponta de faca.”

“a percepção que você tem do seu país quando esta vivendo em uma outra cultura fica aguçadissima. moramos numa área extremamente multicultural de londres, na parte leste da cidade, de onde vem toda a cena do grime, com os negões de carro, e os ghettoblasters, e tal. ao mesmo tempo é onde vivem os artistas e a comunidade asiática mulçumana. nos acostumamos a nos movimentar dentro dessa área e acho que isso acaba influenciando no modo de ver as coisas.”

perdas & danos
“uma coisa legal no tetine foi que não perdemos o contato com o brasil. nunca quisemos perder o contato. lançamos a maioria dos nosso discos aqui e meio que continuamos a nossa história mesmo estando longe. sinto que nosso público acompanhou tudo isso. também acho que a [gravadora] bizarre foi importante lançando nossos discos aqui, a gente vindo sempre tocar, continuando de maneira quase caseira mesmo. em termos de perda, acho que é uma coisa mais emocional que você tem com os lugares e pessoas. as perdas são as relações mais diretas com as pessoas, os amigos.”
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eliete mejorado (tetine)

brasileiros, estrangeiros?

“na inglaterra também sou estrangeira, e isso significa várias coisas. sou estrangeira em status, como brasileira, e estrangeira metaforicamente também. por um lado você tem a possibilidade de olhar as coisas de fora com distanciamento. do mesmo modo, o seu senso crítico, político e artístico fica aguçadíssimo, o que na minha opinião é uma coisa positiva.”

fariam funk carioca se não tivessem saído daqui?
“é difícil responder isso, não dá para prever. mas no fundo acho que acabaríamos caindo no funk carioca, sim. o funk tem a ver com o tetine de um monte de jeitos, o funk é que nem eu, não tem vergonha na cara. diz o que diz porque precisa, é urgente. é direto, é político. a nossa identificação com o funk veio pela bateria eletrônica, pelo tamborzão e pela relação com o electro e o miami bass. pelas meninas com toda aquela atitude, pelo sexo e pela falta de pretensão que faz do funk um tipo de música extremamente sofisticada. os artistas de funk ainda não são totalmente digeridos, apesar da classe média consumir. se você analisar bem, ainda hoje vai encontrar gente dançando, mas não levando o funk em consideração como
música. falo isso porque ainda hoje vejo pessoas me perguntando se é realmente sério esse nosso envolvimento com o funk. as pessoas ainda resistem muito e não têm muita opinião formada sobre o funk como musica eletrônica de qualidade. o funk ainda circula independentemente dos grandes veículos, mesmo com a globo, novelas etc.”

m.i.a. versus deize tigrona
“eu acho ótimo o fato de m.i.a. usar um sample do funk na música dela. o funk também faz isso. e viva o sampler, e viva a mistura! isso é o que eu mais gosto. o problema é o modo como o brasil digere isso. outro dia fui à fnac aqui em são paulo e tocava a música que a m.i.a. sampleou da deize tigrona. estava tipo num loop sem parar, para vender o disco dela. e quando começou a introdução eu falei ‘que maravilhoso, o brasil já toca funk até nas lojas!’. mas era a versão dela. aí fui até o vendedor perguntar se ele tinha musica da deize ou outros cds de funk na loja. ele me olhou estranho e disse assim: ‘só no camelô, dona’. o brasil é o único país que importa seu próprio produto. o brasil precisa de importação para dar valor. o que vem de fora vale mais porque custa mais caro. será? isso é o que me pergunto. se o dj daqui que gosta de britpop for para londres você acha que ele vai tocar suede fácil lá no clube da moda? nunca, nem que o mundo caia sobre mim! desses eu conheço um monte. no entanto, aqui convidam djs internacionais para tocar funk carioca, para legitimizar o estilo como música eletrônica para a classe média! jesus!, como diria tati quebra-barraco. lick my favela!”
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marcos valle

no brasil
“moro aqui mesmo, por causa dos filhos, e tenho prazer de gravar e lançar aqui. os três últimos discos saíram por gravadora européia, mas gravo aqui, como se fosse para o brasiol, com músicos daqui e todo um clima brasileiro. passo muito mais tempo aqui, em geral faço duas turnês européias por ano, uma ou duas no japão, os festivais de verão, para 6.000 pessoas por show. em geral são quatro meses fora, o resto aqui.”

no mundo
“a primeira vez que fui foi nos anos 60, gravei dois discos lá. sergio mendes queria muito que eu ficasse, mas eu não agüentei. era uma coisa muito profissional, de terno e gravata, essa não é a minha cabeça. eu não tinha essa coisa do sergio mendes, de objetivos comerciais, de mercado. eu não planejava, a coisa estourava e eu ia atrás. se eu planejava, não dava certo. a bossa nova não tinha muito esse lado comercial, a gente não sabia muito disso. tudo era feito mais para impressionar a nós mesmos.”

saudade
“quando tive saudade, a música que eu fiz longe foi ‘viola enluarada’ (1968). meus discos mais recentes são mais de samba que de bossa nova, minha tendência é cada vez trazer mais para perto do brasil. tenho também essa coisa com o baião, antes de samba a música que eu gostava era o baião. comecei ouvindo luiz gonzaga e jackson do pandeiro, fui tocar acordeom por causa deles.”

discos lá fora, discos aqui
“eles querem que demore mesmo para ser lançado aqui, porque têm medo da exportação daqui para lá, por preços mais interessantes.”
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joyce

no mundo
“eu sou a retardada da bossa nova, a mais nova dos mais velhos. nunca morei fora, o máximo que passei foi seis meses em nova york. comecei a tocar mais lá fora no meio dos 80, no começo foi uma surpresa. o disco que detonou foi ‘feminina’, que tinha ‘clareana’, mas também várias músicas mais rítmicas. primeiro chegaram os aficionados por mpb, o pessoal do jazz, fiz três discos pela verve a partir de 1990. minha associação com a bossa nova é maior aqui, lá chamam de ‘hard bossa’. nunca fiz nada com música eletrônica, mas começou a aparecer uma garotada esperta, interessada, conhecedora de música. tudo foi se intensificando, inclusive o dinheiro (ri).”

os jovens
“lá fora há esse apelo dançante, e é a garotada do piercing e do cabelo roxo que gosta. é um crossover maluco, porque é uma cena de formadores de opinião. foi para mim que pediram primeiro os contatos de marcos valle e edu lobo. o que falei que ia rolar foi o que rolou mesmo: um adorou e o outro não quis, ficou grilado com a idéia de dançarem a música dele.”

brasil versus mundo
“entre os dois públicos há uma diferença de percepção, de faixa etária, de compreensão da música. lembro sempre uma frase do hemingway, que dizia que as pessoas gostavam dele pelos motivos errados. não vou dizer ‘errados’, mas inusitados. a frança gosta muito do ‘exotique’, a inglaterra não, lá quando gostam mergulham de cabeça, a fundo. o japão tem espaço para a música brasileira, mas na verdade tem espaço parta todo tipo de música, tem cena de tango, é um público muito aberto. aqui há coisas espetaculares, mas o brasil não conhece o brasil, como escreveu aldir blanc. minha história é antes e depois de londres. se radicar lá fora é muito sofrido, as pessoas ficam muito saudosas, não é fácil. eu consegui o melhor dos dois mundos, viajo omundo inteiro, não só no circuito helena rubinstein. canto na estônia, na eslovênia, na macedônia. na questão do disco, tenho uma vantagem que é de não depender do mercado brasileiro para sobreviver. isso não tem preço. faço como quero. se dependesse do mercado daqui estaria regravando ‘clareana’ até hoje. aqui todo mundo só quer apostar no conhecido. criticam artistas por ficarem só se regravando, mas muitas vezes o cara tem um monte de coisa guardada e o mercado só quer regravação.”

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