agora que a “matriz” rompeu o tabu, aposto que mais cedo ou mais tarde alguém da “filial” brasileira acaba seguindo o exemplo de mr. bob dylan, que em “crônicas – volume 1” (2004, publicado aqui-agora pela editora planeta) traz a público alguns dos demônios, inconvenientes e apuros por que costuma passar um herói das multidões.

olhaí a lindeza que transparece de uns trechos em que o bob dylan dos anos 2000 se refere ao bob dylan que chegava ao final dos anos 80 vazio, extenuado – e consciente da pasmaceira que envolvia tudo o que ele andara fazendo nos anos anteriores (em negrito, reflexões que me parecem de especial beleza-clareza-tristeza):

“eu me sentia acabado, um traste vazio completamente consumido. (…) Onde quer que eu vá, sou um trovador dos anos 60, uma relíquia do folk-rock, um artesão da palavra de tempos passados, um chefe de estado fictício de um lugar que ninguém conhece. estou no inferno do esquecimento cultural. tudo e mais um pouco. não consigo me soltar.”

“estava tudo despedaçado. minhas próprias canções haviam se tornado estranhas para mim, eu já não tinha habilidade para tocar seus nervos expostos, não conseguia penetrar além das próprias superfícies. não era mais o meu momento na história. o que eu cantava tinha se tornado vazio e sem coração, e eu não agüentava mais esperar para desmontar o acampamento e me recolher. (…) eu era o que chamavam de maduro demais. se não tomasse cuidado, acabaria esbravejando aos berros com as paredes. o espelho havia girado ao contrário, e eu podia ver o futuro – um velho ator furungando em latas de lixo do lado de fora do teatro de seus triunfos do passado.”

uau, isso é o que eu chamaria de arte a serviço do anti-ilusionismo. arte que não existe para enganar, mas sim para mostrar como a medula do mundo é. nada de heróico, nada de infalível, nada de sobre-humano. a vida como ela é.

aliás, quem é fã fervoroso de algum escritor, cantora, compositor, atriz ou outro totem qualquer poderá levar um baita susto ao espelhar seu próprio ídolo em mr. dylan, que com as seguintes mesuras trata alguns de seus admiradores mais fanáticos:

“mapas rodoviários com a localização de nossa propriedade rural devem ter sido enviados para as gangues de periféricos e drogados de todos os 50 estados. Parasitas em peregrinação vinham de longe, até da califórnia. imbecis invadiam nossa casa a qualquer hora da noite. de início, eram apenas nômades sem-teto entrando ilegalmente – parecia bastante inofensivo, mas enmtão os patifes radicais em busca do ‘príncipe do protesto’ começaram a chegar: personagens de aparência indescritível, mulheres com aspecto de gárgula, espantalhos, vadios à procura de festa, de uma boca-livre. (…) eu queria mandar bala naquela gente”.

[e olha como bob se refere a outro ídolo, seu “amigo” bono, do u2: “passar o tempo com bono era como jantar em um trem”, hahahahahaha.]

não, definitivamente a idolatria não é um hábito saudável – nem para quem se cultiva como ídolo, muito menos para quem cultiva idolatrar…

[ah, e sobre os críticos, idólatras ao avesso, olha só o que mr. dylan pensava àquela altura: “a maioria dos críticos de música não passava agora de relações públicas”.]

ai, ai, torço ferozmente para que o brasil tope aderir à vanguarda do anti-ilusionismo, trocando as ilhas de caras pelas ilhotas do coração…

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