putzgrila. eu noticiei as desavenças, na época em que a velha coluna “ruído” ainda existia, pois agora também quero ter a honra de noticiar a reconciliação! é que, parem as máquinas!, recebo por intermédio da biscoito fino (alô, incansável julio moura!) um recado de jards macalé, dando conta de que é encerrada sua animosidade com caetano veloso, que durava desde 1972, quando juntos os dois fizeram “transa”, um dos discos mais importantes da história do (não)brasil – e de cujas formas geométricas concretistas o nome do diretor musical macalé veio a misteriosamente, num plim, desaparecer.

é preciso recapitular.

em novembro de 2003, caetano veloso lançou o livro “letra só”, em que faz acompanhar as transcrições de alguns de seus poemas musicais de inéditos, reveladores e ainda mal assimilados comentários de autor. ao escrever sobre a linda balada deprimida “esse cara”, que inicialmente seria musicada por macalé, caetano diz assim, em “letra só” (“ele” é jards macalé, cê tá entendendo?):

“um dia, de madrugada, ele veio do quarto dele e disse assim: “olha aqui, eu não vou fazer isso, não, porque depois essa letra vai ficar com o meu nome, e eu não me sinto bem”. isso porque os amigos dele, cariocas, podiam achar que aquilo era coisa de veado, qualquer coisa assim. (…) bethânia gravou e arrebentou.”

no desenlace do drama, e “esse cara” nasceu do ventre de maria bethânia, que a gravou no disco “drama” (mais ou menos ao mesmo tempo caetano também a cantou, mui tristemente, no show-disco “caetano e chico juntos e ao vivo”). 1972 foi o ano de lançamento de que todos esses discos (como também de “transa”).

em entrevista com caetano, na ocasião da edição daquele livro “letra só”, obviamente perguntei sobre o caso, e a resposta (publicada na “folha” de 15 de novembro de 2003) do tropicalista ex-exilado foi curta e neutra:

“fiz a música que ele não quis fazer e continuamos em londres, tocando juntos, nos divertindo, conversando até de madrugada. ele morava na minha casa. não houve nenhum momento de animosidade por causa disso, não houve briga”.

pouco depois entrevistei também macalé, a propósito de uma homenagem a waly salomão que ele anunciava (e que ainda não saiu, mas vai sair em breve, pela mesma biscoito fino que hoje é o castelo real de mana bethânia). saiu assim, na “ruído” de 28 de novembro:

“será um caderno de canções da parceria com waly salomão (1944-2003) o próximo trabalho de jards macalé, 60, com inéditas e revisões de clássicos da estirpe de ‘vapor barato’. ele pretende convocar para as gravações grupos jovens do underground, como o carioca vulgue tostoi e o paulista numismata.
e macalé vem a público reagir contra trecho do livro ‘letra só’, em que caetano veloso menciona sua recusa em musicar a letra de ‘esse cara’, em 72, porque supostamente traria uma conotação homossexual.
macalé atribui a ‘zanga’ do colega a uma cena do filme ‘o amuleto de ogum’ (74), de nelson pereira dos santos, de que ele cuidou da parte musical.
‘coloquei ‘esse cara’ cantado por bethânia numa cena em que anecy rocha, irmã de glauber e ex-namorada de caetano, usava um bigode postiço. deve ser por isso’, afirma, sem mais esclarecer sobre a célebre briga que o afastou do círculo da tropicália e tirou seu nome dos créditos de ‘transa’ (72), de caetano.
por enquanto, o artista relança em cd ‘contrastes’ (77), cuja capa fora embargada pela escritora ana miranda, sua ex-namorada. abaixo, a capa vetada por ana e a alternativa criada pela gravadora dubas. [a coluna reproduzia as duas capas, do fogoso beijo na boca entre jards e ana em 1977 e da solução encontrada em 2003, de apagar da foto a imagem da moça, simulando que o instantâneo houvesse sido queimado, provavelmente por causa de algum cisma amoroso.]”

pois foi maria bethânia, a cantora de “esse cara” (“ah, esse cara tem me consumido/ com seus olhinhos infantis/ como os olhos de um bandido”), quem acabou quebrando gelos que se cristalizavam desde o século XX. interrompeu o fluxo interrompido entre macalé e o grupo baiano, gravando no disco mais recente uma parceria de vinicius de moraes com o ex-(quase-)tropicalista carioca, que lá no início também dirigira shows da carcará. bethânia não só gravou, como incluiu a dita canção no show agora em cartaz. e macalé foi assistir ao espetáculo (pródigo em citações a brigas e reconciliações e a “esses caras” e a “estranhos rapazes”). no mesmo dia em que caetano também estava lá.

muito mais não sei. mas recebi o recado de macalé (alô, queridíssimo macalé! saudades de itamar assumpção, não?…), que não copio aqui porque não tenho sua autorização. o fato é que ele, brincalhão, comenta o fato de eu ter um blog (“meu deus, o que poderá acontecer…”) e, tchararan!!!, conta das pazes seladas.

[para uma aula histórica, im-pres-cin-dí-vel, sobre o que nos dão e o que nos tiram essas convulsões entre parceiros geniais, recomendo vivamente a leitura de “donato vs deodato”, texto do blog do (anti)astro pop brasinglês ritchie. é um verdadeiro tratado sobre paranóia & pé no chão, pena que deixe em suspense as dobraduras e desdobraduras do que teria sido/seria/foi/é/será uma parceria entre… ritchie e joão donato (que é ex-parceiro do depois amigo de björk eumir deodato e é atual melhor amigo musical de marcelo d2)! não vejo a hora de ler a (auto)biografia do ritchie…, será que ele vai escrever?]

pode parecer meio fútil tudo isso (até é), mas é que a mítica dessas guerras e armistícios é tão crucial para a compreensão do que é a parene montanha russa de ascensões-e-quedas a que chamamos cultura brasileira… os tapas & beijos entre caetano e macalé passam em minha mente uma tela grande, como num filminho de nelson pereira dos santos, em que se projetam slides de gilberto gil & tom zé, gilberto gil & paulinho da viola, paulinho da viola & caetano veloso, tom zé & jards macalé, joão bosco & aldir blanc, arnaldo baptista & rita lee, tim maia & roberto carlos, roberto carlos & ritchie, roberto carlos & todo mundo… por trás e na superfície da tela de projeção, vislumbro ela, sempre ela: maria modernista (a propósito, um dia ainda havemos de conversar sobre maria bethânia & elis regina & gal costa…).

eta, eta, eta, será que nossos pais ainda são os mesmos e vivem como nós?…

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Anteriormaria modernista
Próximoqueremos colo
Editor de FAROFAFÁ, jornalista e crítico musical desde 1995, autor de "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba" (Boitempo, 2000) e "Como Dois e Dois São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa)" (Boitempo, 2004)

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