foto: jatobá madeira/aêê


Deus era corinthiano. Jesus, palmeirense, e a Virgem Santíssima era sãopaulina (aquele santo velhinho no escudo é um erro conceitual).

Deus jura de pés juntos que nunca intercedeu pelo Timão, mas no Paraíso as pessoas – ou entidades, como queiram – acham que muitas vezes os juízes de futebol são crucificados por atos e omissões que nem sempre decidem sozinhos…

Jesus amargava certa depressão. Achava que o Verdão andava pagando pelos erros de toda a humanidade futebolística nesses tempos recentes. Estava tão sem inspiração que nem lhe ocorreu tentar alguma das intervenções malandras do passado, quando exortou o anjo Gabriel a voltar à Terra e fazer uma mandinga em certa maternidade, gerando um jogador fenomenal de vocação palestrina que, pela habilidade, chegou a ser chamado de O Divino.

Deus condoeu-se do abatimento do filho. Não ficou com dó imediatamente. Primeiro, martelou na cabeça do barbudo que ele tinha procurado pelo seu destino, que sempre tentou que torcessem pelo mesmo time, que ele podia até ter escolhido a Portuguesa, mas o Palmeiras? Sandice. Sua rivalidade, em alguns momentos, quase causou uma reedição do discurso do Monte das Oliveiras (“Pai, afasta de mim essa taça!”, rascunhou Jesus em seu iPad).

Mas Deus é pai e, no final, resolveu mexer os pauzinhos para que o Verdão readquirisse algum protagonismo – pelo menos no final do campeonato.

Para tanto, Deus incumbiu São Pedro (que era santista) de planejar a reviravolta que daria novo ânimo a Jesus de Nazaré, digo, Jesus da Turiassu. São Pedro não gostava muito daquela espécie de CBF do Céu, sempre tentando interferir, sempre defendendo o peixe e o vinho dos poderosos. Na sua insubordinação calada, São Pedro até já tivera sonhos delirantes. Sonhou que voltava à Terra e dissolvia a igreja da qual fora o primeiro papa, e criara outra, a Igreja de Pelé dos Últimos Dias, que se ocuparia de cultuar o Maior de Todos – feitos dos quais até Deus duvida (vive vendo os tapes para apontar defeito).

Mas São Pedro nunca foi louco de desobedecer o big boss. “Religião e futebol não se discute”, balbuciou, tentando passar confiança ao Todo Poderoso Torcedor. Desceu à Terra, filou a tabela do campeonato de um mendigo que dormia na Sé (“Não paga a diária há semanas, ficamos quites”, disse ao despossuído). Concluiu que não conseguiria levar o Palmeiras nem para a Sul-Americana, que dirá recuperar aquele time. A tarefa era hercúlea – nem com mil gladiadores, que dirá com um só, pensou.

Foi aí que teve a idéia de operar alguns milagres – o último foi o gol do Vasco quase nos estertores da pelada. Achava que Deus iria ficar contente se fosse ao menos confiada ao Palmeiras a tarefa de decidir o campeonato.

Subiu aos céus, mas não está sentado à direita de Deus Pai, muito pelo contrário. Deus ficou furioso com o arranjo. “Não era isso que eu tinha em mente, Pedro!”, berrou. E aquele papo de que ele, apesar de torcedor, sabe manter a isenção divina?

Tem uma semana que Jesus anda pelo Paraíso com um sorriso de orelha a orelha, vestido com a camisa 20 de Marcos Assunção. É como se esperasse ressuscitar no sétimo dia. Deus está numa apreensão inacreditável, nem parece que é o Todo Poderoso e o Clarividente Supremo. Anda consultando búzios e contam que já o viram lendo a coluna astrológica de Susan Miller outro dia. São Pedro está meio acabrunhado e com a auréola na mão: escutou o Todo Poderoso resmungando baixinho que, se algo der errado nesse domingo, vai providenciar a beatificação, ainda em vida, de um tal de São Lionel. Será que falava do Lionel Richie?

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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