Queridos músicos do Brasil, andam dizendo por aí que a crise da cultura é coisa do passado. A música está em alta, os brasileiros estão a consumindo adoidado e nunca foi tão fácil produzir e gravar um disco nessa era digital. Ou seja, se ainda continuam sem mídia, a grana está curta e o cachê dos poucos shows agendados mal dá para dividir entre todos os membros da banda, então é hora de dar razão aos seus pais que já alertavam: “Filho, mas música?” Estourar, fazer sucesso e se tornar popular são expressões cada vez mais repletas de outros sentidos – e não necessariamente lucrativas – nesse novo cenário de produção artística. E é em busca desses outros sentidos que especialistas vêm debatendo o assunto no Seminário Internacional Música Independente no Contexto Pós-Crise. O evento na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de apenas dois dias, termina hoje, novamente com transmissão pela web (a partir das 9 horas, neste link).
Ontem, permitam-nos pinçar apenas alguns apontamentos, a tônica principal foi como chegar lá. Se as gravadoras, rádios e TVs perderam sua centralidade, ou quase exclusividade como canais de distribuição e divulgação musical e, ao mesmo tempo, novas plataformas digitais surgem para ampliar o acesso direto ao público, por que então o osso ainda continua duro de roer? Por que quem faz música independente, que por tantos anos viveu à espera desse dia repleto de possibilidades democráticas, mantem-se dependente de outros agentes que o façam vingar? Ouviu-se de Oona Castro e Olivia Bandeira de Melo, representantes do site Overmundo, que muitos artistas do tecnobrega, do funk ou do forró de Manaus chegaram lá graças a um novo tipo de mercado construído por eles próprios e centrado mais na realização de shows do que na gravação e venda de CDs e DVDs. “Há uma reintermediação da cadeia, com novos agentes atuando nesse mercado, promovendo as pontes, mesmo que não seja uma cadeia linear, mas esses novos agentes têm feito a informação circular”, diz Olívia.
E quem seriam esses intermediários? Olívia afirma que no tecnobrega eles podem ser desde os empresários que organizam as grandes festas de aparelhagem, capazes de determinar o que vai estourar na cena cultural de Belém, até os DJs de coletâneas, porque definem quais bandas vão ganhar mais esse tipo de visibilidade (que não é pequena, diga-se de passagem). Na internet, a pesquisadora lembra que também há a figura de intermediários globalizados, que vão desde os sites YouTube, Last.fm e o próprio Google, com seus mecanismos de busca. “Com a diminuição da força das gravadoras, a tecnologia é a atual grande força. Desde os pequenininhos até os grandes influenciam o mercado como um todo.”

O baterista e percussionista Leo Morel, autor do livro “Música e Tecnologia”, fez questão de ressaltar que o Brasil ainda é um país muito ligado ao rádio e à TV e que, para qualquer músico que queira mostrar, de fato, o seu trabalho, sempre vai chegar o momento em que é hora de “conversar” com os veículos tradicionais de comunicação. “Ainda somos reféns de uma indústria opressora, bastante restrita e totalmente capaz de redirecionar o gosto popular”, ele alerta. Como vivemos um momento de ruptura com o modelo antigo, é hora de discutirmos também os acessos ao rádio e às emissoras de televisão, porque a democratização proporcionada pela internet não é capaz sozinha de romper as assimetrias de acesso à indústria cultural. “O operacional do século passado vai continuar trabalhando e eles não vão largar o osso.” Para o pesquisador Samuel Araújo, da UFRJ, valeria a pena se espelhar no exemplo da Suécia, que criou uma política pública para a criação de estúdios públicos voltados à música independente só depois que jovens realizaram passeatas contra a mercantilização da música (alô, organizadores das marchas no Brasil?!).
O poder público, lembra Samuel, que poderia ser o potencializador de iniciativas culturais inovadoras e diversificadas, é o grande omisso em toda essa história. Se de um lado há o retrocesso até na discussão sobre a questão dos direitos autorais (tema debatido ligeiramente no seminário), de outro o governo fecha os olhos para o grande debate sobre a produção cultural brasileira em tempos de pós-crise. É como se mainstream e underground fossem a lógica única do mercado. Mas iniciativas promovidas pela população dizem que não. É o caso do funk, do tecnobrega e de tantos outros fenômenos e produções culturais que surgem das periferias brasileiras. Veja o caso do Festival de Rock da Maré, promovido em 2009, com dez bandas que tocaram na Avenida Brasil, na altura do Viaduto de Manguinhos, na zona norte do Rio, para um público de cerca de 400 pessoas (e ignoremos quem desdenhe desse público). No próximo dia 29, vai haver a segunda edição do evento, cujo tema será o direito à cidade. Num território que vive entre a escopeta da polícia e o fuzil dos bandidos, com a inevitável incursão do Caveirão, é de se brindar que a música (independente) represente o elo que faz com que moradores se mobilizem para buscar sua identidade. E é uma identidade que quer apenas um lugar ao Sol. Jefferson Andrade, do Passarela 10, grupo de música instrumental do Complexo da Maré, afirma que a busca por associação pode ser o melhor caminho para que a distribuição das músicas seja um pouco melhor e para que as ideias, canções e produções como um todo possam circular mais. “Também temos o desejo de participar desse mercado, de experimentá-lo. O mercado é o lugar das trocas”, afirma.
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