
“Sólo quiero, al final, clavarle en su pecho frío el mismo puñal que llevo en el mío”.
Há 24 anos, a canção da banda uruguaia Buitres (significa abutres, em espanhol), Yo No Voy a Morir, queima como ponta de cigarro a consciência das plateias jovens sul-americanas, arredondando a mística de uma das bandas seminais da bacia do Rio de La Plata, há três décadas e meia na estrada.
E, dos casacos puídos dos lúmpen-rockers do Ramones, surgiu em 1987 na Argentina um grupo de vigorosa correspondência ao punk anglo-falante, o Attaque 77, há 38 anos ensandecendo plateias.
Agora, os lendários Buitres e uma pequena dissidência do Attaque 77 (o grupo Lucho al Attaque, banda do veterano baixista Luciano Scaglione), que figuram entre os mais tradicionais e longevos atos do rock hermano, pegarão a rota para uma pequena cidade do interior do Paraná, Paraíso do Norte (14.023 habitantes, segundo o censo de 2022 do IBGE), para o festival mais instigante e insólito do interior brasileiro, o Paraíso do Rock. A partir de hoje, 16 de outubro, e nesta sexta, 17, e sábado, 18 de outubro, a cidade espera uma invasão roqueira – atrás dos Buitres só não vai quem já morreu, avisou uma galera do Rio Grande do Sul que (há um mês) já estava preparando as malas. O camping no CTG São Jorge, que abriga os shows, é gratuito, com energia elétrica, banheiro e chuveiro com água quente. Não se pagam ingressos.
Além dos veteranos do rock vizinho, dois astros da revolução do manguebeat nordestino brasileiro, movimento que mudou a face da música mundial nos anos 1990, estão no line-up do festival: os pernambucanos Otto e Lúcio Maia. Otto Maximiliano Pereira de Cordeiro Ferreira pontificou nas primeiras formações da Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A (como percussionista, integra os dois primeiros discos do grupo). O guitarrista Lúcio José Maia Oliveira integrou a Nação Zumbi de sua formação original até 2020, assim como o Mundo Livre S/A. Tocou também com Seu Jorge, Marisa Monte e Max Cavalera. É como colocar lado a lado a sanha guerrilheira de Tacuarembó e Sierra Maestra com a revolução rítmico-racial da Serra da Barriga.
Sempre rola também uma incursão pelos sons do Norte do País, tradição muitas vezes negligenciada nos festivalzões do Sudeste e adjacências. Dessa vez, veio logo uma aparelhagem inteira do DNA paraense: o Combo Cordeiro, que reúne o mestre da guitarrada Manoel Cordeiro e seu filho famoso, o também guitarrista Felipe Cordeiro. É uma aula concentrada do que a tradição amazônida tem produzido na contemporaneidade (em edição recente, Félix Robatto foi o homem-baile convocado pelo festival para sacudir o frio paranaense, e incendiou a plateia).
Para não incorrer no crime de cair num festival cuecão, está no line-up a banda riot-girrrl de São Paulo, The Mönic, um quarteto fundado em 2018 para derrubar a regra silenciosa de “não tem mina no rock”. Cantando letras de afirmação feminista, com peso e eletricidade punk, The Mönic já se afirmou na cena nacional com seu ideário inegociável. Atrações regionais também sempre marcam presença, e é o caso do grupo Búfalos D’Água, banda de surf music instrumental de Londrina (PR), assim como a Guglielmi Blues Band, de Paranavaí.
Sempre reunindo expoentes do rock do Mercosul (já estiveram no festival, que é realizado há 23 anos, entre outros, grupos argentinos como Bestia Bebé, Las Diferencias e El Zombie, uruguaios como Trotsky Vengarán e Molina y Los Cósmicos e paraguaios como Deficiente) com bandas que produzem o som mais avançado – e de postos geograficamente avançados – do Brasil (como o pernambucano Maciel Salú, o paraibano Seu Pereira, os mineiros do Congadar, os acreanos do Los Porongas), o Paraíso do Rock está se lixando para as pesquisas de popularidade midiática e os indicadores da IA. Sua reputação já alcança lugares (e imaginações) remotas: em 2019, a banda uruguaia Buenos Muchachos dirigiu uma van por 26 horas, percorrendo 1.700 quilômetros, para tocar uma noite no festival e, no dia seguinte após o show, regressou para Montevidéu.
Não é um festival que alguém consiga equiparar no País, nesse momento. Buitres é simplesmente o ato de rock mais influente do rock uruguaio. O trio Lucho al Attaque apresenta os hits de uma das bandas históricas da Argentina, o Attaque 77. Para não ser cabotino, este repórter tem o dever de informar ao seu leitor que também está na escalação: hoje, dia 16 de outubro, na Casa da Cultura de Paraíso do Norte, ao lado de Leonardo Vinhas, lanço meu primeiro romance, o livro A Culpa é do Lou Reed (Reformatório, 2024), assim como darei uma “palinha” da novíssima biografia de Luiz Gonzaga, a caminho pela Todavia Livros. Leonardo Vinhas apresenta o livro O Evangelho Segundo Odair, uma investigação das circunstâncias, das ideias e dos sentimentos que cercaram a feitura do disco O Filho de José e Maria (1977), clássico basilar de Odair José.
O festival tem patrocínio da Itaipu Parquetec, com apoio da Lei Rouanet.
Excelência é o nome técnico para descrever seu talento poético textual.
Não é sensacionalismo, é fidelidade aos fatos, atos e relatos.
É profissionalismo de um jornalista veterano
Respeitoso e respeitável Jotabê Medeiros
Parabéns
Lov u, mana!
Conheci o festival Paraíso do Rock através de uma postagem do Farofafá no Facebook sobre a banda Trotsky Vengaran, que eu adoro! Sempre critiquei o fato de o Brasil — com exceção do Rio Grande do Sul — raramente dar espaço para bandas de rock da Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e outros países vizinhos. Fiquei não só surpreso, mas feliz demais ao saber que uma cidade do meu querido Paraná está quebrando esse estigma! Vou fazer um esforço para ir ao festival este ano!