Jovens fazem fila para se inscrever em uma seletiva de modelos. Mães e pais ouvem atentos o empresário Julio César da Silva Lima, que adora recorrer a frases de efeito: “Não podemos ditar a moda”, “a moda já foi ditada”, “estamos aqui para seguir a moda”. Uma típica cena de casting de modelos, não fosse o lugar onde se passa a cena. É uma quadra da Unidos do Jacarezinho, dentro de uma comunidade da zona norte do Rio de Janeiro. Favela É Moda, documentário de Emilio Domingos, subverte a história com personagens e locais que não deveriam, mas são improváveis. A moda da resistência ainda é uma disputa desigual no Brasil.
“Eu não acreditava em mim, sofria bullying na escola”, diz a aspirante a modelo Raquel Félix, que depois confidenciará que, no fundo, quer estudar medicina. Aos 24 anos, Tamara Branco afirma que desde os 18 passa por agências ou faz books, mas só agora está tendo uma oportunidade. “Eu não gostava da minha boca grande. Aí vi uma cantora com boca grande e realmente vi que era bonita”, afirma. A já modelo Camila Reis lembra que suas companheiras de passarela não tinham nem ideia de onde ela morava, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
A moda historicamente perpetua a segregação racial, mas essa barreira começa a cair. Em Favela É Moda, a jornada de aspirantes a modelo contratados pela agência Jacaré revela que uma outra realidade emerge das periferias brasileiras e até o seleto mundo fashion começa a se render a ela. Se antes eram raros modelos negros, LGBTQ+, obesos etc., hoje eles são requisitados e disputados pelas agências de propaganda.
“Eles são personagens muito articulados. Muitos deles chegaram à universidade, têm consciência dos seus direitos e das conquistas que almejam”, explica o cineasta Emilio Domingos. Com Favela É Moda, Domingos fecha sua trilogia focada nos jovens das favelas cariocas, que se completa com A Batalha do Passinho (sobre os dançarinos free style) e Deixa na Régua (a moda de cortar cabelos estilizados).
Os personagens do longa-metragem revelam o o tempo todo como têm de lutar contra preconceitos e dificuldades financeiras, sociais, familiares e psicológicas. É como se eles chegassem à agência Jacaré carregando um mundo de adversidades nas costas. Depois de uma sessão de desabafo dos jovens, o empresário Julio César tenta ecoar uma nova mentalidade: “Eu vi gente com um discurso muito forte e uma resistência muito fraca. Os nossos irmãos negros já lutaram o que tinham de lutar. E agora, na hora de meter o pé, vocês pagam de coitadinhos? Não vão conseguir arrebentar essa porta chamada preconceito, homofobia?”.
O documentário, produção da Espiral e da Osmose Filmes, conquistou o prêmio de Melhor Documentário pelo voto popular no Festival do Rio 2019 e de Longa-Metragem do XIII Prêmio Pierre Verger. O filme estreia às 22h30 da sexta-feira (22), na plataforma Curta!On, do Now, segue com horários alternativos (dia 23, às 2h30 e 14h20; 24, às 21h20; 25, às 16h30; e 26, às 10h30) e depois fica disponível no serviço de streaming.
Favela É Moda. De Emilio Domingos, no Canal Curta!On/Now, 75 minutos.