OLHAR

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Virgine foi casada com um diplomata francês durante anos. Por conta da vida em movimento, de País em País, eles carregavam malas de aço – para que as coisas mais íntimas e os objetos mais queridos permanecessem seguros. Mal dava tempo para reacomodar tudo nas novas casas. Um dia, quando foram morar em Madagascar, Virginie foi abrindo as malas. “Tinha um ventilador de corpo de plástico. Na hora em que eu o apalpei, quebrou inteirinho. Aí abri outra mala e estava lá, intacta, a roupa que usei no primeiro show do grupo A Gota Suspensa. A saia de borracha, os vídeos, as fitas cassete, tudo inteirinho”, ela conta.
Estamos no café Le Pain Quotidien da Wisard. Eu, a cantora Virginie Boutaud e o tecladista Yann Laouenan. Logo chega Dany Roland, o baterista (faltaram o baixista Xavier Leblanc e o guitarrista Alec Haiat). Há 30 anos, eles contam, os ônibus de turnê em que viajavam como o grupo Metrô (a Gota Suspensa era o embrião da banda, em 1978) viviam cercados de fãs, era até difícil a locomoção, uma loucura. Tão louco que eles acabaram com a banda no ano seguinte.
Eles estão relançando, remasterizado, o disco Olhar, de 1985, acrescido de um disco ao vivo (da mesma turnê, de 1985) e faixas bônus. É um dos raros álbuns lançados no Brasil, no último século, em que quase todas as canções se tornaram hits radiofônicos: Johnny Love, Beat Acelerado, Tudo Pode Mudar, Sândalo de Dândi, Olhar, Ti Ti Ti, Cenas Obscenas. Mais impressionante ainda: até hoje, 31 anos depois, essas canções ainda tocam o tempo todo no dial do rádio do carro, basta testar – dificilmente vai passar uma hora sem uma delas.
O relançamento se dará com um show em que todas as canções serão tocadas na ordem em que estão dispostas no disco. Será esta noite, no espaço Unibes Cultural (Rua Oscar Freire, 2500, Sumaré, ao lado da Estação Sumaré do Metrô). Os ingressos custam R$ 50 (R$ 25 meia). O comeback do grupo Metrô já tem um tempinho, eles tocaram no Palco Arouche da Virada Cultural e foi envolvente, apesar de probleminhas técnicos. Agora, é um tour de force em torno de sua obra-chave.
A história desse disco é cheia de lances cinematográficos. Recentemente, Danny estava no aeroporto esperando voo para o Rio, onde vive, quando foi abordado pelo executivo português Paulo Junqueiro, novo presidente da Sony Music Brasil. Junqueiro, em 1985, chegara ao Brasil para trabalhar na indústria musical e caiu no Estúdio Transamérica. O primeiro trabalho que lhe deram foi acompanhar uma turnê da banda Metrô como técnico de som. Ele gravou toda a turnê do disco Olhar (que passou por Recife, Cruzeiro, Jaú, Tupã, Cornélio Procópio e dezenas de cidades), e manteve as fitas durante 31 anos em uma gaveta em sua casa, em Lisboa.
Junqueiro repatriou as fitas, Luiz Carlos Maluly (o produtor de Olhar, em 1985) as recuperou, e elas são do disco 2 do pacote lançado agora pela Sony (que era CBS na época em que gravaram).
Em 1985 e 1986, saíram alguns dos mais importantes discos do rock brasileiro daquela década, como Selvagem?, dos Paralamas, Cabeça Dinossauro, dos Titãs, e Dois, da Legião Urbana. As bandas mais pop, como o Metrô, Kid Abelha e Sempre Livre, eram frequentemente alvo de chacota e desprezo. 
Havia muito preconceito da crítica – embora todos frequentassem o mesmo circulo, houve até jantar na casa de Fernando Zarif em que odiadores e odiados dividiram a mesma mesa, pacificamente. 
E acabo de descobrir que não foi só repulsa, muita gente gostava – como o Silvio Essinger, que os entrevistou hoje para O Globo. Ele escreveu no Face: “Um grupo me proporcionou duas descobertas na mais tenra idade: a da alegria new wave (com o LP Olhar) e, depois, a da beleza e do inusitado (com o disco A Mão de Mao; quem não ouviu, procure já). Era o Metrô, muito mais do que uma nota de rodapé na história do rock brasileiro, com suas canções, letras e timbres invulgares. Uma honra tê-los entrevistado – espero ter feito alguma Justiça a esses grandes artistas”,
O pioneirismo dos sintetizadores de Yann e a voz pequena e bem colocada de Virginie fizeram escola, entretanto, embora eles tenham enveredado por outros rumos  – há muito de Metrô no Pato Fu e no Cansei de Ser Sexy, ela reconhece.
Curioso é que eles não ganharam muito dinheiro com o disco. Havia muito desvio no caminho, os direitos não eram bem-recebidos e também a estrutura de suas turnês era muito cara, com 23 pessoas na equipe, ônibus, caminhão, aparelhagem cara. Sobrou pouca coisa, não se tornaram milionários do rock. Mas há ainda uma legião de fãs – Virginie carrega uma sacola cheia de envelopes de Sedex que vai despachar para os fãs que lhe pedem o disco pelas redes sociais.

O papo com a banda Metrô (e um pouco do disco ao vivo inéidto) eu coloco mais para a frente aqui. Hoje, posto só esse aperitivo para dar um alô para o show.
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