El rock vai ao Paraíso

2
166
O grupo uruguaio Buitres, um dos mais influentes do País vizinho, e que vai tocar no Paraíso do Rock 2025

“Sólo quiero, al final, clavarle en su pecho frío el mismo puñal que llevo en el mío”.

Há 24 anos, a canção da banda uruguaia Buitres (significa abutres, em espanhol), Yo No Voy a Morir, queima como ponta de cigarro a consciência das plateias jovens sul-americanas, arredondando a mística de uma das bandas seminais da bacia do Rio de La Plata, há três décadas e meia na estrada.

E, dos casacos puídos dos lúmpen-rockers do Ramones, surgiu em 1987 na Argentina um grupo de vigorosa correspondência ao punk anglo-falante, o Attaque 77, há 38 anos ensandecendo plateias.

Agora, os lendários Buitres e uma pequena dissidência do Attaque 77 (o grupo Lucho al Attaque, banda do veterano baixista Luciano Scaglione), que figuram entre os mais tradicionais e longevos atos do rock hermano, pegarão a rota para uma pequena cidade do interior do Paraná, Paraíso do Norte (14.023 habitantes, segundo o censo de 2022 do IBGE), para o festival mais instigante e insólito do interior brasileiro, o Paraíso do Rock. Nos dias 16, 17 e 18 de outubro, a cidade espera uma invasão roqueira – atrás dos Buitres só não vai quem já morreu, avisou uma galera do Rio Grande do Sul que já está preparando as malas. O camping no CTG São Jorge, que abriga os shows, é gratuito, com energia elétrica, banheiro e chuveiro com água quente.

Além dos veteranos do rock vizinho, dois astros da revolução do manguebeat nordestino brasileiro, movimento que mudou a face da música mundial nos anos 1990, estão no line-up do festival: os pernambucanos Otto e Lúcio Maia. Otto Maximiliano Pereira de Cordeiro Ferreira pontificou nas primeiras formações da Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A (como percussionista, integra os dois primeiros discos do grupo). O guitarrista Lúcio José Maia Oliveira integrou a Nação Zumbi de sua formação original até 2020, assim como o Mundo Livre S/A. Tocou também com Seu Jorge, Marisa Monte e Max Cavalera. É como colocar lado a lado a sanha guerrilheira de Tacuarembó e Sierra Maestra com a revolução rítmico-racial da Serra da Barriga.

Sempre rola também uma incursão pelos sons do Norte do País, tradição muitas vezes negligenciada nos festivalzões do Sudeste e adjacências. Dessa vez, veio logo uma aparelhagem inteira do DNA paraense: o Combo Cordeiro, que reúne o mestre da guitarrada Manoel Cordeiro e seu filho famoso, o também guitarrista Felipe Cordeiro. É uma aula concentrada do que a tradição amazônida tem produzido na contemporaneidade (em edição recente, Félix Robatto foi o homem-baile convocado pelo festival para sacudir o frio paranaense, e incendiou a plateia).

Para não incorrer no crime de cair num festival cuecão, está no line-up a banda riot-girrrl de São Paulo, The Mönic, um quarteto fundado em 2018 para derrubar a regra silenciosa de “não tem mina no rock”. Cantando letras de afirmação feminista, com peso e eletricidade punk, The Mönic já se afirmou na cena nacional com seu ideário inegociável. Atrações regionais também sempre marcam presença, e é o caso do grupo Búfalos D’Água, banda de surf music instrumental de Londrina (PR), assim como a Guglielmi Blues Band, de Paranavaí.

Sempre reunindo expoentes do rock do Mercosul (já estiveram no festival, que é realizado há 23 anos, entre outros, grupos argentinos como Bestia Bebé e El Zombie, uruguaios como Trotsky Vengarán e Molina y Los Cósmicos e paraguaios como Las Diferencias e Deficiente) com bandas que produzem o som mais avançado – e de postos geograficamente avançados – do Brasil (como o pernambucano Maciel Salú, o paraibano Seu Pereira, os mineiros do Congadar, os acreanos do Los Porongas), o Paraíso do Rock está se lixando para as pesquisas de popularidade midiática e os indicadores da IA. Sua reputação já alcança lugares (e imaginações) remotas: em 2019, a banda uruguaia Buenos Muchachos dirigiu uma van por 26 horas, percorrendo 1.700 quilômetros, para tocar uma noite no festival e, no dia seguinte após o show, regressou para Montevidéu.

Não é um festival que alguém consiga equiparar no País, nesse momento. Buitres é simplesmente o ato de rock mais influente do rock uruguaio. O trio Lucho al Attaque apresenta os hits de uma das bandas históricas da Argentina, o Attaque 77. Para não ser cabotino, este repórter tem o dever de informar ao seu leitor que também está na escalação: no dia 16 de outubro, ao lado de Leonardo Vinhas, fui convidado para lançar o livro A Culpa é do Lou Reed (Reformatório, 2024) no festival, assim como para falar da novíssima biografia de Luiz Gonzaga, a caminho. Leonardo Vinhas apresenta o livro O Evangelho Segundo Odair, uma investigação das circunstâncias, das ideias e dos sentimentos que cercaram a feitura do disco O Filho de José e Maria (1977), clássico basilar de Odair José.

PUBLICIDADE

2 COMENTÁRIOS

  1. Excelência é o nome técnico para descrever seu talento poético textual.
    Não é sensacionalismo, é fidelidade aos fatos, atos e relatos.
    É profissionalismo de um jornalista veterano
    Respeitoso e respeitável Jotabê Medeiros
    Parabéns

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome