Quatro razões para ver ‘Adolescência’, na Netflix

1
253
Cena de "Adolescência", série da Netflix
Cena de "Adolescência", série da Netflix - Foto: Divulgação/ Netflix

Adolescência, série britânica em quatro episódios disponíveis na Netflix, é uma experiência visceral e reflexiva. Escrita por Jack Thorne e Stephen Graham, a produção mergulha em um crime chocante: Jamie Miller (Owen Cooper), um garoto de 13 anos, é acusado de matar a facadas uma colega de classe. Não se trata de uma narrativa policial daquelas de tirar o fôlego, mas que não costumam passar muito disso. Ela é um estudo profundo sobre essa complexa fase da vida, a influência da internet em seres ainda em formação e as fissuras de uma sociedade cada vez mais desconectada – ainda que plenamente conectada de forma digital.

Não bastassem essas características, a obra foi filmada em um único plano-sequência, uma escolha técnica de grande sofisticação que faz o espectador mergulhar na intimidade da história, quase como um participante de cada momento da trama. A câmera segue os vários personagens que surgem na tela, entrando em diferentes ambientes, voando sobre ruas, pátios escolares ou acompanhando o passeio de carro da família. Mais do que um efeito cinematográfico, essa estratégia permitiu capturar os momentos de tensão, vulnerabilidade e desespero. O resultado é uma amplificação da sensação de realismo.

Há quatro boas razões para ver Adolescência, e basta resumir cada um dos seus episódios para entender:

  1. O primeiro episódio introduz o crime e a família de Jamie, que se vê atordoada com o garoto sendo levado pela polícia. O pai Eddie (Stephen Graham), em atuação espetacular em toda série, a mãe Manda (Christine Tremarco) e sua irmã mais velha, Lisa (Amélie Pease) não acreditam no que vêem diante de seus olhos. Já Jamie, com a câmera agora dentro da viatura que o levará para a delegacia do bairro, é um personagem ambíguo: ele chora, revela-se franzino e frágil para tamanha violência cometida contra uma garota. Ele é inocente ou culpado? Já o detetive Bascombe (Ashley Walters), que protagoniza uma parte central do episódio, não tem dúvidas de que prendeu o criminoso.
  2. Para colher mais provas, é preciso encontrar a arma do crime. Os policiais vão para a escola onde se depararão com um ambiente caótico e opressivo. Os alunos vivem em um mundo paralelo ao dos adultos, e isso fica nítido em cada passeio da câmera pelos corredores e salas de aula. No colégio, nota-se uma completa desconexão geracional. Professores oscilam entre autoritários e patéticos para lidar com os nativos digitais que são os estudantes. Os policiais igualmente revelam que habitam um outro planeta. No mínimo, há um abismo intransponível entre as gerações.
  3. Jamie é entrevistado por uma psicóloga (Erin Doherty) no terceiro episódio, quando revela ser um personagem multifacetado, confuso e dúbio. Do dócil, logo em seguida descamba para um sujeito eivado de raiva. Ele é o retrato de tantos que são consumidos pela cultura tóxica da internet, de jovens que tentam se inserir de alguma forma em alguma turma, sofrem bullying e respondem com misoginia. Demonstra querer a aprovação (e foge da reprovação) do outro, seja ele a psicóloga que está à sua frente ou os fóruns online repletos de tribunais de exceção. Até que ponto o acusado não é vítima também? Estabelece-se, dentro da instituição de encarceramento juvenil, um jogo de gato e rato entre o acusado de um crime hediondo e a profissional de saúde. As perguntas lançadas no ar são simples, mas as respostas são perturbadoras sobre como a vida digital está moldando a autoestima, as relações e até as visões de moralidade dos jovens.
  4. Num salto de tempo, a família espera o julgamento de Jamie, ao mesmo tempo em que tenta recuperar o convívio feliz que sempre tiveram. É aniversário de Eddie, e Manda e Lisa querem trazer algum conforto afetivo ao pai que não dá sinais de querer abandonar o filho preso. Mas nenhuma normalidade é possível, porque esta já se esvaziu para sempre. A câmera, agora acoplada ao para-brisa do carro, mostra o que as famílias costumam fazer em tempos normais: viver a vida. Nesse quarto e último episódio de Adolescência, há um diálogo cortante entre pai e mãe, em que eles tentam buscar respostas para o pesadelo em que foram lançados. O olhar da família fecha o ciclo, mas não esgota o problema.

A série Adolescência é um retrato sombrio e chocante de como a modernidade está afetando a juventude nessa fase da transição da infância para a vida adulta. Não espere respostas fáceis, porque elas não virão. Tampouco desfechos sobre o que aconteceu com Jamie, a família e todos os demais personagens. Não haverá veredito algum, a não ser o de que a sociedade errou. A obra na Netflix é um must-see para pais e jovens que deveriam fazer dela um tema de debate permanente dentro de suas casas antes que seja tarde demais.

Adolescência. Na Netflix, série em quatro episódios. Reino Unido, 2025.

PUBLICIDADE

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome