Adolescência, série britânica em quatro episódios disponíveis na Netflix, é uma experiência visceral e reflexiva. Escrita por Jack Thorne e Stephen Graham, a produção mergulha em um crime chocante: Jamie Miller (Owen Cooper), um garoto de 13 anos, é acusado de matar a facadas uma colega de classe. Não se trata de uma narrativa policial daquelas de tirar o fôlego, mas que não costumam passar muito disso. Ela é um estudo profundo sobre essa complexa fase da vida, a influência da internet em seres ainda em formação e as fissuras de uma sociedade cada vez mais desconectada – ainda que plenamente conectada de forma digital.
Não bastassem essas características, a obra foi filmada em um único plano-sequência, uma escolha técnica de grande sofisticação que faz o espectador mergulhar na intimidade da história, quase como um participante de cada momento da trama. A câmera segue os vários personagens que surgem na tela, entrando em diferentes ambientes, voando sobre ruas, pátios escolares ou acompanhando o passeio de carro da família. Mais do que um efeito cinematográfico, essa estratégia permitiu capturar os momentos de tensão, vulnerabilidade e desespero. O resultado é uma amplificação da sensação de realismo.
Há quatro boas razões para ver Adolescência, e basta resumir cada um dos seus episódios para entender:
- O primeiro episódio introduz o crime e a família de Jamie, que se vê atordoada com o garoto sendo levado pela polícia. O pai Eddie (Stephen Graham), em atuação espetacular em toda série, a mãe Manda (Christine Tremarco) e sua irmã mais velha, Lisa (Amélie Pease) não acreditam no que vêem diante de seus olhos. Já Jamie, com a câmera agora dentro da viatura que o levará para a delegacia do bairro, é um personagem ambíguo: ele chora, revela-se franzino e frágil para tamanha violência cometida contra uma garota. Ele é inocente ou culpado? Já o detetive Bascombe (Ashley Walters), que protagoniza uma parte central do episódio, não tem dúvidas de que prendeu o criminoso.
- Para colher mais provas, é preciso encontrar a arma do crime. Os policiais vão para a escola onde se depararão com um ambiente caótico e opressivo. Os alunos vivem em um mundo paralelo ao dos adultos, e isso fica nítido em cada passeio da câmera pelos corredores e salas de aula. No colégio, nota-se uma completa desconexão geracional. Professores oscilam entre autoritários e patéticos para lidar com os nativos digitais que são os estudantes. Os policiais igualmente revelam que habitam um outro planeta. No mínimo, há um abismo intransponível entre as gerações.
- Jamie é entrevistado por uma psicóloga (Erin Doherty) no terceiro episódio, quando revela ser um personagem multifacetado, confuso e dúbio. Do dócil, logo em seguida descamba para um sujeito eivado de raiva. Ele é o retrato de tantos que são consumidos pela cultura tóxica da internet, de jovens que tentam se inserir de alguma forma em alguma turma, sofrem bullying e respondem com misoginia. Demonstra querer a aprovação (e foge da reprovação) do outro, seja ele a psicóloga que está à sua frente ou os fóruns online repletos de tribunais de exceção. Até que ponto o acusado não é vítima também? Estabelece-se, dentro da instituição de encarceramento juvenil, um jogo de gato e rato entre o acusado de um crime hediondo e a profissional de saúde. As perguntas lançadas no ar são simples, mas as respostas são perturbadoras sobre como a vida digital está moldando a autoestima, as relações e até as visões de moralidade dos jovens.
- Num salto de tempo, a família espera o julgamento de Jamie, ao mesmo tempo em que tenta recuperar o convívio feliz que sempre tiveram. É aniversário de Eddie, e Manda e Lisa querem trazer algum conforto afetivo ao pai que não dá sinais de querer abandonar o filho preso. Mas nenhuma normalidade é possível, porque esta já se esvaziu para sempre. A câmera, agora acoplada ao para-brisa do carro, mostra o que as famílias costumam fazer em tempos normais: viver a vida. Nesse quarto e último episódio de Adolescência, há um diálogo cortante entre pai e mãe, em que eles tentam buscar respostas para o pesadelo em que foram lançados. O olhar da família fecha o ciclo, mas não esgota o problema.
A série Adolescência é um retrato sombrio e chocante de como a modernidade está afetando a juventude nessa fase da transição da infância para a vida adulta. Não espere respostas fáceis, porque elas não virão. Tampouco desfechos sobre o que aconteceu com Jamie, a família e todos os demais personagens. Não haverá veredito algum, a não ser o de que a sociedade errou. A obra na Netflix é um must-see para pais e jovens que deveriam fazer dela um tema de debate permanente dentro de suas casas antes que seja tarde demais.
Isabela Boscov também elogiou a série,eu não assisto séries,mas o tema é muito bom!