O ano mal começou – o carnaval terminou outro dia – e a pergunta que martela o juízo de quem assiste Desassossego é: quantas máscaras usamos ao longo da vida?
Desassossego é a peça da Companhia A Máscara de Teatro, de Mossoró/RN, com os atores Jeyzon Leonardo e Luciana Duarte, “atuadores de elite”, dirigida por Marcelo Flecha, da Pequena Companhia de Teatro, em cuja charmosa sede (Rua do Giz, 295, Praia Grande), o espetáculo está sendo encenado em curta temporada – de ontem (13) até amanhã (15), sempre às 20h (a retirada de ingressos acontece uma hora antes do espetáculo).
Livremente inspirada no Livro do Desassossego, do poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), a leitura prévia da obra não é pré-requisito para sua compreensão – Flecha é craque em transposições, quem viu Velhos caem do céu como canivetes (inspirada em Gabriel García Márquez [1927-2014]) e Pai e filho (em Franz Kafka [1883-1924]) sabe do que falo. Escrita a seis mãos, Desassossego tem dramaturgia de Marcelo Flecha e Companhia A Máscara de Teatro. Além de Pessoa o texto tem citações de Mário Quintana (1906-1994) e Sérgio Sampaio (1947-1994).
Porque Desassossego, o espetáculo, é teatro falando de teatro, mas não só. Dois atores de uma companhia levam ao palco diversas ideias para sua próxima montagem e ali descortinam uma série de reflexões que vai muito além do teatro, passando por questões filosóficas, existenciais e políticas.
No último quesito, vem à tona, por exemplo, o asfixiamento do setor cultural promovido recentemente no Brasil, então governado pela extrema-direita, com o agravante da pandemia de covid-19 (ou seria o contrário?). Em determinada altura da encenação, ouvimos o ator dizer que é melhor um espetáculo ruim do que espetáculo nenhum, enfatizando a necessidade de políticas de fomento para o setor cultural e a capacidade de rir de si mesmo, com as imperfeições sendo entendidas também como parte do processo, de aprendizado e melhoria contínua.
O bom humor não se perde de vista: em determinada altura, enquanto ela desembaraça-lhe os cabelos de uma espécie de peruca de Medusa, a ouvimos dizer: “está tudo emaranhado, parece cabeça de artista”, o que bem traduz, para uns a genialidade, e para outros o preconceito contra a classe artística, às vezes ainda marginalizada por discursos enviesados que reduzem-na a algo formado por “mamadores” de leis de incentivo fiscal.
Não à toa, também, é importante ressaltar que a circulação do espetáculo, que celebra os 20 anos dA Máscara e se encerra na capital maranhense, é fruto da Bolsa Funarte de Teatro Myriam Muniz 2023.
Arte, vida e política são cerzidos no grande bastidor que é o espetáculo: se usamos máscaras para além do carnaval e do teatro, é preciso pensar sobre seu uso, sobretudo num triste tempo em que a liberdade de expressão é confundida com o aval para o cometimento de crimes.
O intercâmbio que une A Máscara e a Pequena Companhia de Teatro constrói uma ponte Rio Grande do Norte-Maranhão, solidamente pavimentada pela paixão dos envolvidos por teatro e por sua capacidade de reflexão sobre seu ofício. Necessário, diga-se de passagem.
Serviço: Desassossego. De Marcelo Flecha e Companhia A Máscara de Teatro. Com Jeyzon Leonardo e Luciana Duarte. Hoje (14) e amanhã (15), às 20h, na sede da Pequena Companhia de Teatro (Rua do Giz, 295, Praia Grande). Ingressos grátis. Retirada uma hora antes das sessões.
Quero abraço! Ficamos no aguardo! Desassossegar junto que delícia! Muito obrigada! Como é saboroso ler em voz alta e ouvir uma bela música. Isso pra mim é música!