A juíza federal substituta Tatiana Pattaro Pereira, na noite desta quarta-feira, 8, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, que corria na 14ª Vara Cível Federal em São Paulo pedindo a suspensão imediata dos editais da Lei Paulo Gustavo coordenados pelo governo do Estado de São Paulo. Na mesma decisão, a juíza suspendeu parcialmente a liminar (tutela de urgência) que impedia o governo de anunciar o resultado dos editais desde o dia 26 de outubro. A juíza considerou que o foro federal seria ilegítimo para julgar o caso, avaliando que a União não deveria ser o polo passivo (ré) da ação, já que a condução dos editais, embora com verba federal, está sendo totalmente orientada pelo governo de São Paulo e, portanto, somente a Justiça estadual teria competência para decidir.
A Ação Civil Pública foi ajuizada pela Defensoria Pública da União, que teve liminar favorável concedendo a suspensão temporária do andamento dos 24 editais que foram publicados no dia 6 de setembro passado. Com a nova decisão, os autos foram remetidos à Justiça Estadual de São Paulo e o caso volta à estaca zero, o que permite à Secretaria de Estado da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo retomar a apreciação dos projetos inscritos e até divulgar resultados já apurados. A decisão de hoje foi resultado de um Agravo de Instrumento da secretaria. Caso isso ocorra (a divulgação de resultados), a consumação do processo pode enfraquecer as demandas judiciais que campeiam na Justiça, e cujos autores já encaminharam contestações ontem mesmo.
O Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP) publicou nota sobre o caso festejando a decisão que desbloqueia o processo dos editais, alegando que “contemplarão mais de 400 projetos e 20 mil trabalhadores da cultura em 2024”. Esse otimismo choca-se com os diagnósticos de cerca de 300 coletivos e entidades representativas de artistas acerca da abrangência rarefeita dos editais paulistas: os 24 editais publicados em setembro pela Secretaria de Cultura deverão contemplar, com seus 350 milhões, aproximadamente 900 projetos culturais, conforme estimativa do próprio governo estadual. Isso representa 677,7% menos do que a Lei Aldir Blanc (que destinou R$ 264 milhões para São Paulo em 2020, em plena pandemia) conseguiu beneficiar em 2020, quando atingiu cerca de 7 mil projetos e iniciativas. Os coletivos (e mandatos parlamentares) também apontam uma característica de alta concentração dos editais atuais: enquanto a Lei Aldir Blanc tinha uma média de R$ 37 mil por projeto (e o próprio PROAC 2023 do governo do Estado tem um valor médio em torno de R$ 100 mil), os editais de setembro distribuirão uma média de recursos média superior a R$ 400 mil. Outra questão: 21 dos 24 editais destinam-se a projetos de pessoas jurídicas, em detrimento das pessoas físicas. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, tem expressado preocupação em que os recursos atinjam os produtores e artistas que estão “na ponta” desassistida das políticas públicas de cultura.
A ação civil pública tinha como foco a forma como foram publicados os editais. Segundo argumentos do Ministério Público Federal, os textos contrariam os princípios da própria Lei Paulo Gustavo, servindo primordialmente à concentração de recursos (em prol de um seleto grupo de proponentes), burocratização e afunilamento do acesso (somente CNPJs com mais de 5 anos de atividade podem concorrer), com mecanismos contrários à eficiência e agilidade e em desacordo com as regras de democratização do debate no setor cultural. Em reunião com os artistas que protestam contra os editais, a secretaria ficou de rever algumas regras, mas condicionou suas mudanças à alteração do prazo para que se usem os recursos federais da legislação – o prazo limite é o dia 31 de dezembro deste ano (caso contrário, o dinheiro repassado aos entes federativos deve ser devolvido ao Tesouro Nacional). Há uma possibilidade real agora de o prazo ser estendido: na última terça-feira, 7, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal aprovou um projeto de lei (de autoria do senador Randolfe Rodrigues) que estica o prazo para a utilização desses recursos da cultura até o final do ano que vem. O projeto corre em regime de urgência para que a matéria seja votada diretamente no Plenário do Senado.