O poeta Arnaldo Vieira lança hoje (13) “Cemitério de Mamutes” (Pitomba!, 2023), sua terceira coletânea de poemas, que sucede “Hoje Também É Segunda” (2020) e a estreia “Música Para Afogamentos” (2018), todos publicados pela mesma editora – os três livros têm uma unidade gráfica e funcionariam bem juntos em uma caixa.
“Cemitério de Mamutes” também é ilustrado por imagens de livros medievais. Capa e miolo, assinados pelo editor Bruno Azevêdo, se valem de ilustrações de “The New Herbal” (1543), do médico alemão Leonhart Fuchs, considerado um dos pais da botânica, com gravuras de plantas de vários continentes.
Advogado, professor e doutor em Políticas Públicas, a poesia de Arnaldo Vieira traz referências diversas, passeando pela cultura pop (música, literatura, cinema), reflexões íntimas, chistes a Leminski, amores e questões sociais.
“Maiobão – Linha 01” chama a atenção, seja pelo fato de ser o poema mais longo do livro, seja pelo fato de ter sido escrito quando o autor era ainda um estudante universitário e os motoristas de ônibus continuarem “mirando” os buracos das vias públicas na ilha de São Luís.
A noite de autógrafos de “Cemitério de Mamutes” acontece hoje (13), às 19h, na Ludorama (Rua dos Bicudos, 8, Renascença), com pocket show do cantor e compositor Paulão – colega de profissão do autor – que lançou no fim do ano passado o EP “Corpo Aberto”, disponível nas plataformas de streaming.
Arnaldo Vieira conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.

ZEMA RIBEIRO: Quero te ouvir um pouco sobre processo e método. Quando é que você percebe ter um livro pronto?
ARNALDO VIEIRA: Eu vou escrevendo conforme surge alguma ideia ou frase que ache legal. Às vezes vem quando estou dormindo ou dirigindo ou até conversando com alguém e guardo a ideia pra depois. Tem épocas que passo meses sem escrever nada e tem vezes que faço vários num intervalo curto de tempo. Queria conseguir uma regularidade maior, mas nem sempre consigo. Daí, quando paro pra ver, tem uma quantidade razoável feita e parto pra ideia de publicar. Esse foi um exercício de resgate de coisas antigas que não tinham sido publicadas e dos textos mais recentes.
ZR: Advogado, professor, doutor em políticas públicas e poeta. Em que medida os Arnaldos que você contém se ajudam e se atrapalham?
AV: Eu não costumo pensar muito nessas separações, acho que nesse ponto as coisas se ajudam. Claro que o tempo de cada atividade precisa ser dosado com as outras, mas eu estou sempre pensando em um monte de coisas ao mesmo tempo e acho que lidar com atividades, experiências e pessoas diversas me ajuda a me relacionar melhor com os outros e a escrever também. São processos que não se separam.
ZR: As referências de teus poemas compõem um mosaico que demonstra o amplo leque de assuntos de teu interesse, da própria poesia, literatura, cinema, música, o cotidiano e o amor, o mais cantado tema em verso e prosa. Quem são teus autores e autoras de cabeceira, aqueles a quem você está sempre voltando para uma releitura?
AV: Eu sempre volto pro Jorge Luis Borges [1899-1986], pro Roberto Bolaño [1953-2003], Walt Whitman [1819-1892], Shakespeare [1564-1616], Drummond [1902-1987]. São textos que sempre revisito. Mas gosto muito de ler coisas que não conheço, de prosa, quadrinhos, mas especialmente poesia. Tento mesclar sempre isso de voltar pro conhecido de referência e de descobrir coisas novas. E gosto muito do processo de encontrar referências de uns em outros. Um personagem que aparece, uma menção a um texto clássico, um lugar revisitado.
ZR: Teus três livros publicados até aqui têm uma unidade gráfica, fruto do capricho de teu editor, Bruno Azevêdo. Você acompanha o processo de feitura do livro para além de escrever os poemas ou simplesmente os entrega e confia?
AV: Geralmente, eu dou a ideia pro Bruno do que acho legal ter nas ilustrações, a gente procura juntos algumas obras antigas em domínio público naquela temática e depois ele seleciona o que acha legal de ficar no livro e a gente vai discutindo a montagem. É um processo bem divertido pra mim, de visitar essas obras antigas, mas também é demorado e acaba justificando um pouco o intervalo de tempo pra publicar. Os poemas já estão prontos tem tempo. Já tenho material pra outro livro, inclusive.
ZR: O lançamento de hoje na Ludorama terá pocket show de Paulão, outro artista que é também colega de profissão. O que estas trocas representam para você?
AV: Paulão não só é meu colega de profissão como um amigo e sócio na advocacia, de quem tive a honra de ser chefe de estágio. Guardo com carinho a época em que íamos juntos fazer atendimentos no sindicato e ele mostrava músicas novas pra mim. Dele e de outros artistas. Fiquei muito feliz quando ele topou a ideia do show porque é um artista que admiro desde a época de escrita dele no blog que ele tinha, ainda antes de ouvir as músicas.
ZR: Em tempo: por que a escolha do lugar para a sessão de autógrafos?
AV: A ideia do Ludorama para o lançamento foi de Bruno, que é um frequentador assíduo de lá. Topei na mesma hora, porque sempre gostei do local. Acho que a pegada das referências e da proposta dialogam bastante com a forma como penso e escrevo as coisas e é um lugar de memória pra mim desde que lá funcionava a Confraria Uchoa. Era e é um lugar de encontro com amigos e acho que casa bem com a ideia de apresentar o livro pras pessoas queridas.
ZR: Um dos poemas que mais me chama a atenção no livro é “Maiobão – Linha 01”, que além de fazer alusão às suas origens, costura referências incluindo questões sociais, até fugindo um pouco do padrão dos poemas reunidos em “Cemitério de Mamutes”, salvo melhor juízo é o poema mais longo do livro. “A consciência não pega ônibus”, diz um dos versos. A seu ver, essa falta de consciência (de classe) ajudou a empurrar o Brasil para o abismo a que acompanhamos recentemente?
AV: Esse poema é um dos meus tempos de estudante universitário ainda. Da vida de ônibus lotado pra ir pro estágio e passar o dia fora, antes de voltar pra Vila Cafeteira quase meia noite. Acho que me peguei fazendo textos mais curtos a cada vez e minha ideia é um dia lançar um tweet [risos]. Então, ele acaba fugindo um pouco do padrão também por isso. Lembro que quando escrevi, pensei na gente, enquanto sociedade, como esse grande ônibus lotado mesmo. Tem tudo ali naquele Maiobão Linha 1. Você vê de tudo. Até quem acha que está confortavelmente sentado, não está no melhor dos mundos e nem sempre se apercebe disso. Coloquei ele no livro pra me lembrar também. O exercício de saber de onde a gente veio e onde a gente está é essencial pra gente não esquecer do que a gente ainda tem que fazer pra se ajudar a sair do abismo em que fomos colocados.