Olav Schrader (direita), monarquista do Iphan no Rio, ao lado de Luiz Philippe de Orléans e Bragança (centro), presumível descendente da família real, e Luiz Carlos Ramiro Júnior, ex-presidente da Fundação Biblioteca Nacional

A hesitação em nomear-se o novo presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem um efeito colateral evidente: após uma semana da posse do novo governo, o velho Iphan, aparelhado, segue tendo suas decisões concentradas pelos bolsonaristas ou colaboracionistas. É o caso, por exemplo, da Superintendência do Iphan no Rio de Janeiro, controlada pelo monarquista Olav Antonio Schrader, que nesta segunda-feira, 8, constituiu uma Comissão Permanente de Licitação para o patrimônio do Rio de Janeiro, nomeando seis servidores para integrá-la. Schrader também nomeou pregoeiros do Iphan nesta segunda.

O impasse para se iniciar a renovação no Iphan decorre de uma queda-de-braço política. Alijado dos principais cargos nas nomeações do novo governo, o Partido Verde (PV), que integrou a coalização que levou Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, pretende ficar com a presidência do instituto, tendo indicado para isso o ex-deputado (e ex-candidato ao governo do Distrito Federal) Leandro Grass, professor, sociólogo e mestre em desenvolvimento sustentável e gestor cultural. Grass integrou o Grupo de Transição do presidente Lula, coordenando o Grupo Técnico de Desenvolvimento Regional.

Ao tomar conhecimento dessa intenção, entretanto, a Associação de Servidores do Ministério da Cultura enviou carta à ministra Margareth Menezes pedindo a priorização de uma indicação técnica para o Iphan, e clamando para que o nome escolhido para presidir o patrimônio histórico seja alguém “com experiência e reconhecimento no campo do patrimônio cultural e da gestão pública no setor”. Em enquetes realizadas entre técnicos do patrimônio, preponderam alguns nomes à frente dos preferidos pelos especialistas em preservação, entre eles o arquiteto baiano Nivaldo Andrade, a museóloga Célia Corsino e os professores e arquitetos Andrey Rosenthal Schlee, da UnB, e Leonardo Barci Castriota, da UFMG).

Em estágio de reestabelecimento, o Ministério da Cultura que foi recriado ainda trabalha num limbo legal, dependendo mais das exonerações do que das nomeações para “limpar a área” do aparelhamento bolsonarista. Não são os casos do Iphan e do Ibram, de cujas decisões nos setores técnicos de patrimônio e museologia depende o funcionamento de uma cadeia de atividades. Após os ataques terroristas em Brasília neste domingo, por exemplo, a ministra Margareth Menezes anunciou hoje uma força-tarefa do Iphan para inventariar os bens artísticos e culturais danificados pelos golpistas nos espaços tombados. “Recebi um telefonema de Marlova Noleto, diretora e representante da Unesco no Brasil, e com quem tenho uma relação de amizade e carinho, que generosamente se colocou à inteira disposição para contribuir com a reforma e recuperação das sedes dos Três Poderes e de tudo que foi depredado”, escreveu a ministra.

Os terroristas que invadiram o Congresso e o STF esfaquearam em sete pontos uma tela de Di Cavalcanti (1897-1976), As Mulatas, painel pintado em 1962; uma obra de Frans Krajcberg (1921-2017) foi totalmente quebrada; está destruído um relógio raro do século 18 (“Nem em Versalhes tem algo igual”, disse um arquiteto do Iphan) que veio ao Brasil com a família real portuguesa de D. João VI; uma escultura de Bruno Giorgi (1905-1993), O Flautista, da década de 1950, foi danificada; levaram ainda a versão original encadernada da Constituição Federal de 1988, investiram contra estátuas e monumentos e mobiliário e surrupiaram até togas dos ministros do STF.

A vistoria encontrou ainda um bigodinho pintado em cima do retrato de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, do artista Oscar Pereira da Silva, pintado em 1922; picharam a escultura A Justiça, do artista Alfredo Ceschiatti, de 1961; vilipendiaram o o painel Araguaia, vitral de Marianne Peretti, de 1977, que estava na Câmara dos Deputados; há um quadro menor atribuído a Portinari, mas ainda não identificado. Calcula-se que tenham sumido cerca de 20 obras de arte.

O ataque direto às obras, combinado ao período de obscurantismo e desprezo em relação ao patrimônio e à cultura, está sendo objeto de um amplo levantamento – sua extensão ajudará a responsabilizar aquele que foi provavelmente o mais danoso período da História para o setor.

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome